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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Relatório Global. Aliança Global contra o Trabalho Forçado

Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado é o novo relatório global publicado em 2005 em seguimento a Declaração de 1998 relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Este relatório examina o trabalho forçado contemporâneo e apresenta as ações que vêm sendo realizadas em diveros países para combater o problema, com grande destaque para o Brasil.

Não ao Trabalho Forçado é o segundo relatório global publicado no contexto do novo instrumento promocional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o seguimento da Declaração de 1998 relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Este relatório examina detidamente a variada gama de formas que o trabalho forçado assume no mundo de hoje e as diversas reações que provoca, com o objetivo de mobilizar mais apoio para a sua erradicação.

RELATÓRIO DO DIRETOR-GERAL

NÃO AO TRABALHO
FORÇADO

Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT
relativa a Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

89ª Reunião 2001
Relatório I (B)

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO
SECRETARIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

GENEBRA

NÃO AO TRABALHO FORÇADO 4

ISBN: 92-2-811948-9
1ª edição 2002
As designações empregadas, conforme praxe adotada pelas Nações Unidas, e a forma em que são
apresentados os dados nas publicações da OIT não implicam juízo algum por parte da Organização
Internacional do Trabalho sobre a situação jurídica de nenhum dos países, zonas ou territórios citados
ou de suas autoridades, tampouco com referência à delimitação de suas fronteiras.
As referências a firmas ou a processos ou produtos comerciais não implicam qualquer aprovação pela
Organização Internacional do Trabalho, e o fato de não se mencionarem firmas ou processos ou
produtos comerciais não significa qualquer desaprovação.

As publicações da OIT podem ser obtidas no escritório da OIT no Brasil: Setor de Embaixadas
Norte, lote 35, 70.800-400, Brasília-DF, Brasil. Tel: (61) 426-0100 ou na Organização Internacional do
Trabalho, CH-1211, Genebra 22, Suíça. Catálogos ou listas de novas publicações podem ser também
solicitados no mesmo endereço.
Este Relatório pode ser também consultado na página da OIT na Internet
(http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/info/download/index.htm)
Tradução: Edilson Alckimim Cunha
Impressão: Estação Gráfica Ltda
Impresso no Brasil
5 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Resumo
Introdução
Parte I. Trabalho forçado e compulsório: uma visão dinâmica e global
1. Trabalho forçado, uma realidade em evolução
2. Escravidão e raptos: um problema persistente
3. Participação compulsória em obras públicas
4. Trabalho forçado na agricultura e em zonas rurais remotas: práticas
coercitivas de recrutamento
Combate ao trabalho forçado no Brasil rural
5. Trabalhadores domésticos em situações de trabalho forçado
6. Trabalho em regime de servidão e sua erradicação
Definição de trabalho em regime de servidão: questões conceituais
e de políticas
Estrutura legal e institucional para a erradicação do trabalho em
regime de servidão
Estimativa numérica
Erradicação do trabalho em regime de servidão:
experiência prática
7. Um caso extremo: trabalho forçado exigido por militares
8. Trabalho forçado com relação ao tráfico de pessoas:
o outro lado da globalização
Tráfico e trabalho forçado: aspectos demográficos e de gênero
Quais são as causas do tráfico?
Reação ao tráfico: medidas nacionais
9. Trabalho forçado penitenciário: dilemas contemporâneos
Parte II. Assessoria da OIT com vista à eliminação do trabalho forçado
e compulsório: experiências até o momento
1. Introdução
2. Ação internacional contra o trabalho forçado
O contexto do trabalho da OIT
Sumário
vii
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34
39
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79
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86
88
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 6
3. Trabalho forçado e trabalhadores rurais:
A experiência passada mostra o caminho a seguir
4. Assistência e cooperação técnica da OIT para a eliminação do
trabalho forçado ou compulsório
5. Envolvimento dos parceiros sociais
6. Avaliação da eficácia: comentários finais
Parte III. Por um plano de ação contra o trabalho forçado
1. Necessidade de um plano de ação conjunta
2. Alcance de um plano de ação da OIT contra o trabalho forçado:
considerações gerais
3. Trabalho forçado: uma responsabilidade global e comum
4. Problemas específicos de uma ação futura
Pesquisa e análise temáticas
Trabalho forçado e tráfico
Abordagem de trabalho forçado no desenvolvimento rural
Inspeção do trabalho e aplicação da lei
Estatísticas
Enfoque do trabalho doméstico
Alcançar os vulneráveis: desafios para os parceiros sociais
Programa especial contra o trabalho em servidão
5. Observações finais
Sugestões de tópicos para discussão
Anexos
1. Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no
Trabalho e seu Seguimento
2. Seguimento da Declaração (fluxograma): incentivar esforços para a
observância dos princípios e direitos fundamentais no trabalho
3. Quadro de ratificações das Convenções 29 e 105 da OIT e de relatórios
anuais apresentados nos termos do seguimento da Declaração
referente à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
compulsório
4. Instrumentos internacionais referentes ao trabalho forçado
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150
vi
7 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Resumo
O trabalho forçado é universalmente condenado. A eliminação, porém,
de suas múltiplas formas - das ancestrais até as mais recentes, que vão da
escravidão e do trabalho em regime de servidão ao tráfico de seres humanoscontinua
sendo um dos problemas mais complexos que enfrentam as
comunidades locais, governos nacionais, organizações de empregadores e de
trabalhadores e a comunidade internacional. Buscar uma forma de pôr fim a
essa negação da liberdade humana supõe a aplicação de soluções
multidimensionais para combater as diferentes formas que assume o trabalho
forçado1.
Não ao Trabalho Infantil é o segundo relatório global publicado no contexto
do novo instrumento promocional da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), o seguimento da Declaração de 1998 relativa a Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho. Este relatório examina detidamente a variada gama
de formas que o trabalho forçado assume no mundo de hoje e as diversas
reações que provoca, com o objetivo de mobilizar mais apoio para a sua
erradicação. O Relatório conclui propondo um programa específico de ação,
para discussão e aprovação pelos membros constituintes da OIT, que propõe
uma abordagem holística para a eliminação dessa terrível prática.
Por meio de um amplo estudo de dados disponíveis, a Parte I do Relatório
examina as formas mais comuns de trabalho forçado ainda existentes. Nos
últimos anos, cresceu consideravelmente o interesse da opinião pública mundial
pelo problema do trabalho forçado, graças a apelos internacionais a um
determinado país (Myanmar) para pôr fim a esse problema persistente. Por
outro lado, aumentou consideravelmente nestes dez últimos anos, em âmbito
mundial, o tráfico de mulheres e crianças, principalmente para atender a redes
de prostituição e ao serviço doméstico, mas também para o fornecimento de
mão-de-obra clandestina. Na América do Norte, processos de grande
repercussão contra indústrias que empregam trabalhadores em condições de
exploração têm resultado em pesadas penalidades e contribuído para a
1 Como é dito no Relatório, a expressão “trabalho forçado” tem um preciso significado jurídico,
e não deveria ser confundido com a terminologia popular que às vezes lhe é dada para descrever
trabalho mal-remunerado, perigoso ou realizado em condições gerais de exploração.
vii
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 8
conscientização pública. Mas, milhões de pessoas, na Ásia Meridional e
na América Central e do Sul, vivem e trabalham em regimes de servidão
por dívida.
Não ao Trabalho Escravo passa em revista as iniciativas tomadas
pela OIT e pelas Nações Unidas, desde a década dos 20, para fazer frente
ao problema do trabalho forçado. Dando prosseguimento a atividades que
havia empreendido, a pedido da Liga das Nações, a OIT adotou, em 1930,
a Convenção 29 sobre trabalho forçado. Nos anos 50, dispensou renovada
atenção a outras formas de trabalho forçado, imposto como forma de
punição de opiniões políticas ou como vestígios de um feudalismo agrário
ainda generalizado na época. Em 1956, as Nações Unidas reagiram com
uma convenção para a abolição da escravidão, e a OIT, em 1957, com a
Convenção 105, sobre a abolição do trabalho forçado. Embora
universalmente condenada, nesses e em outros instrumentos, a prática do
trabalho forçado não desapareceu.
O Relatório traz dados muito ilustrativos sobre os diversos fatores
presentes em cada categoria identificada como trabalho forçado. Em muitos
casos, a OIT e outras organizações internacionais têm contribuído com sucesso
para a redução ou eliminação dessa prática. O Relatório mostra que o trabalho
forçado pode ser abolido com a conjugação de vontade política e esforços da
comunidade internacional, de diversos ministérios, de interlocutores sociais e
de organizações não governamentais.
Como observa o Relatório, a escravidão ainda existe em alguns poucos
países da África. O trabalho forçado, na forma de contratação coercitiva, está
presente em muitos países da América Latina e em algumas regiões do Caribe,
e em outras partes do mundo. Essa prática abusiva afeta particularmente
populações indígenas. Um exame mais profundo da situação em três países da
região, citados como exemplos, mostra como a assistência da OIT, juntamente
com iniciativas de governos e da sociedade civil, pode contribuir para reduzir o
problema (Brasil, República Dominicana e Haiti). A variante na África – trabalho
comunal obrigatório – mostra que alguns governos atuais perpetuam práticas
e leis dos tempos coloniais.
Trabalhadores domésticos costumam ser apanhados em situações de
trabalho forçado (por exemplo, quando impedidos física ou legalmente de
abandonar o domicílio do empregador), por meio de ameaças ou atos de violência
física, ou de artifícios como a retenção de documentos de identidade, ou da
remuneração. Os setores mais afetados por essa prática, existente em vários
países, são, na sua absoluta maioria, mulheres e crianças, freqüentemente ligadas
às atividades do tráfico e da migração.
Não ao Trabalho Escravo dedica parte importante de sua análise à
persistência do trabalho em regime de servidão na Ásia Meridional. Encontrados
principalmente na agricultura e em certas indústrias, milhões de homens,
mulheres e crianças em todo o subcontinente ficam presos a seus trabalhos por
um círculo vicioso de dívidas. O Relatório analisa primeiramente os 25 anos de
experiência da Índia em seus esforços para dimensionar e erradicar o problema
com a aplicação de diversas medidas. Por exemplo, soluções encontradas no
Estado de Andhra Pradesh, como a concessão de meios de produção e de
créditos a pessoas até então sujeitas a trabalho forçado, tiveram resultados
positivos na medida em que permitiram a essas pessoas escaparem de tal situação.
RESUMO
viii
9 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Mas uma conseqüência não prevista foi o aumento do número de mulheres
que caíram no regime de servidão, por terem de assumir mais
responsabilidades para fazer face ao pagamento das dívidas familiares.
Isso leva o Relatório a levantar a questão dos motivos que obrigam as
mulheres a herdar as dívidas e, por conseguinte, a obrigação do trabalho
em regime de servidão assumida anteriormente por seu pai ou marido, e a
razão pela qual nem sempre herdam suas terras.
Passando ao Paquistão, o Relatório menciona graves abusos entre
agricultores sem terra da região de Sindh, conforme revela a Comissão de
Direitos Humanos do Paquistão. Pesquisa realizada entre cerca de mil
trabalhadores revelou que três quartos deles tinham sido vítimas de restrições
físicas, como cárcere privado, e que cerca de 90 por cento de seus filhos tinham
sido obrigados a trabalhar. A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão
comprou terra e instalou acampamentos temporários para abrigar famílias.
Na região Sudoeste do Nepal vinha sendo praticado, havia várias décadas,
o que constitui um exemplo clássico de trabalho agrícola forçado de tipo
semifeudal. Famílias inteiras, em grande parte pertencentes a um grupo étnico
de indígenas, foram apanhadas num ciclo de dívida e de servidão, situação que
o Governo havia recentemente proibido por lei, tendo, inclusive, pedido o apoio
da OIT para conseguir, na prática, sua eliminação. O uso de trabalho forçado
por militares e outros órgãos, a pretexto de impulsionar projetos de
desenvolvimento, deu origem à situação, já muito conhecida, que envolve
Myanmar. Numa decisão sem precedentes nos 80 anos de história da
Organização, os Estados-membros da OIT assumiram uma posição com base
no artigo 33 da Constituição. Entre outras coisas, essa posição concretizou-se
num apelo aos Estados-membros da OIT, assim como a organizações de
empregadores e de trabalhadores e a outras organizações internacionais, para
examinarem suas relações com aquele país.
Não ao Trabalho Escravo analisa também, detalhadamente, o novo
e crescente fenômeno do tráfico de pessoas. É um problema de fato mundial:
a maioria dos países são “países de origem”, “países de trânsito”, “países
receptores” dessas pessoas, ou alguma combinação de todos esses. Embora o
tráfico de pessoas seja uma prática muito antiga, só recentemente se chegou a
uma definição internacionalmente aceita, num Protocolo de Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado, aberto a assinaturas
em dezembro de 2000. A definição de “tráfico de pessoas” faz referência a seus
elementos coercitivos, entre os quais figuram o trabalho forçado, a servidão
por dívidas e práticas análogas à servidão. Na verdade, o Relatório estabelece
um vínculo entre o tráfico moderno e as formas atuais de servidão por
endividamento.
Grande parte da pesquisa e da publicidade referente a tráfico de pessoas
foi concentrada no setor do comércio sexual. Embora seja às vezes voluntária,
a prostituição, na esmagadora maioria dos casos, é forçada, e sempre o é quando
se trata de menores. Levantamentos realizados revelam intenso tráfico regional
e internacional de pessoas destinadas a essa indústria, que costuma ser controlada
por organizações criminosas e, às vezes, conduzidas por redes familiares e
comunitárias. Na África Ocidental, as crianças traficadas são em geral utilizadas
no serviço doméstico (as meninas) ou na agricultura (meninos) e, às vezes, são
também utilizadas como combatentes em conflitos armados.
RESUMO
ix
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 10
A Europa vem assistindo a um vertiginoso crescimento do tráfico
desde o colapso da então União Soviética. Embora seja estatisticamente
difícil distinguir os cruzamentos ilegais de fronteiras do tráfico de
migrantes, homens e mulheres da Europa Oriental e dos Bálcãs constituem
a imensa maioria da população que se move nesse continente. Não ao
Trabalho Escravo pede mais pesquisas sobre as condições do mercado de
trabalho que favorecem essas práticas abusivas e sobre possíveis maneiras
de eliminá-las.
O Relatório, a exemplo da Organização Internacional da Polícia
Criminal (Interpol), levanta a questão: Por que o tráfico de drogas é punido
com sanções muito mais severas do que as aplicadas ao tráfico de seres
humanos? É uma questão especialmente inquietante à luz das conclusões
de que poucos são os indivíduos ou organizações - de ambos os lados da
equação da oferta e da procura – que são efetivamente punidos por suas
atividades criminosas. Novas modalidades estão oferecendo programas
de proteção a testemunhas e outras medidas dessa natureza, para ajudar
vítimas do tráfico de mão-de-obra.
O trabalho penitenciário põe vários dilemas para os estadosmembros
da OIT. Neste relatório são levantadas duas questões de natureza
muito diversa: primeiramente, a do trabalho penitenciário realizado para
empresas privadas e, em segundo lugar, o trabalho penitenciário imposto
pelo Estado pelo que considera atos anti-sociais. A primeira modalidade
está-se generalizando com rapidez, beneficiando-se da tendência para a
privatização; a segunda está diminuindo com relação ao número de regimes
que punem desse modo a expressão de opiniões políticas. Ambas as práticas
são objeto de sérias críticas.
Na Parte II, Não ao Trabalho Escravo analisa os esforços da OIT e
de outros organismos internacionais para prevenir ou eliminar essas formas
de trabalho forçado e para a reabilitação de suas vítimas. Alguns avanços
têm sido registrados nesse campo, quer pela ação de órgãos supervisores
da OIT ou por suas atividades de cooperação técnica (em geral em
colaboração com outras organizações) ou em atuação conjunta com outros
órgãos. O Relatório chega à conclusão de que, sem um enfoque holístico,
que combine as capacidades de várias organizações, serão insuficientes as
providências da comunidade internacional para a solução do problema.
Entre os diferentes tipos de trabalho forçado, o tráfico talvez tenha
sido objeto de maior atenção nos últimos tempos, por parte de muitos e
diversos organismos internacionais e governos nacionais. Ressaltando o
importante papel da aplicação da lei, o Centro para a Prevenção
Internacional do Crime (CICP) e o Instituto Inter-regional das Nações
Unidas para Pesquisa sobre o Crime e a Justiça (UNICRI) elaboraram
recentemente um programa mundial contra o tráfico de seres humanos.
Por sua parte, a Organização Internacional para as Migrações (IOM) tem
implementado, com a OIT, desde 1996, na sub-região do Mekong, um
programa que combina retorno e reintegração de mulheres e crianças
vítimas do tráfico ou que, por outros motivos, se encontravam em situações
de vulnerabilidade.
No âmbito da OIT, o Programa Internacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo (IPEC) tem sido mais ativo na solução de problemas
x
11 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
do trabalho forçado infantil e do tráfico de crianças. Quer atuando em
parceria com outras organizações internacionais, quer por si só, o IPEC
trabalha intensamente com governos, sindicatos, organizações de
empregadores e ONGs, despertando a conscientização do problema,
tomando medidas concretas para pôr fim a essa prática e reabilitando as
crianças envolvidas. O Relatório descreve as medidas que foram tomadas
na luta contra o tráfico de crianças na África e na Ásia. Cita, por exemplo,
um importante programa em desenvolvimento na região do delta do
Mekong, que visa mulheres e crianças. A participação da mulher, por meio
da educação, formação profissional, créditos e outros instrumentos que
favorecem o pleno exercício de seus direitos, é decisiva para o êxito de
toda estratégia de combate ao tráfico de crianças.
Programas de microfinanciamento e do microcrédito podem ter
uma importante função e contribuir para romper o ciclo da pobreza e
servidão. Além da inclusão de um componente específico num projeto
ora em execução no Nepal, do qual participam o IPEC e o Programa Infocus
para a Promoção da Declaração (DECLARATION), a OIT está testando,
em toda a região da Ásia Meridional, um método inovador, concebido
pela Unidade de Finanças Sociais. O objetivo primordial desse projeto é
incentivar, mediante pesquisas, atividades de promoção e mecanismos de
financiamento inicial, órgãos de microfinanciamento existentes a
produzirem, testarem e oferecer produtos de poupança e empréstimo
especificamente destinados a famílias que correm o risco de serem
envolvidas em situações de trabalho forçado. Tendo em vista a
complexidade do problema, o projeto organizou também medidas de apoio
nas áreas do ensino, da assistência médica primária e em atividades
geradoras de renda.
Embora tenha um papel muito diferente da função atribuída ao
mecanismo de supervisão relativo à aplicação das convenções da OIT, o
seguimento da Declaração tem permitido, em geral, revelar os obstáculos que
enfrentam os estados-membros na hora de pôr em prática as convenções sobre
trabalho forçado, o que, por sua vez, tem estimulado a prestação de assistência
técnica para a superação desses obstáculos. O presente Relatório não tem como
objetivo reproduzir os resultados alcançados pelo mecanismo de supervisão,
mas ressaltar seus sucessos em trazer alguns problemas à tona e seu papel de
ajudar a resolvê-los. Uma aplicação prática de serviços de consultoria com
relação ao princípio de eliminação do trabalho forçado surgiu na área dos
projetos de obras públicas, que vêm sendo regularmente revistos para assegurar
que o trabalho forçado não esteja sendo praticado. Instituições financeiras
internacionais têm solicitado também a assessoria da OIT para evitar o trabalho
forçado nos programas que patrocinam.
Organizações de trabalhadores e de empregadores, assim como algumas
empresas isoladas, têm tomado algumas medidas concretas para resolver o
problema. Por exemplo, o Pacto Global – acordo de parceria comercial no
sistema das Nações Unidas – oferece fontes de informações sobre meios de
administrar empresas comerciais ou agrícolas de modo que se evite o
aparecimento da servidão por dívida. Os sindicatos, além de levantar diversos
problemas junto aos mecanismos de supervisão, têm chamado a atenção para
esse problema com suas próprias investigações, promoções e campanhas de
xi
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 12
filiação.
A Parte II de Não ao Trabalho Escravo oferece uma base para a
avaliação da eficácia da assistência prestada pela OIT. Embora se tenham
registrado alguns progressos nos anos anteriores e também recentemente,
especialmente no âmbito rural, há necessidade de esforços mais conjuntos
para se atuar seriamente contra as diversas formas de trabalho forçado. A
Parte III do Relatório explora a natureza desses esforços e como poderiam
ser utilizados na luta contra esse flagelo.
Por último, o Relatório sugere uma série de questões para serem
discutidas pela Conferência Internacional do Trabalho. Em anexos, o texto da
Declaração e seu Seguimento, o fluxograma que mostra as diferentes etapas do
Seguimento, um quadro de ratificações das Convenções 29 e 105 e relatórios
anuais da Declaração apresentados sobre a eliminação do trabalho forçado e
informações sobre instrumentos internacionais pertinentes.
Este primeiro Relatório Global sobre o trabalho forçado é um convite
ao aprofundamento da compreensão do problema e a redobrados esforços para
a eliminação de todas as formas deste mal terrível que atenta contra a liberdade
humana.
xii
13 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
1. Seria o trabalho forçado uma relíquia do passado? Infelizmente não.
Embora condenado em todo o mundo, o trabalho forçado vem revelando novas
e inquietantes facetas ao longo dos tempos. Formas tradicionais de trabalho
forçado, como a escravidão e a servidão por dívida, ainda perduram em algumas
regiões, e práticas antigas desse tipo continuam nos perseguindo até hoje. Nas
novas e atuais circunstâncias econômicas estão surgindo, por toda parte, formas
preocupantes como a do trabalho forçado em conexão com o tráfico de seres
humanos.
2. O controle abusivo de um ser humano sobre outro é a antítese do trabalho
decente. Embora possam variar em suas manifestações, as diversas modalidades
de trabalho forçado têm sempre em comum as duas seguintes características: o
recurso à coação e a negação da liberdade. Foi em reconhecimento dessa afronta
ao espírito humano que a Declaração da OIT, relativa aos Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, incluíram a eliminação de todas
as formas de trabalho forçado ou compulsório1. Este Relatório levanta
basicamente duas questões relativas a esse princípio fundamental: quais são
atualmente as principais modalidades de trabalho forçado e o que pode fazer a
OIT, em colaboração com seus membros e instituições associadas, para evitálo
e erradicá-lo?
3. A adoção da Declaração da OIT, de 1998, relativa aos Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, assinalou uma renovada decisão
internacional de relegar o trabalho forçado à história. De acordo com a
Declaração da OIT, todos os estados-membros têm a obrigação de “respeitar,
promover e efetuar” a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
compulsório, como parte de uma série de princípios fundamentais que se
fortalecem mutuamente2. A Declaração recomenda à OIT apoiar os esforços
Antigas e novas
formas de
trabalho forçado
Introdução
O trabalho
forçado é a
antítese do
trabalho decente
A oportunidade
da Declaração
da OIT
1 Embora a Declaração e seu Seguimento façam referência à eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou compulsório, este Relatório utiliza a expressão abreviada trabalho forçado.
2 As três outras categorias de princípios e direitos cobertos pela Declaração da OIT relativa
aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho são: liberdade de associação e o efetivo
reconhecimento do direito à negociação coletiva; a efetiva abolição do trabalho infantil e a
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 14
dos países para alcançar esse objetivo e buscar a colaboração de outras
instituições, fortalecendo assim sua própria capacidade de atender a pedidos de
estados-membros que desejem progredir nessa direção.
4. A erradicação do trabalho forçado é uma oportunidade singular de pôr
em prática a natureza promocional da Declaração da OIT e seu Seguimento.
Isso requer, porém, uma compreensão mais clara do que implica esse princípio
e da razão pela qual o trabalho forçado persiste nos dias de hoje com tanta
força. Como primeira “visão global e dinâmica”3 da matéria, este Relatório
levantará talvez tantas questões quanto as que responde. Ao identificar amplos
sistemas de trabalho forçado, o Relatório monta uma plataforma para ampliar
o conhecimento como base de ação. Quando a cooperação técnica pôde atender
à manifesta vontade de governos de fazer frente ao problema, o Relatório aponta
para promissores enfoques globais para livrar o mundo de uma prática que
prejudica irreparavelmente o desenvolvimento humano e nacional.
5. Os aspectos legais do trabalho forçado têm sido exaustivamente
explorados pelos órgãos de supervisão da OIT, especialmente três estudos
gerais e relatórios anuais da Comissão de Peritos, assim como discussões na
Comissão sobre a Aplicação de Normas da Conferência e representações e
queixas com base nos artigos 24 e 26 da Constituição. Este Relatório não pretende
cobrir todas as questões e complexidades do trabalho forçado, especialmente
devido à escassez de informação e de análises estatísticas do fenômeno de uma
perspectiva socioeconômica. Mas faz uso dos conhecimentos resultantes do
esforço da OIT e de outras organizações internacionais sobre a matéria. Além
disso, questiona por que estariam surgindo agora novas modalidades de trabalho
forçado à luz das recentes tendências econômicas e demográficas mundiais e
por que as antigas formas persistem insistentemente. O Relatório examina as
iniciativas já empreendidas e busca também ensinamentos que possam ajudar
a conceber um futuro programa de ação em matéria de cooperação técnica
contra o trabalho forçado.
6. Após examinar os antecedentes históricos da proibição do trabalho
forçado, o Relatório estuda mais detidamente suas formas principais tais como
se apresentam atualmente:
n escravidão e raptos;
n participação obrigatória em projetos de obras públicas;
n trabalho forçado na agricultura e em regiões rurais remotas (sistemas de
recrutamento coercitivo);
eliminação da discriminação com relação a emprego e ocupação. Cada uma delas é objeto de
um relatório global, elaborado a cada quatro anos; o primeiro Relatório Global é de 2000.
OIT: Your voice at work, Relatório do Diretor Geral, Conferência Internacional do Trabalho,
88a Sessão, 2000.
3 De acordo com o Seguimento da Declaração, todo ano deve ser elaborado, sob a
responsabilidade do Diretor-Geral, um relatório global que se refira, sucessivamente, a cada
uma das quatro categorias de princípios e direitos fundamentais. A finalidade desse Relatório
global é oferecer uma “visão global e dinâmica” da situação, que sirva de base para a avaliação
da eficácia da assistência e da cooperação técnica prestadas pela OIT, e de base para que o
Conselho de Administração da OIT estabeleça as prioridades em matéria de cooperação técnica
e planos de ação para o quatriênio seguinte.
Em busca de
experiências
Diversas
modalidades
atuais do
trabalho forçado
15 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
n trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado;
n trabalho em servidão por dívida;
n trabalho forçado imposto por militares;
n trabalho forçado no tráfico de pessoas; e
n alguns aspectos do trabalho em penitenciárias e da reabilitação por meio do
trabalho.
Alguns grupos – como mulheres, minorias étnicas ou raciais, migrantes, crianças
e, sobretudo, pessoas pobres – são particularmente vulneráveis a essas formas
contemporâneas de trabalho forçado. Além disso, situações de conflito armado
podem agravar os problemas. Algumas modalidades de trabalho forçado são
mais acessíveis à cooperação técnica da OIT. Isso ressalta a necessidade de um
esforço complementar por uma gama de instituições e atores para fazer frente
às deficiências em matéria de política que representa o trabalho forçado.
7. A proscrição da escravidão e de sistemas análogos, como o trabalho
forçado, é norma peremptória no direito internacional, não admitindo
derrogações4. Os estados têm feito consideráveis progressos com a promulgação
de leis para eliminar essas práticas e empreendido programas especiais para
combatê-las. Mas, por se tratar de ações ilegais, sua existência às vezes é negada.
Por conseguinte, o real desafio é duplo. Em primeiro lugar, é preciso maior
conscientização dos meios econômico, político e social para extirpar as práticas
tradicionais de trabalho forçado e erradicar as novas no nascedouro. O processo
de reforma jurídica que a OIT vem perseguindo ao longo dos anos, com
considerável sucesso, é um ponto de partida, mas resta muito ainda a ser feito.
8. Em segundo lugar, é preciso romper o ciclo de impunidade que, com
muita freqüência, acompanha o trabalho forçado. Felizmente, a ocorrência de
fatos novos em escala internacional pode ajudar a alcançar esse objetivo. Um
deles é que a questão do exercício da boa governança ocupe lugar prioritário na
agenda da comunidade em desenvolvimento. Conseguir melhor aplicação da
legislação que proíbe o trabalho forçado é uma forma natural de conseguir
reparar a falta de boa governança que caracteriza muitas manifestações do
trabalho forçado. A Convenção 29 exige dos estados que a ratificam que punam
a imposição ilegal do trabalho forçado, como delito penal, e apliquem a lei
rigorosamente.
9. Além disso, a aplicação ao desenvolvimento de uma estratégia com base
nos direitos, por meio de iniciativas práticas em âmbito nacional, traz muita
esperança de se conseguir conjugar simultaneamente os objetivos de
desenvolvimento com o de direitos humanos, a fim de eliminar o trabalho
forçado5 . Essa estratégia rejeita políticas, projetos ou atividades em matéria de
desenvolvimento que resultem em violação de direitos, e promove as que
A prática está
proibida, mas
persistem a
negação e a
impunidade
4 Barcelona Traction, Light and Power Co. Ltd (Segunda fase) (Bélgica versus Espanha), 1970,
Relatórios da Corte Internacional de Justiça 3, 32 e 304 (5 de fevereiro), parecer em separado
do juiz Ammon; ver também a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969),
artigo 53.
5 Em novembro de 2000, a Subcomissão das Nações Unidas para a Promoção dos Direitos
Humanos apresentou ao Grupo de Trabalho sobre a Dimensão Social da Globalização, do
Conselho de Administração da OIT, detalhada descrição da estratégia de desenvolvimento
baseada nos direitos.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 16
incorporam princípios tais como a eliminação do trabalho forçado, como parte
integrante de estratégias de desenvolvimento. A estratégia parte da idéia de que,
se o desenvolvimento humano e os direitos humanos crescem juntos, eles se
fortalecem mutuamente para ampliar as potencialidades das pessoas.
10. Por último, instrumentos recentemente adotados no campo do direito
penal internacional alimentam esperanças na luta contra o trabalho forçado, na
medida em que assume certas formas. Casos extremos de trabalho forçado, se
considerados como crimes de lesa-humanidade ou crimes de guerra, poderão
estar sujeitos à jurisdição da Corte Penal Internacional tão logo entre em vigor
o instrumento que cria esse organismo6. Com a adoção do Protocolo para
Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e
Crianças, a comunidade internacional reforçou também sua determinação de
combater fenômenos que possam conter elementos de trabalho forçado7.
11. Não será tarefa fácil melhorar as condições socioeconômicas que
permitem o florescimento do trabalho forçado ou descobrir e punir os culpados
que exploram essas práticas, ajudar as vítimas que protestam e lhes oferecer
alternativas – sobretudo quando as pessoas ou instituições responsáveis pela
imposição do trabalho forçado encontram-se em regiões remotas, exercem
função política em escala local ou nacional ou fazem parte do submundo do
crime. Só recentemente foi posta em evidência a gravidade do crime do trabalho
forçado, quando a OIT procedeu à utilização, sem precedentes, de uma
disposição constitucional. Nos termos do artigo 33 de sua Constituição, a
Conferência Internacional do Trabalho instou seus membros tripartites, assim
como as demais organizações internacionais interessadas, a que adotassem
medidas contra o recurso ao trabalho forçado, de forma generalizada e
sistemática sob os auspícios do próprio Estado, praticado por um determinado
país (Myanmar)8.
12. Nestes últimos cem anos, as práticas coercitivas de trabalho forçado
estavam primeiramente associadas aos regimes coloniais no início do século
XX e às tradições de servidão. Surgiram depois campos de concentração, campos
de trabalho e outras formas de trabalho compulsório, que macularam o período
do meado do século e continuam nos perseguindo até hoje na forma de contínuas
reclamações de indenizações que envolvem países e empresas. Com a
O passado
persegue o
presente
Ação sem
precedente da
OIT ressalta a
gravidade do
trabalho forçado
6 O Estatuto de Roma, adotado em julho de 1998, previu o estabelecimento dessa Corte, que
se ocuparia, entre os outros delitos, da escravidão sexual e da prostituição forçada. A minuta
do texto definitivo dos elementos dos crimes, adotada em 2000, especificou que esses crimes
poderiam incluir, em algumas circunstâncias, a imposição do trabalho forçado. Comissão
Preparatória da Corte Penal Internacional (PCNICC): Finalized draft text of the Elements of
Crimes (Nova Iorque, Nações Unidas, 2000) documento PCNICC/2000/1/Add.
7 Esse Protocolo, acompanhado do “Protocolo contra o Tráfico Clandestino de Migrantes
por Terra, Mar e Ar”, complementa a “Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional”. A Convenção e ambos os protocolos foram adotados pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 15 de novembro de 2000, e abertas a subscrições um
mês depois (aida não entrou em vigor).
8 OIT: documento GB 279/6/1, 279ª Reunião do Conselho de Administração (novembro de
2000), Conferência Internacional do Trabalho, 88a Reunião (Genebra, 2000), Provisional Record
n° 4, 6-4 e 8, e documentos ali referidos.
17 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
consolidação contemporânea dos regimes democráticos, juntamente com o
aparecimento de economias abertas e renovados compromissos com o combate
à pobreza e ao crime transnacional, há novas esperanças de que o trabalho
forçado possa de fato ser relegado ao passado.
13. Há, todavia, aspectos do trabalho forçado e compulsório que continuam
persistentes. Alguns envolvem sistemas semelhantes à escravidão, como a
servidão por dívida, tradicionalmente encontrada nas zonas rurais, especialmente
em sistemas agrícolas, em que os donos da terra são a única fonte de crédito
financeiro. Todavia, há também provas evidentes do surgimento atual de novas
formas de servidão dentro e fora do setor agrícola, que atingem trabalhadores
migrantes e trabalhadores em novas fronteiras de desenvolvimento como
também em lares urbanos, e que, às vezes, implicam práticas de servidão por
períodos relativamente curtos e não por toda a vida. Trata-se, no fundo, de um
abuso de controle de mão-de-obra.
14. Paradoxalmente, há ainda alguma incerteza entre os membros da OIT
sobre o fato de certas práticas caracterizarem ou não o trabalho forçado9. Em
virtude disso, este Relatório começa pelo exame dos componentes básicos de
uma definição de trabalho forçado. Mais pesquisas se fazem necessárias para a
análise dos fatores sociológicos, culturais e econômicos, inclusive dos problemas
de gênero, que alimentam ou enfraquecem as práticas de trabalho forçado.
15. Embora tenha a OIT a responsabilidade primária pelo trabalho forçado,
sua erradicação exige uma ação conjunta de toda a comunidade internacional.
A OIT pode e deve assumir a liderança em certos aspectos do problema, como
o fez efetivamente no passado. Mas, tanto na apresentação da visão global e
dinâmica do trabalho forçado como na elaboração de futuros programas de
ação com vista à sua erradicação, é importante verificar de que maneira outros
organismos internacionais têm enfrentado esses problemas em suas respectivas
esferas de competência.
16. Convém mencionar desde já algumas dificuldades iniciais na coleta de
dados e de estatísticas. Quantas pessoas são hoje atingidas pelo trabalho forçado?
Quem são essas pessoas? Quem são as principais vítimas? Como funciona
exatamente o trabalho forçado para homens, mulheres, meninos, meninas, jovens,
trabalhadores migrantes ou diferentes grupos raciais? Qual é o perfil de quem
se beneficia diretamente da sujeição de pessoas à servidão humana? Embora
essas questões aflorem neste Relatório, não é possível, nesta fase, avaliar com
precisão o número de pessoas afetadas em escala mundial, ou mesmo considerar
detalhadamente as diversas experiências das diferentes categorias como base
para uma ação objetiva. Por quê? Porque o trabalho forçado é cada vez mais
imposto na economia clandestina, ilícita. Estas são as áreas que costumam
escapar do controle das estatísticas nacionais. Além disso, as estatísticas
disponíveis não são suficientemente precisas para se conseguir adequado controle
Surgimento de
novas formas de
servidão
Uma
responsabilidade
comum
9 Na dita Convenção, a servidão por dívida é definida como “o estado ou condição que resulta
do fato de um devedor ter-se comprometido a prestar seus serviços pessoais, ou os serviços de
alguma pessoa sobre a qual exerce autoridade, como garantia de uma dívida, se o valor desses
serviços razoavelmente avaliados, não for aplicado na liquidação da dívida, ou se não se define
o prazo e a natureza dos ditos serviços” (artigo 1º, a).
Grave
deficiência de
dados
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 18
do trabalho forçado. Embora o mais recente Relatório sobre Desenvolvimento
Humano, do PNUD, identifique sete tipos de liberdade como sinais do
desenvolvimento humano, os indicadores estatísticos nele utilizados não
apreendem formas de trabalho forçado ou compulsório10. As formas
contemporâneas de trabalho forçado requerem urgentemente mais pesquisas e
atenção, para preparar o terreno para indicadores e avaliações mais precisos e
com perspectiva de gênero como base para uma definição política e ação futura11.
17. Nos futuros relatórios globais sobre trabalho forçado, talvez seja possível
pesquisar com mais profundidade sua relação com o desenvolvimento, a pobreza
e a desigualdade. No fundo, o trabalho forçado desafia o valor do trabalho,
solapa a formação de capital humano e contribui para o ciclo de pobreza. Todavia,
sua persistência em algumas circunstâncias exige uma análise mais profunda
de como o trabalho forçado desenvolve realmente sua espiral descendente e de
seus efeitos sobre pessoas e comunidades. A deterioração da qualidade do
emprego e o aumento da economia não registrada e informal têm certamente
por efeito facilitar o exercício dessas práticas. É preciso também examinar, de
uma maneira mais atenta, as possíveis sinergias negativas entre trabalho forçado,
trabalho infantil, discriminação e falta de liberdade sindical. Espera-se que este
Relatório inicial incentive essa atividade no futuro.
18. Com ou sem um quadro estatístico completo ou uma detalhada análise
socioeconômica, o fato é que há evidência suficiente da existência de um grave
problema. Ao longo dos anos, a atividade da OIT vem permitindo que essa
situação venha à tona. Felizmente, alguns tipos tradicionais de trabalho forçado
têm sido erradicados com sucesso, por meio de reformas agrárias, trabalhistas,
dos direitos civis e de outras reformas sociais e legislativas. Os fatores desse
êxito reclamam um exame mais profundo. No espírito promocional do
Seguimento da Declaração da OIT, este Relatório faz um veemente apelo para
que se intensifiquem as ações internacionais e nacionais de ajuda aos países de
todo o mundo, para que a esse flagelo, que é o trabalho forçado, seja dado, de
vez, um basta final e definitivo.
Futuros
caminhos a
seguir
Problema grave
exige solução
definitiva
10 Human Development Report, Human Rights and Human Development (Nova Iorque, 2000).
11 Na OIT, avanços podem ser feitos pelo trabalho que vem sendo executado pelo Instituto
Internacional de Estudos do Trabalho, pelo Grupo Consultivo sobre Estatísticas e o Programa
Infocus sobre Segurança Social e Econômica.
19 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Parte I. Trabalho forçado ou compulsório:
visão dinâmica e global
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 20
21 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
19. Ao se falar de trabalho forçado, é preciso ter muito cuidado com a
terminologia utilizada. É comum os meios de comunicação a ele se referirem
como “escravidão moderna”, associando o conceito a condições abusivas de
trabalho ou a salários muito baixos1. Debates políticos sobre os aspectos
econômicos e extra-econômicos das práticas coercitivas de trabalho vêm
acontecendo há muito tempo.
20. Trabalho forçado é expressão jurídica, mas também um fenômeno
econômico. Não será possível “respeitar, promover e tornar realidade” o
princípio da eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório
sem se conhecer o exato significado dessa expressão. Sua definição completa
contempla exclusões, mas a idéia básica é bastante clara. Foi enunciada na
primeira convenção da OIT sobre a matéria2, a Convenção 29, de 1930, no
1. Trabalho forçado, uma
realidade em evolução
Trabalho
forçado: um
termo preciso
1 Do ponto de vista de um governo, em seu relatório anual relativo à Declaração, “o trabalho
pode ser forçado não só devido à força física (...) mas também devido à fome e à pobreza que
obrigam um trabalhador a aceitar um emprego por uma remuneração inferior ao salário mínimo
legal”. Relatórios do Governo da Índia, OIT: Review of annual reports under the Declaration, Parte
II (Genebra, 2000), documento GB 277/3/2 do Conselho de Administração, p. 200.
2 Quando da adoção da Declaração, o Assessor Jurídico da OIT declarou que para os efeitos
desse princípio, era perfeitamente legítimo, na definição do que se entendia pela expressão,
referir-se à definição contida na convenção, a qual excluía algumas situações. OIT: Provisional
Record nº 20, parágrafo 219, Conferência Internacional do Trabalho, 86ª Sessão, Genebra, 1998.
As exclusões na Convenção 29 são: “(a) todo trabalho ou serviço imposto em virtude de leis
de serviço militar compulsório para trabalho de natureza puramente militar; (b) todo trabalho
ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais de cidadãos de um país plenamente
independente; (c) todo trabalho ou serviço que se exija de um indivíduo em virtude de sentença
judiciária, desde que o dito trabalho ou serviço seja executado sob a vigilância ou controle de
autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja cedido ou posto à disposição de particulares,
companhias ou associações de natureza privada; (d) todo trabalho ou serviço exigido em casos
de força maior, quer dizer, na eventualidade de uma guerra, acidentes ou ameaça de calamidades,
como incêndios, inundações, terremotos, epidemias e epizootias violentas, invasões de animais,
de insetos ou de parasitas vegetais e, em geral, em quaisquer circunstâncias que ponham em
risco a vida ou o bem-estar de toda a população ou de parte dela: (e) pequenos trabalhos
municipais, desde que se trate de trabalhos realizados pelos membros da comunidade em
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 22
artigo 2 (1): “a expressão trabalho forçado ou compulsório significará todo
trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de alguma punição
e para o qual o dito indivíduo não se apresentou voluntariamente”. A referida
“punição” não precisa ser imposta na forma de sanções penais, mas poderia ser
também perda significativa de direitos ou privilégios.
21. Todavia, embora a noção jurídica seja constante, o contexto do trabalho
forçado ou compulsório evolui com o tempo. Mesmo com o risco de uma
super-simplificação, as seguintes caracterizações amplas das principais
preocupações da comunidade internacional com o princípio do trabalho forçado,
durante diferentes períodos da história, mostram como novos problemas deram
origem a novas soluções.
22. No final do século XIX, a escravidão e o comércio de escravos estavam
proibidos em todo o mundo. A década de 1920 assistiu à adoção da Convenção
da Liga das Nações, de 1926, sobre escravidão, seguida pela Convenção 29 da
OIT (1930), sobre trabalho forçado. Naquela época, os problemas mais
preocupantes eram a imposição de trabalho forçado ou compulsório a populações
indígenas durante o período colonial. Em muitas regiões do mundo, as
administrações coloniais utilizavam várias formas de coação para conseguir
mão-de-obra para o desenvolvimento das comunicações e da infra-estrutura
econômica geral e para trabalho nas minas, plantações e outras atividades3. As
discussões desenvolviam-se em torno das salvaguardas a serem adotadas e das
medidas necessárias para assegurar a abolição do trabalho forçado, tão logo
possível.
23. A Convenção sobre a Escravidão, da Liga das Nações, proibia todos os
aspectos do comércio de escravos, inclusive “todos os atos envolvidos na captura,
aquisição ou cessão de uma pessoa com o propósito de reduzi-la à escravidão4.
Seus signatários comprometiam-se, além disso, a “tomar as medidas necessárias
para evitar que o trabalho forçado ou compulsório se desenvolvesse em condições
análogas à escravidão”. A Liga das Nações pediu à OIT que empreendesse o
trabalho que, em 19305, levou à adoção da Convenção 29, instrumento cuja
contínua atualidade foi recentemente ressaltada6. A Convenção exigia a
supressão, o mais breve possível, do trabalho forçado ou compulsório em todas
as suas formas.
benefício direto da dita comunidade podem ser, por conseguinte, considerados como obrigações
cívicas normais que incumbem aos membros da comunidade, contanto que 21 membros da
comunidade ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados sobre a
necessidade desses serviços” (artigo 2º (2)).
3 OIT: Forced Labour, conclusões gerais sobre relatórios concernentes a convenções e
recomendações internacionais do trabalho que tratam do trabalho forçado e da imposição de
trabalho, Conferência Internacional de Trabalho, 46ª Reunião, Genebra, 1962.
4 A Convenção de 1926 definia a escravidão como “o estado ou a condição de uma pessoa
sobre o qual se exercem alguns ou todos os poderes relativos ao direito de propriedade”.
5 Ver Forced Labour, op.cit., parágrafo 19, e N.Valticos: International Labour Law (Kluser,
Deventer,Países Baixos, 1979).
6 Report of the Committee of Experts on the Application of Conventions and Recommendations, Relatório
III (Parte 1ª) Conferência Internacional do Trabalho, 89ª Reunião, Genebra, 2001, parágrafos
84-85.
Primeiras
convenções
sobre escravidão
e trabalho
forçado
O instável
contexto do
trabalho forçado
23 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
24. O segundo e importante período de atividade normativa aconteceu durante
a década de 1950, quando a era colonial estava chegando ao fim e aumentava a
preocupação com a imposição de trabalho forçado para fins políticos. No período
entre as guerras e durante a Segunda Guerra Mundial, o mundo foi testemunha
da imposição maciça do trabalho forçado tanto fora como dentro do cenário
colonial. Esses fatos serviram, sem dúvida, de inspiração para o texto da
Declaração de Filadélfia (1944) de que “todos os seres humanos (...) têm o
direito de buscar seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em
condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de
oportunidades7. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
reafirmou o princípio de que “ninguém será mantido em escravidão ou
servidão”, assim como o direito à “livre escolha do emprego”8.
25. Nos anos 50, novos e graves problemas foram enfrentados, muitos deles
de natureza política ou ideológica, por causa de trabalho forçado imposto a
milhões de pessoas confinadas em campos de trabalho por motivos políticos.
Além disso, quando muitos países na Ásia e na América Latina partiram para a
reforma agrária e da posse da terra, houve uma nova oportunidade para pôr um
fim aos sistemas de trabalho servil – vestígios do “feudalismo agrário” até
então, naquela época, muito generalizado nos países em desenvolvimento. Foi
nesse contexto que as Nações Unidas adotaram, em 1956, a Convenção
Suplementar sobre Abolição da Escravidão, Tráfico de Escravos e Instituições
e Práticas Análogas à Escravidão, na qual se exortavam os Estados-membros a
abolirem práticas como a servidão por dívida9 e a servidão10. Um ano depois, a
OIT aprovava sua Convenção 105, de 1957, sobre a abolição do trabalho forçado,
cujos membros signatários obrigam-se a suprimir e não fazer uso de nenhuma
forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação
políticas, como medida de disciplina no trabalho, como medida de discriminação,
social, nacional ou religiosa, como método de mobilização e utilização da mãode-
obra com fins de fomento econômico ou como castigo por haver participado
de greves11.
26. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 surgiram novos problemas com relação
à liberdade de emprego ou à obrigação de trabalhar. Durante a Guerra Fria, leis
da vadiagem, que implicavam a obrigação de trabalhar, nos países do bloco
comunista e em alguns estados recém-independentes, principalmente na África,
foram motivo de constante preocupação.
Convenções
seguintes sobre
escravidão e
trabalho forçado
Novos
problemas a
enfrentar
7 Parágrafo II,(a). A Declaração de Filadélfia, adotada em 1944, tornou-se parte da Constituição
da OIT.
8 Artigos 4º e 23,1.
9 Na dita Convenção, a servidão por dívida é definida como “o estado ou condição que resulta
do fato de um devedor ter-se comprometido a prestar seus serviços pessoais, ou os serviços de
alguma pessoa sobre a qual exerce autoridade, como garantia de uma dívida, se o valor desses
serviços razoavelmente avaliados, não for aplicado na liquidação da dívida, ou se não se define
o prazo e a natureza dos ditos serviços” (artigo 1º, a)).
10 A mesma Convenção define a servidão como “a condição da pessoa que está obrigada por
lei, pelo costume ou por um acordo a viver e a trabalhar numa terra que pertence a outra
pessoa e a prestar determinado serviço a essa outra pessoa com ou sem remuneração e sem
liberdade de mudar sua condição” (artigo 1, b)).
11 Mais informações sobre as Convenções 29 e 105 no Anexo 4.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 24
27. Esse foi também um período muito importante de reformas sociais nos
países em desenvolvimento, que envolviam principalmente reformas agrárias e
de posse da terra, muitas vezes acompanhadas da expansão dos direitos
trabalhistas e de alguns benefícios sociais. As reformas agrárias e da posse da
terra, empreendidas em geral para acabar com os grandes latifúndios feudais e
transferir os direitos de propriedade para antigos arrendatários ou trabalhadores
rurais, muito contribuíram para erradicar a prática do trabalho obrigatório, até
então muito generalizado nas tradicionais propriedades agrícolas da América
Latina. Reformas semelhantes foram feitas na Ásia, mas ao que parece, foram
menos eficazes na erradicação dos sistemas de servidão por dívida e da servidão
feudal naquele continente. O objetivo em toda parte era erradicar o sistema de
trabalho servil e não remunerado, a que se opunham os reformadores, tanto
por razões humanitárias como econômicas, e substitui-los por sistemas de
trabalho livre e assalariado em benefício de maior equidade social e eficiência
produtiva.
28. O espírito da época refletia-se bem na identificação do “emprego pleno,
produtivo e livremente escolhido” como importante objetivo político na década
de 196012. O princípio da proibição do trabalho forçado apoiou-se também no
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966. Questões começaram
a ser levantadas com relação à adequação de graus de obrigação que podiam ser
usados nos programas de emprego e de formação, tanto nos países desenvolvidos
como nos países em desenvolvimento.
29. Nas décadas de 80 e 90, houve um aumento no grau de conscientização
das questões de gênero. Ficou mais clara a maneira pela qual de como as mulheres
podiam ver-se submetidas ao trabalho forçado, em situações que iam do trabalho
como empregadas domésticas ao tráfico para a exploração sexual. Análises das
questões de gênero pediam também a exploração de situações em que os homens
estavam mais sujeitos à imposição de trabalho forçado, como ocorria em alguns
tipos de trabalho e de trabalho penitenciário.
30. O movimento de âmbito mundial contra a exploração do trabalho infantil
já revelou a existência de práticas de trabalho forçado que chocaram a consciência
humana, em situações que vão do trabalho doméstico, nas cidades do mundo
desenvolvido e em desenvolvimento, até a servidão nos fornos de olarias. Não
é por acaso que a Convenção 182, de 1999, sobre as piores forma de trabalho
infantil, enumera “todas as formas de escravidão ou práticas análogas à
escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívida, a servidão
e o trabalho forçado ou compulsório, inclusive o recrutamento forçado ou
compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados” como
uma série de práticas proibidas pela Convenção13. Esse instrumento ajuda a enfocar
Maior
conscientização
dos problemas
de gênero e do
trabalho infantil
12 Convenção 122, de 1964, sobre a política do emprego. O período caracterizou-se também
por uma intensa atividade normativa de políticas ativas de mercado de trabalho, que incluíam
o desenvolvimento de recursos humanos e de políticas sociais mais amplas, como também de
instrumentos para promover os direitos de arrendatários e de meeiros e de organizações de
trabalhadores rurais.
13 Artigo 3º (a). Os princípios e direitos que derivam dessa Convenção e da Convenção 138,
de 1973, sobre a idade mínima serão o tema do próximo Relatório global, a ser discutido na
90ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho em 2002.
25 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
novas formas de envolver crianças no trabalho forçado, como também as formas
tradicionais de exploração, como a prática, agora proibida, dos trokosi 14.
31. Os últimos anos retrataram também o predomínio das instituições de
Bretton Woods com relação às reformas econômicas e do mercado de trabalho,
ajuste estrutural, estratégias para a redução da pobreza, descentralização dos
governos e questões correlatas. Não se sabe ao certo se essas prescrições políticas
melhoraram ou pioraram a situação com relação às diferentes formas de trabalho
forçado, uma vez que não se fez nenhum estudo sério a respeito. Uma cooperação
mais estreita entre a OIT e as instituições financeiras internacionais poderia
criar espaço para um exame mais acurado sobre como a eliminação do trabalho
forçado contribui para o desenvolvimento. Recentes observações do Banco
Mundial sobre “boa governança” e a importância da “voz do pobre” abririam
novas perspectivas para a eliminação de todas as formas de trabalho forçado,
como parte de um desenvolvimento sadio e sustentável. De fato, certas
instituições ligadas ao Banco Mundial, com a assessoria da OIT, baixaram
diretrizes para evitar que seus clientes recorram a práticas de trabalho forçado15.
Perspectiva das
instituições
financeiras
internacionais
14 Gana informou que o Código Penal foi reformado em 1998 para proibir essa prática
tradicional segundo a qual uma menina se torna propriedade do sacerdote e trabalha para ele
para expiar as faltas cometidas por um membro de sua família. (Relatório de governo incluído
em Review of annual reports under the Declaration, da OIT. Parte II (Genebra, 2001) documento
GB.280/3/2 do Conselho de Administração.
15 A Corporação Financeira Internacional e o Órgão Multilateral de Garantia de Investimentos
tomaram essa providência. Ver, por exemplo, a Declaração de Política da CFI, de março de
1998, em www.ifc.org/enviro/enrivo/childlabor/child.htm (visitado em 12 de janeiro de 2001).
Ratificações em 1.03.01
18.06.98:
Adoção da Declaração
146
139
156
115
130
153
Maio de 1995: lançamento da
campanha para a ratificação de
convenções fundamentais
100 125 150 175
Estados-membros da OIT
100 125 150 175
Maio de 1995: lançamento da
campanha para a ratificação
de convenções fundamentais
Convenção 105, de 1957, sobre a abolição do trabalho forçado
Estados-membros da OIT
Ratificações em 1.03.01
18.06.98:
Adoção da Declaração
Figura 1.1. Aumentam as ratificações
Convenção 29, de 1930, sobre trabalho forçado
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 26
Do mesmo modo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento manifestou
recentemente seu apoio às normas fundamentais de trabalho, inclusive a
proibição do trabalho forçado16.
32. A proscrição da escravidão e de práticas análogas à escravidão, norma
imperativa do direito internacional, é um princípio reconhecido por toda a
comunidade mundial. A julgar pelas ratificações dos instrumentos relevantes
da OIT, o princípio da eliminação do trabalho forçado ou compulsório, conforme
expresso nas Convenções 29 e 105, teve alto grau de aceitação internacional.
Das convenções fundamentais, estas são as que obtiveram maior número de
ratificações (Figura 1.1)17. Não há dúvida de que esse consenso pode levar a
uma renovada e firme decisão de suprimir as novas e antigas formas tradicionais
dessa prática.
33. A Declaração da OIT trata de princípios e direitos e não de disposições
específicas de convenções. No contexto do trabalho forçado, vários instrumentos
da OIT podem oferecer orientação política para a criação de condições que
favoreçam a eliminação de todas as suas formas. Essas condições vão desde a
promoção do emprego livremente escolhido ao incentivo de boas práticas de
recrutamento (ver o Anexo 4).
34. Com a coação no cerne do trabalho forçado, o princípio de sua eliminação
funciona independentemente de os responsáveis atuarem oficialmente, como
agentes do Estado, ou a título individual. As duas convenções da OIT sobre
trabalho forçado foram adotadas num contexto global, no qual se considerava
o Estado como o principal implicado na imposição de trabalho forçado, embora
não excluam de sua abrangência situações em que agentes não estatais possam
estar envolvidos18. No clima atual de preocupação internacional com certas
práticas coercitivas de trabalho, os atores de práticas de trabalho forçado não
são, em geral, o Estado ou suas instituições, mas indivíduos ou empresas que
agem sem punição do Estado e de suas instituições responsáveis pela aplicação
da lei. Mas o Estado é sempre responsável, quer como ator direto quer por
consentir com o comportamento de indivíduos que estão sob sua jurisdição. A
evolução contemporânea do direito internacional dá mais apoio a um processo
judicial. Com base nas leis nacionais, procuradores e tribunais têm
desempenhado importante papel na punição de pessoas envolvidas na imposição
de trabalho forçado e na indenização de suas vítimas (ver o Quadro 1.1).
Sólido consenso
em torno do
princípio
Atores estatais e
não estatais
16 A Corporação Interamericana de Investimentos e o Departamento do Setor Privado do
Banco Interamericano de Desenvolvimento adotaram políticas dessa natureza em 1999.
17 Dos 175 Estados-membros da OIT, só 10 (Armênia, China, República da Coréia, Guiné
Equatorial, Cazaquistão, Quiribati, Mongólia, Nepal, São Tomé e Príncipe e Vietnã) não haviam
ratificado até aquela data nem a Convenção 29 (155 ratificações naquela data) nem a Convenção
105 (152 ratificações até a data). Ver o Anexo 3 para detalhes.
18 A Convenção 29 dispõe que as autoridades competentes não imporão ou permitirão que se
imponha trabalho forçado em proveito de indivíduos, companhias ou associações de caráter
privado. Estabelece, além disso, que a imposição ilegal de trabalho forçado será punível como
crime e que todo Estado-membro estará obrigado a assegurar que as sanções impostas pela lei
sejam realmente adequadas e rigorosamente aplicadas.
19 O reconhecimento de que pessoas podem ser obrigadas a se entregarem à prostituição
como atividade econômica não significa em absoluto o endosso da OIT.
27 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
35. Outra importante evolução mais recente é menos encorajadora: uma
explosão do número de pessoas traficadas através de fronteiras nacionais e de
continentes, que, em seguida, são obrigadas a trabalhar em fábricas, no serviço
doméstico e até na prostituição19. Trata-se, em geral, de uma forma
contemporânea de servidão por dívida, quando as pessoas envolvidas – e às
vezes suas famílias – têm de pagar adiantamentos que lhes foram feitos para
despesas com transporte e imigração ilegais. A preocupação internacional com
o tráfico de pessoas não é novidade, mas sim a magnitude do problema.
36. Formas semelhantes de coação têm sido utilizadas em outros tipos de
atividade, em geral no setor rural. Feito o adiantamento de dinheiro, podem
ocorrer vários tipos de restrição da liberdade do trabalhador de deixar o emprego,
ou mesmo o local de trabalho. Essas práticas coercivas podem não ser
absolutamente novas. Os adiantamentos feitos pelos agentes de recrutamento
a trabalhadores rurais pobres, com vista a uma mão-de-obra barata na época da
colheita ou para trabalhar em residências urbanas, têm sido, há muito tempo,
um aspecto característico dos sistemas agrários de alguns países em via de
desenvolvimento. A prática de confiscar documentos de identidade dos
trabalhadores domésticos, para evitar que escapem do duro e excessivo trabalho
que lhes é imposto, já foi condenada, há muito, como prática de trabalho abusiva.
População rural
e trabalhadores
domésticos,
grupos de alto
risco
Numa sentença condenatória de administradores
de uma empresa de processamento de
peixe, o Supremo Tribunal da Índia, em Bombaim,
considerou que estes haviam tratado uma
trabalhadora em regime de servidão por havê-la
confinado às instalações da fábrica e tê-la inclusive
arrastado de volta à fábrica quando tentou escapar.
Era uma mulher que emigrara da zona rural para
uma área urbana. A experiência dessa mulher levou
a uma pesquisa das condições de trabalho no local
de trabalho, quando então foram constatados
outros casos de trabalho forçado. A trabalhadora
recebeu uma indenização e o Tribunal ordenou
contínuo acompanhamento da situação e o acesso
de uma organização de trabalhadores ao local de
trabalho.
Nos Estados Unidos, um tribunal federal
condenou traficantes por introduzirem clandestinamente
pessoas no país e por haver submetido à
servidão involuntária cerca de 70 trabalhadoras
trazidas da Tailândia. As trabalhadoras, originárias
de meios muito pobres e de baixo nível cultural,
haviam sido encarceradas numa fábrica de roupas
clandestina, cercada por muros altos encimados
com arame farpado e patrulhados por sentinelas.
O fruto de seu trabalho destinava-se ao pagamento
de supostas dívidas. Os autores do delito foram
condenados a penas de prisão de até sete anos, e
o tribunal concedeu às vítimas uma indenização de
4,5 milhões de dólares americanos.
Embora seja reconfortante saber que vítimas
de trabalho forçado podem obter reparação nos
tribunais, para o conseguir é preciso muito tempo
e muita perseverança. Seria muito melhor que, em
primeiro lugar, se procurasse evitar que ocorressem
casos de trabalho forçado.
Quadro 1.1
Tribunais nacionais para proteção de vítimas do trabalho forçado:
alguns exemplos entre milhões
37. É preocupante a sobrevivência dessas práticas numa economia salarial
moderna e que, em certos casos, cheguem mesmo a aumentar. Quando áreas
isoladas de um país são abertas à exploração agrícola, florestal ou mineral, para
lá são transportados trabalhadores procedentes de regiões mais pobres, muitos
deles atraídos por um adiantamento em dinheiro. Isso pode resultar em servidão
por dívida. Alguns governos têm sido obrigados a recorrer a programas especiais
para resgatar e liberar vítimas nessas áreas rurais isoladas. Todavia, apesar da
existência de leis nacionais, que punem os culpados dessas práticas, muito
raramente se consegue condená-los.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 28
38. As espécies de trabalho forçado acima descritas poderiam ser atribuídas
a diferentes falhas nos mercados de trabalho e financeiros e à falta de
informações. A incapacidade do Estado de fazer cumprir sua própria legislação
pode ser remediada, em parte, com o fortalecimento da inspeção do trabalho.
Mas quando o trabalho forçado é imposto de maneira ilícita e violenta, por
meio de várias formas de atividade criminosa, é evidente que a resposta adequada
excede a competência das autoridades do trabalho. A Segunda Conferência
Internacional sobre o Tráfico de Mulheres e a Imigração Ilegal, reunida pela
Interpol, em novembro de 2000, instava a que se tomasse uma série de medidas
nas fronteiras para aumentar a eficácia das ações judiciárias contra os culpados
envolvidos. Foi feita também uma pergunta perturbadora: por que ao tráfico de
drogas se impõem penas mais rigorosas do que ao tráfico de seres humanos? E
quando as vítimas do dito tráfico são tratadas elas próprias como criminosas, é
mais difícil que se apresentem para fazer denúncias.
39. A imposição de outras formas contemporâneas de trabalho forçado
podem, entretanto, envolver responsabilidade do Estado mais direta do que
simplesmente fazer cumprir-se a lei. A imposição de trabalho forçado para
punir dissidentes políticos e pessoas que exercem o direito de liberdade de
associação não é coisa do passado. Regimes não democráticos podem recorrer
ao trabalho forçado para o desenvolvimento da infra-estrutura. Estados, como
o Iraque, podem impor limitações à liberdade de abandono de emprego.
Estudantes que não podem custear sua formação profissional podem recorrer
ao financiamento prestado por futuros empregadores para os quais serão
obrigados a trabalhar até a quitação da dívida20. E, por último, tanto em prisões
públicas como em prisões geridas por empresas privadas, ocorrem circunstâncias
e condições em que pessoas condenadas pelo Estado podem trabalhar para
empresas privadas ou indivíduos, problema que levanta suas próprias indagações
em termos de implicações no mercado de trabalho. Esses casos fazem parte,
todos eles, da dinâmica visão mundial do trabalho forçado.
40. Dada a natureza promocional da Declaração, o presente Relatório enfatiza
principalmente os aspectos estruturais que poderiam ser atacados com futuros
programas de assistência técnica. Isto presente, a tipologia do trabalho forçado
aqui utilizada é temática, embora alguns problemas pareçam mais graves em
algumas regiões. Há, em todo o mundo, necessidade de dados mais completos
que levem em conta fatores de gênero, dimensões étnicas e raciais, e de uma
análise mais profunda das diferentes formas de trabalho forçado e sua relação
com o desenvolvimento. O Relatório ressalta medidas positivas tomadas por
alguns países e organizações intergovernamentais para identificar e atacar os
problemas do trabalho forçado. Essas medidas, por sua vez, constituem um
trampolim para a identificação de possíveis elementos de um programa de
ação com vista à erradicação do trabalho forçado em todo o mundo.
Por que se pune
com mais
severidade o
tráfico de drogas
do que o tráfico
de seres
humanos?
20 B.C.Amoussou, Etude nationale pour l´identification des obstacles de la mise en oeuvre effective des
principes et droits fondamentaux au travail au Bénin (Cotonou, 2000), p.32.
Enfoque dos
aspectos
estruturais
29 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
41. O rapto de pessoas para fins de trabalho forçado não é, certamente, tão
freqüente no mundo moderno como o era antes da abolição da escravidão.
Embora relativamente raros, casos contemporâneos têm sido detectados,
especialmente na África. Três exemplos são citados neste Relatório – Libéria,
Mauritânia e Sudão – embora outros raptos se tenham também produzido
em outras sociedades assoladas por conflitos. Os raptos podem acontecer num
contexto de rivalidades tradicionais, como na Mauritânia, ou de graves conflitos
armados, como na Libéria, Sudão e em outros países. O resgate e a reabilitação
dos ex-escravos constituem, pois, um elemento decisivo para a reconciliação
nacional. O rompimento do ciclo do trabalho forçado, numa situação de conflito,
pode também influir em seu curso, já que o fruto desse trabalho talvez esteja
favorecendo a continuidade dos enfrentamentos. Medidas internacionais para
fazer cessar o comércio de diamantes extraídos por mineradores, obrigados a
trabalhar para as partes em conflito, em Serra Leoa, contribuiriam, por exemplo,
para que se chegasse a uma paz duradoura e a uma rápida libertação dos escravos?
42. Na Mauritânia, membros de tribos árabes ou berberes tradicionalmente
capturavam escravos negros no Sul e os levavam para o Norte para trabalharem
penosamente na agricultura e no serviço doméstico. Embora alguns já tivessem
sido libertados durante o período colonial e outros tivessem escapado ou
comprado sua liberdade, calcula-se que centenas de milhares de mauritânios
continuavam na condição de escravos na época da independência, em 1961. A
nova Constituição aboliu, então, a escravidão. Outra Declaração, de julho de
1980, proclamava a abolição da escravatura. Todavia, não há um órgão específico
do Governo que coordene a luta contra a escravidão, nem o devido controle da
situação dos escravos libertados; daí, as suspeitas de que a escravidão e outras
práticas análogas à escravidão ainda continuavam a existir em 199721.
2. Escravidão e rapto,
um problema persistente
O problema de
raptos
A estrutura
jurídica precisa
de apoio
21 OIT: Report of the Committee of Experts on the Application of Conventions and Recommendations
(doravante aqui referido como Relatório do Comitê de Peritos) Relatório III (Parte IA),
Conferência Internacional do Trabalho, 88ª Reunião, Genebra, 2000, pp. 104 e 105. Uma
comunicação da Conferência Mundial do Trabalho (CMT) menciona a persistência de práticas
equivalentes à escravidão, apesar da Declaração de 1980 que proclama sua abolição.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 30
43. O Governo tem-se referido a uma política de integração social dos
descendentes de ex-escravos, assim como a medidas para combater o
analfabetismo e incentivar a freqüência escolar, o acesso à posse da terra e a
integração na hierarquia política e administrativa do Estado.22 Recentemente,
no contexto de um projeto de cooperação técnica, da Declaração da OIT,
financiado pela França, foi feita uma avaliação da legislação do país com relação
às quatro categorias de princípios e direitos fundamentais no trabalho, para dar
ao Governo e seus interlocutores sociais um quadro real da situação e das
medidas que devem ser tomadas.
44. Ocorrem alguns paralelos históricos entre o Sudão e a Mauritânia, no
fato de formas tradicionais de escravidão poderem ser atribuídas a antigas
tensões entre os habitantes do Norte e do Sul do país. Um relator especial das
Nações Unidas falou de “uma antiquíssima forma de rivalidade e confronto”
entre os diferentes grupos étnicos; nos combates, “ambos os lados
tradicionalmente capturavam prisioneiros que eram escravizados, a menos que,
ou até que fossem redimidos por um resgate”23. A principal preocupação é que
essas práticas têm sido redivivas desde o começo do atual conflito político do
Sudão.
45. O UNICEF calculou, em maio de 2000, que cerca de 5 a 10 mil pessoas
haviam sido raptadas no Sudão desde o começo do conflito em 1993. Nos
últimos dois anos, tanto a Confederação Mundial do Trabalho (CMT) como a
Conferência Internacional de Organizações Sindicais Livres (ICFTU) soaram
o alarme com repetidos relatórios de raptos e escravidão24.
46. O Governo do Sudão, em seguida a críticas de que teria permitido que
membros de uma tribo árabe raptassem e escravizassem civis na região Sul
devastada pela guerra, criou um Comitê para a erradicação de raptos de mulheres
e crianças (CEAWC) em maio de 1999 (ver o Quadro 2.1). Os ministérios de
Assuntos Exteriores do Canadá e do Sudão realizaram também, em janeiro de
2000, uma missão de avaliação para examinar a segurança humana nesse país
africano. O relatório identificou autores de raptos, tanto oficiais como não
oficiais25. A OIT identificou indícios de que o Governo deseja prosseguir na
solução de problemas persistentes.
47. Em outubro de 1998, a ICFTU publicou um relatório elaborado por
duas organizações nacionais, Focus e a Comissão de Justiça e Paz (JPC), relativo
ao trabalho forçado, envolvendo crianças na região Sul-Oriental da Libéria. O
trabalho forçado foi identificado como “subproduto dos graves abusos que
caracterizaram a guerra civil”, com ex-combatentes e comandantes de antigas
facções beligerantes tirando vantagem da difícil situação econômica na região.
Segundo o relatório, crianças socialmente abandonadas eram tomadas como
reféns por adultos e utilizadas como trabalhadores forçados e em cativeiro.
Reaparecimento
em épocas de
conflitos
armados
22 Ibid, 1994, pp.114
23 Nações Unidas, Situation of Human Rights in Sudan (Nova Iorque, E/CN4/1999/38/Add.1,
17 de maio de 1999), parágrafo 62.
24 Report of the Committee of Experts, 88ª e 89ª Reuniões, Genebra, 2000 e 2001.
25 Ibid. 89ª Reunião, 2001
Recomendações
para
reconciliação
na Libéria
31 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
26 CEAWC: Human rights of women and children in the Sudan, (Kartum, 2000).
27 Report of the Committee of Experts, 2000, pp-110-112.
28 Relatório do Governo da Libéria, em OIT: Review of annual reports under the Declaration, Parte
II, 2001.
29 Report of the Committee of Experts, 2001.
O objetivo do Comitê para a Erradicação do
Rapto de Mulheres e Crianças (CEAWC) é pôr fim
aos raptos e erradicar as causas primeiras do
problema. As providências incluem a compilação de
um detalhado registro de casos, para identificar,
localizar determinado grupo de mulheres e crianças
e devolvê-las a suas famílias, num breve espaço de
tempo. O CEAWC está autorizado a prender
suspeitos de delinqüência e levá-los a julgamento,
e proceder a investigações e buscas. O CEAWC,
entretanto, tem optado por um processo
participativo que inclua representantes das
comunidades que tenham praticado raptos. Para
facilitar sua tarefa, nomeou como agentes de
ligação altos oficiais das forças armadas e da
polícia, de órgãos de segurança e procuradores,
além de autoridades locais. Em seu relatório
referente ao período de maio de 1999 a junho de
2000, o Comitê declara ter documentado 1.230
casos de mulheres e crianças raptadas, das quais
353 foram restituídas a suas famílias26. Outras 500
pessoas teriam sido recuperadas e transferidas para
centros de trânsito. Mas há quem questione esses
números.
Quadro 2.1
Providências contra raptos no Sudão
48. Em maio de 1998, o Governo designou uma comissão especial para
investigar as alegações. Embora não tivesse encontrado prova concludente de
trabalho forçado na região, a comissão recomendou a criação de uma comissão
nacional para localizar e reunir mulheres e crianças deslocadas, capturadas
durante a guerra, e que alegações de trabalho forçado e de pessoas tomadas
como reféns fossem investigadas, com profundidade, em alguns distritos. E
para reforçar os programas de conciliação e reunificação nacional, as autoridades
locais deveriam ser instruídas a incentivar os cidadãos a denunciar qualquer
ato alegado de trabalho forçado2 7. Num recente relatório, o Governo
declarou que as recomendações haviam sido cumpridas e esperava fosse em
breve aprovado o projeto de lei que caracterizava como crime o trabalho forçado.
Considerando que a região estava agora ligada, por rodovia, a outras partes
do país, informava que estavam aumentando rapidamente as atividades comerciais
e agrícolas28. De fato, a criação dessas alternativas pode reduzir o risco do
retorno da população à condição de trabalhadores forçados.
49. A coincidência de formas tradicionais de escravidão com as divisões
étnicas sugere uma relação entre a erradicação do trabalho forçado e a eliminação
da discriminação nas sociedades. Além dos exemplos citados, foram lembradas
outras formas tradicionais de escravidão que envolvem trabalhos forçados entre
pigmeus e bantus no Congo29. A erradicação do trabalho forçado e a solução
de conflitos devem vir juntas, pois a melhor compreensão de uma pode facilitar
a solução da outra.
Conflito, origem
étnica e trabalho
forçado
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 32
50. Em algumas sociedades, exige-se de indivíduos fisicamente aptos que
participem de certos aspectos do desenvolvimento comunitário ou mesmo
nacional. Em qualquer discussão sobre trabalho forçado e desenvolvimento, é
imperativo que se aborde o papel de sistemas tradicionais de autoridade. Muitas
comunidades têm uma longa e sólida tradição de trabalhos voluntários
participativos, especialmente em acordos recíprocos, segundo os quais as famílias
se ajudam em tarefas agrícolas e outras. A relevância contemporânea dessas
situações é manifesta especialmente na maioria dos países da África e da Ásia,
embora possa ocorrer também em outras partes. Todavia, chamar essas práticas
de “serviços comunitários de pequeno porte” ou de “obrigações cívicas normais”
não deve mascarar situações reais de trabalho forçado.
51. Em algumas regiões da Ásia, tem-se registrado a participação compulsória
em obras públicas. Às vezes se argumenta tratar-se de uma aceitação cultural da
prática como contribuição para um rápido desenvolvimento econômico. Esse
ponto de vista foi expresso pelo Governo de Myanmar, por exemplo, ao
contestar conclusões da Comissão de Inquérito da OIT sobre o recurso
generalizado e sistemático ao trabalho forçado naquele país.
52. Em seu primeiro relatório anual, referente ao seguimento da Declaração,
o Governo do Vietnã observou que “há, entre o Governo e a OIT, diferenças
quanto à definição de trabalho forçado e de contribuição dos cidadãos
vietnamitas para obras públicas do Vietnã. De acordo com a legislação aprovada
em janeiro de 2000, todos os homens adultos abaixo dos 45 anos de idade e
todas as mulheres adultas abaixo dos 35 devem contribuir com 10 dias de
serviços comunitários anuais. Em seguida a críticas levantadas ao uso de recrutas
de serviços comunitários na construção de estradas, o Vietnã baixou novas
normas, em outubro de 2000, obrigando o pagamento de salários mínimos e de
contribuições da seguridade social para todos os participantes na construção de
estradas no programa de serviços comunitários; isso não altera, porém, o
problema subjacente da natureza compulsória do trabalho.
3. Participaçao compulsória em
obras públicas
Práticas
comunitárias
tradicionais
Trabalho
forçado e
desenvolvimento
econômico na
Ásia
33 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
53. Ocorrências semelhantes foram registradas no Cambodja. Uma
providência adotada, em fevereiro de 1994, havia estabelecido em até 15 dias
por ano, o trabalho compulsório em obras de irrigação. Em julho de 2000, a
medida foi revogada por disposições que estabeleciam um dia de trabalho por
ano em obras hidrológicas para todos os cidadãos adultos, mas em regime
voluntário. A compreensão de que o desenvolvimento econômico é mais
prejudicado do que beneficiado através da imposição de trabalho forçado, sob
a ameaça de punição, vem aumentando gradativamente.
54. Em alguns países africanos, a legislação nacional ou disposições locais
continuam prevendo algum tipo de cultivo compulsório ou outras formas de
trabalhos e serviços compulsórios. Este é o caso, por exemplo, da República
Centro-Africana30, do Quênia31, de Serra Leoa32 e da República Unida da
Tanzânia, em cuja Constituição de 1985, que proíbe o trabalho forçado, se
estabelece também uma obrigação geral de trabalhar. O Governo da Tanzânia
começou a lidar com algumas das preocupações expressas sobre a matéria e
propôs reformas legislativas. Na Suazilândia, um decreto da Administração
suázi, de 1998, prevê cultivo compulsório, trabalho de contenção de erosão e
em estradas, com pesadas punições por seu descumprimento. O Governo foi
solicitado a adequar o decreto aos termos da Convenção 29, que ratificou.
Cultivo
compulsório na
África
30 Embora a legislação de há quarenta anos (Lei nº 60/109, de 26 de maio de 1960) preconize
o estabelecimento de uma área mínima para cultivo para cada comunidade rural, o Governo
tem afirmado que, na prática, já não há o cultivo compulsório.
31 De acordo com a lei sobre a autoridade do chefe, homens aptos entre 18 e 45 anos podem
ser obrigados a fazer trabalhos ou serviços relacionados com a conservação dos recursos
naturais, no máximo durante 60 dias por ano. O Governo tem manifestado sua intenção de
revogar a lei.
32 O cultivo obrigatório pode ser imposto em virtude da Lei de Conselhos de Chefia, embora
o Governo tenha declarado que essa lei, na prática, já não se aplica.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 34
55. Sistemas de peonagem e de servidão, na sua maioria, têm sido erradicados,
com êxito, nas últimas décadas. Outras formas de coerção e compulsão têm
sido detectadas. Trabalhadores rurais podem ser ainda privados de sua liberdade
por dívidas contraídas com adiantamentos por agentes de recrutamento e
transporte, muitas vezes fornecedores autônomos de mão-de-obra para
proprietários de terras ou para outras formas de empresa rural. Em regiões
isoladas, os trabalhadores não têm alternativa senão o endividamento para a
aquisição de alimentação e outros artigos de primeira necessidade que lhes são
fornecidos pelo proprietário ou pelo recrutador, ou aceitar bens em vez de
salários (o chamado “sistema de pagamento em mercadorias”). Retenção física
e a força são empregadas, muitas vezes, contra trabalhadores rurais apanhados
nessas situações de servidão por dívida. As dívidas se acumulam às vezes com
o financiamento para pagamentos de dotes, casamentos e funerais, e outras
cerimôniasquetêm que serpagascom afuturacolheita33.
56. Há graves problemas em regiões distantes; por exemplo, florestas tropicais
são abertas à exploração agrícola, mineral ou florestal. Povos indígenas e tribais
são normalmente susceptíveis de sofrer abusos. É fato comum costuma esses
trabalhadores serem enviados para regiões muito distantes de seus lares, muitas
vezes em áreas tropicais inóspitas e de difícil acesso. Esse isolamento aumenta
sua vulnerabilidade aos abusos e reduz a possibilidade de obterem ajuda efetiva
de instituições do setor formal, responsáveis pelo cumprimento da lei, da
representação sindical ou de redes comunitárias. Por conseguinte, os problemas
de coerção costumam estar ligados à migração da mão-de-obra sazonal, tanto
dentro como fora das fronteiras nacionais. A migração pode ser para trabalhos
na agricultura, na silvicultura, no processamento de produtos ou de artigos
4. Trabalho forçado na
agrigultura e em zonas rurais
remotas: práticas coercitivas de
recrutamento
Reaparecimento
da servidão por
dívidas
O isolamento
favorece os
abusos
33 B.C.Amoussou, op. cit.
35 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
alimentícios, ou para trabalhos domésticos, mas, em todos os casos, corre-se o
risco de resultar na servidão por dívida.
57. Tem havido relatos muito generalizados de trabalhos forçados nas
plantações da África Ocidental, que afetam especialmente as crianças. Na Costa
do Marfim, por exemplo, há informações de que crianças são obrigadas a
trabalhar em plantações. Isso afeta sobretudo crianças oriundas de certos grupos
étnicos do país, como também de Mali e Burkina Fasso34. Calcula-se que
entre 10 mil a 15 mil crianças de Mali estejam trabalhando em plantações na
Côte d’Ivoire35, mas os problemas estão mais generalizados em toda a região.
Benin e Togo são outros países onde têm sido também detectados casos de
trabalho forçado infantil. Às vezes, o desejo de uma vida melhor para seus
filhos leva os pais a confiarem suas filhas a outra família que, em vez de mandálas
à escola, utilizam-nas no trabalho doméstico. Esse sistema recebe diferentes
nomes, como restavek no Haiti e vidomegon no Benin. Isso podendo, para esses
fins, envolver o tráfico de crianças para fora das fronteiras. Há notícias também
de abusos, segundo as quais, meninas matriculadas em escolas corânicas
informais da África, são obrigadas, por mestres que haviam prometido dar-lhes
instrução religiosa, a trabalhar durante longas horas e a mendigar nas ruas36. É
a América Latina, entretanto, a que oferece a mais rica fonte de informações
sobre trabalho forçado em zonas rurais.
58. Embora a servidão rural tenha sido em geral erradicada, continuam sendo
detectados bolsões de trabalho virtualmente não remunerados com a obrigação
de prestar serviços, por exemplo, em algumas zonas da Guatemala e México
e na região amazônica do Peru. No México, o Instituto Indigenista Nacional
(IIN) tem-se referido a graves abusos, principalmente contra trabalhadores
indígenas no setor rural, que incluem alegações de forma coercitiva de
recrutamento chamado de enganche, segundo a qual os trabalhadores indígenas
são providos dos meios de subsistência por meio de uma dívida a ser paga com
a produção de bens e a prestação de serviços37.
59. Nos países andinos, os povos indígenas são particularmente vítimas do
trabalho forçado nas zonas rurais. No Peru, por exemplo, detectou-se sua
existência em algumas regiões da bacia amazônica. A Confederação Mundial
do Trabalho tem-se referido a práticas de escravidão e de servidão por dívida
Crianças
afetadas
Trabalho
forçado e povos
indígenas da
América Latina
34 Report of the Committee of Experts, 1999 e 2001.
35 UNICEF: Report of the sub-regional workshop on trafficking in child domestic service in west and
central Africa (Abidijan, UNICEF), p.199.
36 UNICEF/Banco Mundial: Le placement des enfants au Bénin: entre tradition et “modernité”.
(Abomey, 2000); relatório do Governo de Gâmbia em ILO Review of annual report under the
Declaration, Parte II, 2000; informação de escritórios da OIT com relação ao Benin, Burkina
Fasso, Costa do Marfim, Níger, Senegal e Togo.
37 Report of the Committee of Experts, 1996.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 36
que afetam povos indígenas, especialmente nas regiões de Atalaya e Ucayali38.
No Amazonas peruano, um programa de inspeção executado sob a coordenação
conjunta do Judiciário, da polícia e alguns órgãos governamentais, verificou
que a maioria dos povos indígenas das zonas ribeirinhas tem sido empregados
na derrubada de árvores, por empregadores que lhes pagam seus serviços com
roupa e comida. O Governo informou à OIT que está aplicando sanções
adequadas a essas infrações e que continua o controle por parte das autoridades
do trabalho. Mas é possível que, ainda mais importantes, tenham sido os
programas de titulação de terras realizados na região, que deram aos povos
indígenas perspectivas de sobrevivência garantida a longo prazo (ver Quadro
4.1)
Recente estudo, encomendado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento, observa que
um projeto de demarcação e titulação de terras,
em grande escala, na região de Ucayali, no Peru,
assegurou a posse de terras a mais de 160
comunidades nativas, em 1995. Esse projeto
abrangeu mais de 1,5 milhão de hectares de áreas
38 Para saldar suas dívidas (que podem ser de curto prazo ou mais permanente) contraídas
quando do recrutamento, os trabalhadores são obrigados a viver confinados numa fazenda.
Um comitê multissetorial (criado pela Resolução 083-88-PCM sobre a situação das comunidades
indígenas em Atalaya) constatou que algumas comunidades estavam submetidas à servidão
por dívida em propriedades agrícolas e florestais de médio e grande porte, e constituíam uma
força de trabalho não remunerada ou só parcialmente remunerada. Mais uma vez, os mecanismos
de servidão consistiam em adiantamentos pelo sistema de enganche.
39 R. Plant e S. Hvalkof: Land Titling and Indigenous Peoples (Washington, D.C., Banco
Interamericano de Desenvolvimento, 2000).
40 S. Hvalkof: From slavery to democracy: The indigenous process of upperUcayali and Gran Pajonal, em
P.García Hierro, S.Hvalkof e A Gray, Liberation through Land Rights in Peruvian, Amazon
(Copenhague, 1998, International Work Group for Indigenous Affairs).
41 S. Gómez e E.Klein, Los Pobres del Campo: el Trabajador Eventual (Santiago, 1993, FLACSO/
PREALC).
Quadro 4.1
Titulação de terras: “da escravidão para a democracia”
territoriais contíguas e beneficiou mais de 20.000
indígenas39. E estudos independentes mostram
como os programas de titulação de terras têm
preparado o terreno para um desenvolvimento
econômico e social sustentável, o que um analista
chamou de transição “da escravidão para a
democracia”40.
60. A julgar pelos dados disponíveis sobre os mercados rurais de trabalho na
América Latina, pareceria que os sistemas atuais de recrutamento, por meio de
intermediários, representa uma evolução das formas tradicionais de recrutamento
por enganche que existiram em diversas formas na região, durante várias
décadas. Estudo da OIT sobre trabalhadores rurais sazonais na América Latina41
sugere que o fator endividamento pode ser hoje muito menos importante
do que antes nesses sistemas de recrutamento. Mas adiantamentos continuam
sendo feitos a trabalhadores indígenas, para gerar dívida antes da estação da
colheita.
61. Ao que parece, estão sendo utilizados métodos de recrutamento
semelhantes em vários países da América Latina, onde os povos indígenas
fazem grande parte do trabalho sazonal da agricultura comercial. Proprietários
de terra recorrem a agentes autônomos de recrutamento de mão-de-obra
Práticas abusivas
de recrutamento
37 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
(contratistas), que dão adiantamentos em épocas de escassez nas comunidades
rurais. Na Guatemala, investigação realizada em meados dos anos 90 verificou
que a maior parte do recrutamento era feita dessa maneira. Às vezes, os próprios
povos indígenas recebiam comissões por trabalhador recrutado, apesar de ser
essa prática proibida por lei; pagamentos adiantados eram muito correntes42.
62. Na Bolívia, pesquisa da OIT em curso, sobre o trabalho de migrantes
indígenas (internos) no corte da cana-de-açúcar revela modelo parecido, no
qual os trabalhadores se vêem envolvidos num ciclo de servidão por dívida. Os
contratos são verbais e, embora sejam expressamente proibidos por lei, os
agentes de recrutamento (contratistas ou enganchadores) continuam sendo os
intermediários-chave. Os cortadores de cana podem pedir emprestado o
equivalente, em dinheiro, a 40 toneladas de açúcar no começo do corte, dívida
difícil de saldar ao final de uma safra de quatro meses. Trabalhadores indígenas
costumam pedir outro empréstimo, no final do corte, com a promessa de voltar
no ano seguinte43.
63. A produção de cana-de-açúcar foi também cenário de um dos exemplos
mais amplamente documentados de contratação de trabalho coercitivo das
duas últimas décadas: o de trabalhadores migrantes haitianos na República
Dominicana. O país provedor, o Haiti, é, há muito tempo, o país mais pobre
do Hemisfério Ocidental, e os camponeses das regiões mais prejudicadas pela
erosão e mais pobres do país precisam desesperadamente de renda monetária.
No país recebedor, a República Dominicana, ao grande maioria da produção
de cana-de-açúcar – até sua recente privatização – era proveniente de plantações
de propriedade do Estado e de usinas de açúcar geridas pelo Conselho Estatal
do Açúcar (CEA). Como os dois países partilham a ilha caribenha de São
Domingos, é muito intensa a movimentação ilegal de um lado para outro de
suas fronteiras comuns. Em fevereiro de 2000, os dois governos firmaram um
acordo para resolver os problemas que vêm sendo causados (ver o Quadro 4.2).
Trabalhadores
haitianos na
República
Dominicana
No dia 23 de fevereiro de 2000, os governos
da República Dominicana e do Haiti firmaram uma
declaração conjunta sobre as condições de
recrutamento aplicáveis a seus nacionais, com vista
à supressão do recrutamento clandestino e da
migração ilegal. Determina que a instituição de
contratos de emprego esteja de acordo com a
legislação nacional do país recebedor e com as
convenções internacionais aplicáveis. O acordo
Quadro 4.2
Novo acordo República Dominicana-Haiti sobre o agenciamento de mão-de-obra
prevê também um sistema de autorização de
trabalho e medidas para combater a imigração ilegal.
As partes acordam proteger os trabalhadores
migrantes em condições de igualdade com os
nacionais. Além disso, concordaram em promover
campanhas de informação para evitar que estes
trabalhadores se tornem presas de exploração,
tráfico ou atividades ilegais.
42 R.Plant: Rebuilding Civil Society: Rural Workers´ Organizations in Guatemala, documento de
discussão nº 5 sobre questões de desenvolvimento (Genebra, OIT, 1995).
43 M.Villavicienco: Trabajo forzoso u obrigatorio entre los trabajadores de las areas rurales de Bolivia
(documento de antecedentes preparado para a OIT, outubro de 2000).
64. No começo dos anos 80, uma Comissão de Inquérito da OIT concluiu que
se havia exigido trabalho forçado de todas as categorias de trabalhadores haitianos
e que, no caso de trabalhadores anualmente contratados, a responsabilidade
Práticas
descobertas
pelos
procedimentos
de supervisão da
OIT
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 38
tanto do Governo do Haiti como da República Dominicana.44 Constatou-se
que, se os trabalhadores haitianos abandonassem a plantação que lhes tinha
sido atribuída, antes de terminar a temporada de corte, as medidas adotadas
pelo empregador e pelas autoridades consistiam em geral em obrigá-los a voltar
a seu local de trabalho. No final de 1996, organizações sindicais dominicanas
continuavam denunciando práticas de trabalho forçado45.
65. O Governo da República Dominicana adotou uma série de medidas
para melhorar a situação:
n agir contra intermediários envolvidos em recrutamento impróprio;
n introduzir contratos de trabalho por escrito;
n acordar com os sindicatos a presença de observadores no momento de
pesar a cana-de-açúcar;
n mudar o sistema de vales, de mensal para semanal;
n designar inspetores de trabalho especificamente para as seis plantações
em questão, com ênfase na supervisão das horas de trabalho e no pagamento
de salários;
n rever o Código de Trabalho, com assistência da OIT, tendo em vista as
dificuldades enfrentadas no passado.
No final do ano de 2000 era evidente que o número de haitianos que entravam
na República Dominicana na base de contratos anuais para o corte estava
diminuindo, em comparação com um enorme fluxo de migrantes sem
documentos. Na maioria das opiniões, tem havido, nos últimos anos, uma
redução da coação direta de trabalhadores migrantes haitianos. Isso pode ser
atribuído, em parte, à importância cada vez menor da indústria açucareira como
fonte de divisas e também a mudanças estruturais46. Mas algumas mudanças
parecem ter sido propiciadas, em grande parte, pela preocupação demonstrada
pela OIT e seus membros com a identificação do problema e pela pressão para
a eliminação do trabalho forçado nessa ilha caribenha. A vontade política dos
governos envolvidos tem sido fundamental para continuação do processo como
parte de seus esforços de desenvolvimento.
44 A partir de uma queixa inicial contra os dois governos, em 1981, na qual se alegava o
descumprimento de ambas as convenções da OIT relativas ao trabalho forçado, esse caso chamou
a atenção dos órgãos de supervisão da OIT. As alegações abrangiam várias e diferentes categorias
de trabalhadores migrantes haitianos na República Dominicana, a saber: trabalhadores haitianos
com contratos de recrutamento concluídos anualmente com o Conselho Estatal do Açúcar da
República Dominicana e o Governo do Haiti; trabalhadores haitianos que entraram ilegalmente
na República Dominicana em busca de trabalho e trabalhadores haitianos residentes na República
Dominicana, na maioria dos casos em situação precária. Ver “Report of the Commission of
Inquiry to examine the observance of certain international labour Conventions by the Dominican
Republic and Haiti with respect to the employment of Haitian workers on the sugar plantations
of the Dominican Republic”, da OIT, Official Bulletin, suplemento especial, vol. LXVI, Série B
(Genebra, 1983).
45 Ver Report of the Committee of Experts, 1998, referente aos comentários sobre a aplicação da
Convenção 105 apresentados por vários sindicatos dominicanos.
46 O Governo dominicano comunicou que muitos trabalhadores migrantes haitianos estão
agora empregados nos setores da construção e da agricultura.
39 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Combate ao trabalho forçado no Brasil rural
66. O trabalho forçado concentra-se em determinados setores. O Governo
do Brasil está entre aqueles que demonstram levar a sério o problema do
trabalho forçado. Na última década, o Brasil tem dispensado muita atenção a
denúncias de trabalho forçado. Em muitos casos, a prática pode ser atribuída
ao abuso de sistemas de recrutamento de mão-de-obra num país em que se
recorre, de uma maneira generalizada, a um tipo de intermediário (também
chamado de gato). Desde os anos 80, tanto os sindicatos brasileiros como os
internacionais vêm alegando, em várias ocasiões, que milhares de trabalhadores,
inclusive crianças e adolescentes, estão submetidos a trabalhos forçados em
diversos setores da economia.
67. Casos de trabalho forçado têm sido localizados na mineração e no trabalho
sazonal de desmatamento, na produção de carvão vegetal e numa série de
atividades agrícolas entre as quais o corte da cana, a plantação de capim e a
colheita de algodão e de café. O trabalho sazonal assume várias formas. Primeiro,
são os movimentos migratórios de um estado para outro dentro do Brasil, nos
quais trabalhadores são efetivamente traficados, pelos gatos intermediários, de
regiões com graves bolsões de pobreza, afetadas pelo desemprego sazonal ou
pela seca. São transportados em caminhões ou ônibus para destinos a centenas
ou milhares de quilômetros distantes de seus lares.
68. Segundo, há trabalhadores rurais não qualificados (conhecidos no Brasil
como peões de trecho) que, apanhados num ciclo de servidão por dívida, perdem
o contato com suas famílias e passam a viver em trânsito constante de uma
situação de exploração de trabalho para outra. Tornam-se dependentes de
hospedarias, em que se alojam entre um trabalho e outro e onde o consumo de
álcool é muito comum. Essas hospedarias podem servir como ponto de
recrutamento, funcionando em conluio com os gatos; além disso, podem vender
as dívidas dos trabalhadores aos gatos, que os levam para propriedades agrícolas.
Romper o ciclo do peão de trecho tem sido particularmente difícil. Muitos
trabalhadores resgatados de situações de trabalho forçado não tiveram alternativa
senão a de voltar às hospedarias e aceitar semelhantes ofertas dos gatos.
69. Um terceiro tipo envolve famílias inteiras na produção de carvão. Essas
famílias se instalam em regiões de derrubada de árvores, constroem fornos
para queimar madeira e transformá-la em carvão vegetal, que, em seguida, é
vendido a intermediários para a produção de ferro gusa e aço. Por se tratar de
regiões remotas, em que as famílias dependem de intermediários para a
alimentação e transporte, cria-se de novo as condições para a fraude e a servidão
por dívida. A mobilidade dos trabalhadores do carvão dificulta principalmente
serviços de inspeção para fiscalização de suas condições de trabalho.
70. Por último, os povos indígenas são particularmente vulneráveis às
condições coercitivas de trabalho quando fora de suas próprias comunidades.
Embora os povos indígenas representem uma proporção infinitamente menor
da força de trabalho do Brasil em comparação com alguns países vizinhos da
América Latina, suas condições de recrutamento têm sido motivo de preocupação
para os serviços de inspeção do trabalho.
Povos indígenas
em situação de
alto risco
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 40
71. O principal aspecto do trabalho forçado nas áreas rurais brasileiras é o
uso do endividamento para imobilizar trabalhadores nas propriedades até a
quitação de suas dívidas, em geral contraídas de modo fraudulento. É uma
atividade clandestina e ilegal, difícil de ser combatida por diversos fatores,
entre os quais a imensa extensão do país e as dificuldades de comunicação.
Entre as limitações impostas a trabalhadores rurais, incluem-se a imposição de
dívidas pelo transporte, alimentação e ferramentas de trabalho; a retenção de
documentos de identidade e carteiras de trabalho, além do recurso a ameaças
físicas e a castigos por parte de guardas armados, inclusive o assassinato daqueles
que tentam fugir.
72. Além disso, segundo equipes federais de inspeção, cerca de 80 por cento
das pessoas resgatadas de situações de trabalho forçado não têm documentos
oficiais, certidão de nascimento ou documentos de identidade. Alguns não
figuram nas estatísticas oficiais da população ou não são objeto de qualquer
programa social do Governo e, geralmente, são analfabetos.
73. Há estatísticas oficiais disponíveis de trabalhadores resgatados de situações
de trabalho forçado no Brasil, durante operações da inspeção federal do trabalho.
Infelizmente, essas estatísticas não podem apreender toda a dimensão do
problema. A Tabela 4.1 mostra as operações realizadas pelo Grupo Especial de
Fiscalização Móvel de 1995 a 2000 e detalha o número de operações realizadas,
de trabalhadores resgatados e de prisões efetuadas.
Dimensões do
trabalho forçado:
estatísticas
disponíveis
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, agosto de 2000.
Tabela 4.1: Brasil: Operações do Grupo Especial de Fiscalização
Móvel (1995 – 2000)
Ano Nº. de
operações
Nº. de operações
com trabalhadores
resgatados
Nº. de
trabalhadores
resgatados
Nº. de
arrestos
1995
1996
1997
1998
1999
jan/jul 2000
Total
12
21
28
18
19
11
109
3
2
1
6
7
4
23
150
288
220
119
639
418
1.834
11
15
0
2
2
0
0
74. Entre 1980 e 1991, a Associação Brasileira de Inspetores do Trabalho
(AGITRA) documentou 3.144 casos de pessoas submetidas a trabalho forçado
em 32 propriedades na região Sul do Estado do Pará. A AGITRA observou, na
ocasião, que o trabalho forçado aumentava consideravelmente no país, enquanto
a inspeção do trabalho estava diminuindo. Em que pese as deficiências das
estatísticas oficiais, o número geral de pessoas submetidas a trabalho forçado
pode ter-se reduzido na última década. As atuais operações para libertar trabalhadores
de situações de trabalho forçado em desmatamentos, por exemplo,
têm detectado muito menos trabalhadores que no passado. Os numerosos
41 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
obstáculos a vencer para se fazer uma queixa podem explicar porque as estatísticas
oficiais sobre trabalhadores resgatados podem subestimar a gravidade de
um fenômeno de gravidade muito maior.
75. Desde o início dos anos 90, o Governo do Brasil vem adotando uma
série de medidas para combater o trabalho forçado em atividades agrícolas e
florestais da Amazônia e de outras regiões distantes. Em 1992, foi criado o
Programa para a Erradicação do Trabalho Forçado (PERFOR), em cujo âmbito
foram firmados acordos de cooperação entre diferentes instituições. Em 1995
foi lançado um programa de ação mais sistemática com a criação do órgão
interministerial Grupo Executivo de Combate ao Trabalho Forçado
(GERTRAF).47
76. Outra iniciativa do Governo foi a criação de um Grupo Especial de
Fiscalização Móvel em âmbito nacional, para atender a denúncias de trabalho
forçado. Esse grupo móvel foi criado após a constatação de pressões políticas
sobre equipes locais de inspeção regional, que as impediam de reagir
adequadamente às denúncias. Inspetores locais do trabalho eram considerados
mais vulneráveis a riscos de segurança ao investigarem denúncias de trabalho
forçado.
77. O Grupo Especial de Fiscalização Móvel foi criado no âmbito da Secretaria
de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego48. Avaliações
regulares das operações desse Grupo têm apontado dois critérios principais
para a eficácia:
n a organização centralizada e
n segredo absoluto no planejamento.
Todas as tentativas de descentralizar atividades não foram bem sucedidas, porque
as notícias de operações de inspeção aos proprietários de terras, invariavelmente
com antecedência, o que lhes permitia dispersar os trabalhadores ou dissimular
de uma maneira ou outra a situação.
78. O trabalho de investigação do Grupo de Fiscalização Móvel tem sido
também realizado nos âmbitos locais e estaduais. O Município de Vila Rica, no
Estado do Mato Grosso do Sul, criou uma comissão com a participação da
Prefeitura e da Câmara municipais, assim como de organizações de produtores
agrícolas e de trabalhadores rurais. Após receber denúncias de trabalho forçado,
a Comissão negociou com proprietários e intermediários locais. A simples
ameaça de chamar a Fiscalização Móvel e a previsão de multas facilitaram as
Uma série de
iniciativas
governamentais
para combater o
trabalho forçado
47 O GETRAF é coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e conta com representantes
de outros organismos governamentais e da Polícia Federal. Embora a missão do GETRAF
inclua a coordenação de importantes programas para a prevenção do trabalho forçado, suas
atividades e reuniões parecem ter diminuído nos últimos anos.
48 Sediado na Capital Federal, o Grupo conta atualmente com quatro coordenadores regionais
responsáveis pelo planejamento e condução de operações. Esses coordenadores, por sua vez,
selecionam inspetores de trabalho de escritórios de todo o país para participarem de operações,
que podem ser de dois tipos: em primeiro lugar, há inspeções de determinadas áreas ou setores
geográficos concretos, baseadas em casos anteriores de trabalho forçado e previstas no
planejamento anual. Em segundo lugar, realizam-se operações de emergência em resposta a
denúncias. Devido a limitações anuais de recurso e de capacidade, a prioridade tem sido dada a
operações de emergência.
Iniciativas locais
e estaduais
complementam
esforços federais
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 42
negociações. Só se recorreria ao Grupo se as negociações fracassassem. Os
esforços em âmbito estadual no combate ao trabalho forçado têm sido também
importantes (ver o Quadro 4.3).
79. Os sindicatos brasileiros têm também contribuído para promover a
conscientização sobre o trabalho forçado e a criação de mecanismos de apoio.
Um estudo da migração rural, realizado pela Federação de Trabalhadores
Agrícolas, em 1995-1996, com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego
e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revelou
o risco que correm trabalhadores migrantes de serem apanhados em situações
de trabalho forçado. No Estado do Piauí, o Sindicato de Trabalhadores Rurais
de Pimenteiras, após resgatar cerca de 50 trabalhadores em condições de trabalho
forçado numa plantação de cana-de-açúcar, no final dos anos 80, tomou
providências para que o fato não voltasse a acontecer. Negociou com os agentes
de recrutamento, os gatos, que ninguém deixaria a cidade sem ter seus nomes e
números de identidade, assim como dados informativos dos próprios gatos,
registrados na polícia. No começo dos anos 90, o Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Feira de Santana (Estado da Bahia) tentou fazer semelhante controle
dos pontos de partida e dos veículos que deixavam a região; isso aconteceu
logo depois do resgate de trabalhadores dessa região, em condições de trabalho
forçado, em plantações de cana-de-açúcar no Estado do Mato Grosso do Sul.
No Estado do Mato Grosso do Sul, a
Comissão Permanente de Investigação, Inspeção
e Controle das Condições de Trabalho, criada em
1993, conseguiu reduzir significativamente a
incidência de servidão por dívida nas áreas de
produção de carvão. É composta de organizações
governamentais, sindicatos, igrejas e organizações
não governamentais. A metodologia da Comissão
tem combinado investigação de situações de
Contribuições de
organizações de
trabalhadores
Quadro 4.3
Iniciativas locais de combate ao trabalho forçado:
visando a produção de carvão
servidão por dívida com conscientização,
mobilização social e acompanhamento judicial49.
Seu sucesso tem sido devido à combinação de
inspeção e cumprimento da lei com intervenções
coordenadas para melhorar a renda familiar e a
educação dos filhos. Desde 1995, a Comissão vem
recebendo apoio do Programa IPEC da OIT em seu
trabalho de erradicação do trabalho infantil.
49 Entre 1997 e 1998, a Comissão realizou mais de 130 visitas de inspeção à produção de carvão,
a destilarias de cana-de-açúcar e a colheitas de algodão e de sementes de capim, e participou
também de muitas negociações e reuniões complementares.
Quadro 4.4
“Fique de olho no trabalho escravo”
Em vários estados do norte do Brasil, a
Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica
distribuiu um pequeno folheto intitulado Fique de
Olho no Trabalho Escravo. O folheto usa uma
história em quadrinhos para expor condições
análogas à escravidão, e no folheto figuram números
de telefones do Ministério do Trabalho e Emprego,
da Polícia Militar e de sindicatos de trabalhadores
rurais locais. O Grupo de Fiscalização Móvel acaba
de adotar prática semelhante, distribuindo folhetos
entre trabalhadores encontrados em suas
operações de inspeção.
80. No plano nacional, em meados dos anos 90, depois de o presidente da
Central Única dos Trabalhadores (CUT) manifestar, através dos meios de
comunicação, sua preocupação com o trabalho forçado, a Central criou, em
43 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
âmbito nacional “uma linha direta sobre a escravidão” para que os trabalhadores
telefonassem denunciando situações de trabalho forçado. As poucas denúncias
recebidas foram encaminhadas ao Ministério do Trabalho e Emprego e à Polícia
Federal, para investigação. Todavia, por falta de medidas objetivas em escala
local e falta de capacidade de acompanhar medidas tomadas pelas autoridades,
essa “linha direta” não produziu os resultados esperados e, finalmente, foi
desativada. A CUT e seus sindicatos filiados, mantiveram ,todavia, suas ações
em matéria de trabalho forçado nos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso
do Sul. A sociedade civil e grupos religiosos também lançaram campanhas
contra o trabalho forçado no Brasil (ver o Quadro 4.4).
81. O Governo brasileiro promulgou recentemente novas disposições legais
para punir mais eficazmente vários aspectos do “trabalho degradante”, que
inclui o conceito de trabalho forçado50. Mas, apesar dessas medidas, muito
poucas pessoas que se servem do trabalho forçado têm sido punidas. Embora
em 1999 mais de 600 pessoas tenham sido resgatadas de condições de trabalho
forçado por equipes do Grupo de Fiscalização Móvel, no mesmo ano só se
registra a prisão de duas pessoas responsáveis por esse tipo de trabalho. Embora
o Governo tenha mencionado a necessidade de sanções realmente severas,
nada indica que isso esteja acontecendo. A impunidade desfrutada pelos
responsáveis, a lentidão dos processos judiciais e a falta de coordenação entre
órgãos governamentais acabam favorecendo os infratores no Brasil e em outros
lugares. Além disso, nos poucos casos de condenação dos responsáveis por esse
tipo de delito, trata-se, ao que parece, de intermediários ou de pequenos
proprietários, ao invés de donos de grandes fazendas ou empresas.
82. O descumprimento da lei que limita o percentual da remuneração que
um trabalhador pode receber em espécie ou o montante do crédito que pode
ser obtido no armazém do empregador acaba também às vezes em situações de
trabalho forçado. Isso tem acontecido, por exemplo, com membros do grupo
étnico enxet no Paraguai, em sua maioria analfabetos e que não sabem contar,
que se viram envolvidos em situações de servidão por dívida com os donos de
fazendas. No início de 1994, alguns processaram seus empregadores por falta
de pagamento ou por pagamento incompleto de salários. Embora os tribunais
estejam em condições de decidir por algum tipo de compensação, a prioridade
máxima deve ser a criação de condições econômicas e sociais que impeçam e
desestimulem, antes de tudo, a ocorrência de trabalho forçado.
Leis mais
severas, mas de
aplicação
ilusória
50 A Lei nº 9777, de dezembro de 1998, modifica alguns artigos do Código Penal Brasileiro, que
estabeleceu sanções por submeter a uma pessoa à “condição análoga à escravidão”. As penas de
prisão são aumentadas para quem põe em risco a vida ou a saúde de outra pessoa como
conseqüência do transporte ilegal de trabalhadores com o fim de submetê-los a práticas ilegais
de trabalho. Penas de prisão são impostas a quem obrigue trabalhadores a se utilizarem ou a
consumirem certo produto ou os obrigue a contrair uma dívida para impedi-los de deixar o
emprego quando assim o desejassem. Estipulam-se, entre outras, penas para quem recruta
fraudulentamente trabalhadores fora da localidade em que se realizará o trabalho ou deixem de
levar o trabalhador ou a trabalhadora a seu local de origem.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 44
83. Trabalhadores cujo trabalho costuma ser feito no âmbito privado de
residências, “experimentam um grau de vulnerabilidade sem comparação com
o de outros trabalhadores”51. O trabalho doméstico, em si, evidentemente não
é um trabalho forçado. Pode, todavia, degenerar-se em trabalho forçado quando
envolve servidão por dívida ou tráfico, ou quando o trabalhador é impedido
fisicamente de deixar a casa do empregador ou quando se retêm seus documentos
de identidade. Em diversos países, as duras condições das trabalhadoras
domésticas, que vivem em situações de trabalho forçado, têm ganhado
manchetes, principalmente casos de trabalhadores domésticos empregados no
Oriente Médio52. As piores situações incluem violência e, em alguns casos,
chega-se à violação e/ou à tortura.
84. Quando os trabalhadores domésticos são migrantes internacionais, os
problemas complicam-se ainda mais53. Alguns casos isolados, mas vergonhosos,
de diplomatas e funcionários internacionais que recorrem a essas práticas
impróprias têm servido, pelo menos, para chamar a atenção dos meios de
comunicação para as duras condições de empregados domésticos mantidos em
situações similares à escravidão. Na França, por exemplo, o Comitê contra a
Trabalhadores
domésticos
podem ser
vítimas de
trabalho forçado
5. Trabalhadores domésticos em
situações de trabalho forçado
51 ª Blackett: Making domestic work visible: The case for specific regulation, Departamento de Legislação
e Administração do Trablaho (OIT, Genebra, 1998), p.5. Ver também M.L.Vea Ruiz – “Relación
laboral al servicio del hogar familir en América Latina”, em Relasur (Montevidéu, Nº 3, 1994,
PP.35-51.
52 OIT: Migrant workers, Relatório III (Parte 1b), Estudo geral dos relatórios sobre a Convenção
97, sobre trabalhadores migrantes (revista), a Recomendação 86 (revista), de 1999 e a Convenção
143, de 1975, e a Recomendação 151, de 1975, sobre trabalhadores migrantes (disposições
complementares), Conferência Internacional do Trabalho, 87ª Reunião, Genebra, 1999; P. Stalker:
The work of strangers: A survey of international labour migration (Genebra, OIT, 1994), pp. 109-110.
53 E. Chaney e M.García Castro: Muchahas no more (Filadelfia, Templeo, 1989); R. Torrealba:
Trabajadores migrantes en el servicio doméstico en Venezuela. Programa Mundial do Emprego,
Genebra, documento de trabalho MIGWP 71S, 1992; OIT: “Filipine Migrant women in domestic
work in Italy” Programa Mundial do Emprego, Genebra, documento de trabalho MIG WP 53,
1991.
45 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Escravidão Moderna, que coopera com a Confederação Democrática Francesa
do Trabalho (CFDT), revelou “uma situação que estava oculta e lhe deu um
nome54. Mesmo em circunstâncias menos graves, o trabalho forçado pode ser
particularmente prejudicial, sobretudo nos países em desenvolvimento, quando,
por exemplo, crianças (com mais freqüência do sexo feminino) fazem largas
jornadas de trabalho em casas particulares em vez de irem à escola. Esse
fenômeno costuma ser muito mais comum nas áreas urbanas, para as quais têm
sido atraídas crianças das zonas rurais pobres, conforme registrado em Benin
(100.000 crianças), Côte d’Ivoire (não há números) e Haiti (250.000 crianças)55.
Até trabalhadores domésticos adultos estão sujeitos às mesmas práticas de
recrutamento fraudulentas e coercitivas como as enfrentadas por trabalhadores
rurais e, de fato, eles próprios vêm do campo.
85. Uma vez no emprego, os trabalhadores domésticos costumam trabalhar
isolados, o que propicia a inobservância da legislação trabalhista no que lhes é
aplicável. De fato, os trabalhadores domésticos são prejudicados porque, em
geral, são excluídos da cobertura da legislação trabalhista (tanto em países
desenvolvidos como em desenvolvimento) e pelos obstáculos que enfrentam
para exercer a liberdade sindical56. Nesse conjunto de circunstâncias adversas,
lhes é mais difícil sair de situações que envolvem trabalho forçado. Alguns
países, como a Suíça, têm adotado uma legislação especial ou medidas
administrativas com vistas a proporcionar contratos de trabalho apropriados
aos trabalhadores domésticos, com o intuito de lhes poupar essa sorte57.
54 CIOSL: “Slavery in the year 2000”, em Trade Union World (Bruxelas), nº 11, novembro de
2000, p.6.
55 OIT: Review of annual reports under the Declaration, 2001, e Ministério de Ação Humanitária e
Direitos Humanos (França) e a OIT: Vie d´esclaves (Genebra, 1994) (videocassete).
56 O primeiro Relatório Global relativo ao Seguimento da Declaração da OIT: Your voice at
work, Relatório do Diretor-Geral, Conferência Internacional do trabalho, 88ª Reunião, Genebra,
2000, enfocou este problema.
57 ªBlackett, op.cit e “Contrat-type de travail pour les travailleurs de l´économie domestique”,
em Recueil systématique de la législatión genevoise (Genebra), JI 50.3, de 18 de janeiro de 2000.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 46
86. Outra forma de trabalho forçado ainda amplamente utilizada é o trabalho
forçado em regime de servidão. Antes de tudo, quem é o trabalhador em servidão?
A expressão refere-se a um trabalhador que presta serviço em condições de
servidão decorrente de considerações econômicas, principalmente por
endividamento por empréstimo ou adiantamento. Quando a dívida é a causa
matriz da servidão, a implicação é de que o trabalhador (ou dependentes ou
herdeiros) fica preso a um determinado credor, por período determinado ou
indeterminado, até a quitação da dívida. Desse modo, é preciso uma intervenção
judicial para declarar essa servidão ilegal e punir proprietários de terras ou
outros empregadores que mantêm seus trabalhadores em regime de servidão.
E providências suplementares são normalmente requeridas, inclusive assistência
econômica e reabilitação, para ajudar trabalhadores resgatados a prover sua
subsistência e, por conseguinte, evitar seu retorno à condição de servidão.
87. A identificação de trabalhadores em servidão tem encontrado algumas
dificuldades principalmente no continente asiático. Definições legais tanto de
trabalhador em regime de servidão como de sistema de trabalho em servidão podem ser
consideradas muito claras em países como a Índia e o Paquistão, que têm
adotado legislação específica sobre a matéria, mas, em outros países, onde o
problema persiste (por exemplo o Nepal), ainda não foi dado o primeiro passo.
88. Longos debates acadêmicos têm ocorrido acerca de certos sistemas de
relação de trabalho rural, se deveriam ser classificados como “livres” ou “não
livres”, à luz das mudanças agrárias e sociais que têm afetado a região nas
últimas décadas. Alguns analistas associam trabalho em regime de servidão a
sistemas tradicionais de propriedade da terra, inclusive o trabalho servil baseado
em casta, ou de servidão pessoal gerada por dívida e que, freqüentemente, pode
6. Trabalho em regime de
servidão e sua erradicação
Definição de trabalho em regime de
servidão: questões conceituais e de política
Lutando por
uma
compreensão
contemporânea
47 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
estender-se por gerações. Outros argumentam que o trabalho em regime de
servidão tem sido também um aspecto de recentes tendências na agricultura
comercial, tanto de grande como de pequeno porte, envolvendo a dependência
com base na dívida de trabalhadores eventuais e migrantes. Conforme se
reconhece no âmbito da Comissão das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Sustentável, a agricultura sustentável não será viável sem a observância dos
princípios e direitos fundamentais no trabalho. Além disso, grande parte da
recente atenção tem-se voltado para o surgimento de formas de trabalho em
regime de servidão fora do setor agrícola. Minas, olarias, couro, processamento
de pescado e fábrica de tapetes estão entre as indústrias em que tem sido
detectado o trabalho em servidão fora da agricultura. A questão fundamental é
saber se a coerção extra-econômica, na forma de restrições físicas e de exigência
de prestar serviços remunerados ou não remunerados, é condição necessária
para se classificar um trabalhador em regime de servidão ou se conviria também
levar em consideração fatores de coerção econômica.
89. As formas precárias de posse da terra, como o sistema de meação, podem
também apresentar dificuldades. Os meeiros são remunerados, em espécie,
com uma proporção da colheita, que pode variar consideravelmente. Em acordos
mais favoráveis, podem receber até a metade ou mais da colheita, sem qualquer
obrigação de participar com ferramentas, sementes ou outros insumos. No
caso de acordos menos favoráveis, podem ter de fornecer insumos, recebem
talvez menos da metade da produção e têm também de prestar diferentes espécies
de serviços não remunerados ao proprietário da terra, de acordo com a
necessidade58. Nesse último caso, o sistema de meação pode ter muito em
comum com a servidão rural que, até há pouco tempo, era generalizada no
subcontinente indiano e em outras regiões em desenvolvimento, e que é, às
vezes, considerada como forma de trabalho em regime de servidão.
90. Mas, mesmo a meação, como outras formas de partilha da posse de terras,
pode não ser necessariamente equiparada a deficientes condições de trabalho
ou a formas de coerção econômica e extra-econômica. Na era das reformas
agrárias após a independência, os programas “terra para o lavrador”, no Sul da
Ásia, procuravam proteger o arrendatário e aplicar certas limitações à propriedade
agrária privada, com a imposição de limites à dimensão das terras de propriedade
individual. Como na Índia, as reformas agrárias promulgadas em diferentes
estados, após os anos 50, visavam: primeiro, abolir os sistemas intermediários
de posse da terra, como o sistema de zamindari; segundo, assegurar aos
arrendatários a garantia da posse da terra e, terceiro, impor limite à posse da
terra. Arrendatários diretos de propriedades zamindari tornaram-se novos
proprietários, enquanto outras camadas complexas de subarrendatários não
foram alcançadas pelas reformas. Todavia, embora se tenha verificado, por
vezes, uma tendência de a análise política equiparar a meação à perpetuação de
condições “semifeudais”, essas opiniões foram amplamente questionadas. À
medida que a reforma agrária distributiva foi se arrefecendo na maioria das
agendas de desenvolvimento, o arrendamento e a meação têm sido considerados
A meação pode
ter uma
variedade de
aspectos
58 O Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) estimou que, em geral em
toda a Ária, o meeiro paga 50 ou mesmo 100 por cento do custo dos insumos mais 100 por
cento do custo da mão-de-obra (inclusive a sua própria) e recebe entre 35 e 50 por cento da
produção. Ver The state of world rural poverty (Roma, FIDA, 1992).
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 48
mais favoráveis, como degraus da “escada agrícola” para a plena propriedade
da terra.
Estrutura legal e institucional para a erradicação
do trabalho em regime de servidão
91. Três países da região mais afetada pelo trabalho em regime de servidão,
a Índia, o Nepal e o Paquistão, têm adotado várias e importantes iniciativas
para atacar o problema: medidas legais, tentativas para conseguir dimensionar
o número de pessoas nessa situação e avaliação das estratégias utilizadas para
seu resgate e reabilitação. Além desses países, Bangladesh tem mostrado que
suas iniciativas de luta contra a pobreza incluem a intenção de aplicar
rigorosamente uma legislação que sancione o trabalho forçado ou compulsório,
e o Sri Lanka tem manifestado sua disposição de avaliar a compatibilidade da
legislação nacional com as normas internacionais em matéria de trabalho
forçado59. A título de exemplo, são examinadas mais detidamente três dessas
iniciativas.
92. Na Índia, o artigo 23 da Constituição proíbe o tráfico de seres humanos,
begar 60 e outras formas de trabalho forçado. Após sua adoção, foram promulgadas,
originalmente nos estados, leis para a erradicar sistemas de trabalho em regime
de servidão. Ulteriormente, foi adotada, em fevereiro de 197661, importante lei
federal, a lei da abolição do sistema de trabalho em servidão. Sua aplicação está
a cargo de cada estado. Comitês de vigilância, criados em virtude da lei, tanto
nos distritos como em jurisdições menores, têm desempenhado importante
papel na reabilitação econômica e social, monitorando o número de crimes dos
quais têm tomado conhecimento em virtude da lei, realizando pesquisas sobre
a incidência desses crimes e assumindo o papel da defesa de toda causa movida
contra trabalhador resgatado da servidão com vista à recuperação da dívida que
gerou sua servidão62. Os comitês de vigilância têm feito também levantamentos
para detectar e quantificar trabalhadores em servidão.
93. No início dos anos 80, várias sentenças da Corte Suprema da Índia
ampliaram a interpretação dos conceitos de trabalho forçado e de trabalho em
regime de servidão63. Em geral, a lógica dessas decisões parece ser a de que
ninguém trabalharia por remuneração inferior ao salário mínimo legal, a não
ser pela existência de um fator de coação. Com isso, abrem o caminho para um
Exemplos
ilustrativos de
três países
A Índia adotou
em 1976 sua lei
fundamental
sobre trabalho
forçado
59 Relatório do Governo enviado à OIT: Review of annual reports under the Declaration, 2001.
60 O termo begar não foi definido como tal na Constituição da Índia. Num caso posterior, a
Corte Suprema observou que a prática denominada begar era uma “forma de trabalho forçado
em virtude da qual se obriga uma pessoa a trabalhar sem nenhuma remuneração”.
61 Esta define o sistema de trabalho em servidão como “sistema de trabalho forçado ou
parcialmente forçado” no qual o devedor conclui, ou se presume tenha concluído, acordo com
o credor e por cujos termos o devedor renuncia a certos direitos básicos”.
62 Para um exame mais detalhado da lei e de seus procedimentos de aplicação, ver L. Mishra:
Burden of bondage (Nova Delhi, Manak Publications, 1977), e Y.Reddy: Bonded labour system in
India (Nova Delhi, Deep and Deep Publications, 1995).
63 Uma sentença de 1982 estabelece um vínculo entre o conceito de trabalho forçado e o fato de
não se pagar o salário mínimo. O tribunal opinou que a prestação de trabalho ou serviço.
49 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
considerável aumento de pessoas que podem ser tidas como trabalhadores em
regime de servidão para os efeitos da lei que abole o sistema de trabalho em
servidão. É possível também que tenham inspirado outras decisões relacionadas
ao trabalho forçado infantil.
94. No Paquistão, a Constituição proíbe também todas as formas de trabalho
forçado e de tráfico de seres humanos. O trabalho em regime de servidão foi
abolido por uma legislação específica, com a adoção da lei (da Abolição) do
Sistema de Trabalho em Servidão pelo poder legislativo, em 1992, que entrou
em vigor imediatamente. Em 1995, o Governo Federal a regulamentou com as
Normas (de Abolição) do Sistema de Trabalho em Regime de Servidão. A lei
tem muitas disposições semelhantes às da Índia. Também estabelece sanções
pela utilização ou imposição de trabalho em regime de servidão, pela não
devolução, ao trabalhador forçado, da posse de seus bens e pela instigação ao
crime.
95. Os comitês de vigilância instalados nos distritos, por força da lei, são
compostos de representantes eleitos da área, de representantes da administração
do distrito, de associações, de advogados, da imprensa, de serviços sociais
reconhecidos e de departamentos de trabalho dos governos federal e provinciais.
Suas funções consistem em orientar a administração do distrito na aplicação da
lei, ajudar na reabilitação de trabalhadores resgatados do regime de servidão,
acompanhar a aplicação da lei e oferecer a trabalhadores em regime de servidão,
a assistência necessária para alcançar os objetivos da lei.
96. Até há pouco tempo, não tinha havido, no Nepal, nenhuma iniciativa
para a adoção de uma legislação específica sobre o trabalho em regime de
servidão, embora a Constituição de 1991 proibisse a escravidão, a servidão e o
trabalho forçado em qualquer forma. Em seguida a uma forte pressão da
sociedade civil, a partir dos anos 90, o Governo do Nepal, por uma decisão do
Gabinete, declarou abolido, em 17 de julho de 2000, com efeito imediato, o
sistema de servidão por dívida chamado kamaiya. O sistema kamaiya compreende
uma relação de trabalho rural, a longo prazo, entre um agricultor e o dono da
terra, e só afeta o grupo étnico desfavorecido dos tarus, em vários distritos da
região Terai do Nepal Ocidental. Uma semana mais tarde, o Governo constituiu
um comitê central de coordenação e supervisão sob a presidência do vice-
O Paquistão
adotou sua lei
sobre trabalho
forçado em 1992.
O Nepal deu um
basta, em julho
de 2000, ao
sistema kamaiya
de trabalho
forçado
a outra pessoa por remuneração inferior ao salário mínimo implica a inclusão desse trabalho ou
serviço no âmbito do conceito de trabalho forçado, de acordo com a Constituição. A União dos
Povos pelos Direitos Democráticos contra a União da Índia, AIR 1982, S.C.1473) (conhecido
como Asiad Workers’ Case). Numa sentença de 1984, atendendo a uma petição relativa a trabalho
em servidão em pedreiras, o tribunal determinou que “toda vez que se demonstrar que um
trabalhador foi obrigado a prestar trabalho forçado, o tribunal suporá a presunção de que foi
obrigado a fazê-lo por força de um adiantamento ou de outra compensação econômica recebida
e que se trata, portanto, de trabalhador em regime de servidão”. O empregador ou o governo
poderá negar essa presunção, mas se não oferecer provas satisfatórias, o tribunal procederá
reconhecendo que o trabalhador foi vítima de servidão e, por isso, tem o direito de se amparar
nas disposições da lei Bandghus Mukti Morcha contra a União da Índia, AIR 1984, S.C.802. Em
outra sentença, no mesmo ano, a Corte Suprema determinou que toda vez que se obriga uma
pessoa a fazer um trabalho sem remuneração ou com uma remuneração simbólica, a presunção
é de que se trata de trabalho em servidão, a menos que o empregador ou o governo possa
demonstrar o contrário”. Neerja Cheudary contra o Estado de Madyha Pradesch, AIR 1984,
S.C. 1099.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 50
Primeiro Ministro, assim como comitês de coordenação e supervisão no âmbito
dos distritos, para detectar e reabilitar kamaiyas emancipados64. No momento, o
Governo está trabalhando em novas medidas legislativas, dentre outras.
Estimativa numérica
97. A primeira dificuldade em definir a população a ser contada está no fato
de serem os sistemas de posse e de uso da terra comuns tanto aos trabalhadores
em regime de servidão como aos demais. Um estudo muito preliminar realizado
no Paquistão, que examinou regiões da província de Sind, que se caracteriza
pelos sistemas de meação na agricultura, levanta alguns problemas na
identificação e localização do trabalho em servidão65. Por exemplo, há uma
prática muito comum entre os agricultores arrendatários do sistema chamado
begar, que consiste na troca de pagamento por serviço. Esse sistema existe em
outras regiões da Ásia Meridional, embora sob outros nomes. Essa prática
implica tipicamente trabalho não remunerado por parte do arrendatário em
benefício do proprietário, no pico sazonal, ligado a determinadas operações
como colheita ou capina, e pode ser objeto de acordo prévio. Esse trabalho,
entretanto, é realizado tanto pelos trabalhadores sujeitos aos proprietários em
regime de servidão como por aqueles não sujeitos ao regime. A questão complicase
ainda mais pelo fato de, por estar em débito com o proprietário, não ser
criado automaticamente um vínculo de servidão, vínculo tampouco criado por
uma dívida não institucional. É de suma importância determinar a origem, a
finalidade e as condições da dívida. Por isso, recorrer a expedientes aparentemente
simples, como o uso da dívida entre agricultores arrendatários como indicador
de trabalho em regime de servidão, seria muito arriscado. Restam poucas opções,
além das pesquisas em que se faz uma contagem direta dos trabalhadores em
servidão, utilizando-se rigorosa metodologia que leve em consideração algumas
questões aqui levantadas, bem como em outras seções deste Relatório66.
98. Na Índia, as pesquisas realizadas em âmbito nacional ou nos estados
têm produzido alguns resultados oficiais. Um levantamento feito em comum
pela Fundação Gandhi para a Paz e o Instituto Nacional do Trabalho, em 1978-
1979, estimou em 2.617.000 o número de trabalhadores em regime de servidão
nos dez estados abrangidos pelo levantamento. Um relatório mais recente da
Comissão sobre o Trabalho em Servidão em Tamil Nadu à Corte Suprema, em
outubro de 1995, calculara que, só no Estado de Tamil Nadu, havia cerca de
1.250.000 trabalhadores em regime de servidão.
99. Em 1989, a Comissão Nacional de Mão-de-Obra Rural encomendou a
um grupo de estudo sobre o trabalho em servidão, organizado pela Academia
Nacional de Administração, o exame de várias questões relacionadas ao sistema
de trabalho em servidão, inclusive problemas estatísticos67. Esse grupo
Qual o alcance
dessa estimativa?
Números
oficiais e não
oficiais
64 OIT: Review of annual reports under the Declaration, 2000, p. 218. Ver também o documento
GB.279/LILS/4, anexo 2, 279ª Reunião do Conselho de Adminsitração (Genebra, 2000).
65 E. Ercelawn e M. Nauman: Bounded labour in Pakistan: an overview (documento básico preparado
para a OIT, agosto de 2000).
66 Ibid.
Discrepâncias
nos números
51 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
comentou as grandes discrepâncias entre os números elevados das estimativas
do levantamento por amostragem da Fundação Gandhi para a Paz e os números
muito menores das estimativas de levantamentos de governos estaduais68.
Todavia, a incidência do trabalho em servidão, registrada pelos governos
estaduais, fez mais que dobrar entre 1980 e 1989. Vários estados, entre eles,
Gujarat, Haryana e Maharashtra, que, até 1980 negavam a existência de trabalho
em servidão, passaram posteriormente a reconhecê-la. Trabalhadores em regime
de servidão foram detectados nesses três estados, principalmente pelos esforços
de ONGs atuantes.
100. O Governo Federal da Índia tem produzido regularmente estatísticas
sobre trabalhadores em regime de servidão localizados, resgatados e reabilitados
por seus respectivos estados. Até março de 1999, os governos estaduais haviam
detectado 290.340 trabalhadores em servidão; destes, 243.375 foram postos em
liberdade e reabilitados, cerca de 20.000 tinham morrido ou migrado para outras
regiões e 17.000 estavam sendo reabilitados. Medidas vêm sendo tomadas por
força da Lei de Abolição do Trabalho em Servidão, de 1976, e das diretrizes da
Corte Suprema. O Governo da Índia, entretanto, tem reconhecido abertamente
a dificuldade de coletar dados estatísticos confiáveis sobre o trabalho em regime
de servidão.
101. No Nepal, os levantamentos estatísticos do Governo sobre trabalho em
regime de servidão têm-se concentrado no sistema kamaiya do Nepal Ocidental.
Um kamaiya aceita trabalhar para um determinado proprietário mediante contrato
verbal, em geral de um ano. A remuneração pode ser tanto em espécie como
uma determinada quantidade fixa de grãos, complementada por outros produtos
como lentilhas, sementes oleaginosas e sal, ou assumir a forma de participação
da produção da terra em parceria (a participação do kamaiya costuma ser de um
terço da colheita).
102. Pode haver também contratos inter-relacionados. Num contrato verbal
para a execução de um trabalho, espera-se que o kamaiya traga outros membros
de sua família para trabalhar para o proprietário. O segundo contrato verbal é
para fazer face a emergências, a escassez de alimentos ou a necessidades de
consumo do kamaiya. O kamaiya pode ficar sujeito a um proprietário durante
anos ou décadas, por acumulação da dívida. Além disso, outro proprietário
pode se oferecer para comprar a dívida e se utilizar dos serviços do kamaiya. O
terceiro tipo de contrato é para arrendamento de terras, apesar de nenhum
kamaiya ter tido acesso a uma terra para seu próprio uso69.
103. A primeira reforma agrária do Nepal, nos anos 70, estabeleceu um limite
máximo de posse da terra na principal zona agrícola onde vivem os tarus.
Embora as reformas pareçam ter dado lugar a uma redistribuição muito limitada
A tarefa de
identificar no
Nepal,
trabalhadores
em regime de
servidão
67 Grupo de Estudo sobre o Trabalho em Servidão, conduzido pela Academia Nacional de
Administração, Mussoorie, para a Comissão Nacional sobre Trabalho Rural, abril de 1991.
68 Em estados que incluem Andhra Pradesch, Bihar, Madyha Pradesh, Orissa, Rajasthan, Tamil
Nadu e Uttar Pradesh, os números fornecidos pelos governos estaduais eram inferiores em
cerca de 15% aos obtidos pelo levantamento da Fundação Gandhi para a Paz.
69 Para uma exposição mais detalhada, ver S. Sharma e outros autores: The kamaiya system in
Nepal (Nova Delhi, OIT, Equipe Consultiva Multidisciplinar para Ásia Meridional, 1998).
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 52
da terra (só 1,5 por cento de toda a terra agricultável)70, o fato é que, em geral,
não são grandes as propriedades agrárias que utilizam trabalho em servidão. O
grupo étnico taru envolvido no sistema kamaiya somava cerca de 1,2 milhão de
pessoas nos princípios dos anos 90. Uma vez que nem todos contraem dívidas,
a servidão como tal não é universal entre os kamaiyas. Um estudo da OIT
estimou que cerca da metade dos kamaiyas trabalha em regime de servidão por
dívida, enquanto quase 10 por cento deles vivem há gerações em regime de
servidão71. Levantamentos já mencionados revelam o quadro de um povo sem
terra, com alto índice de analfabetismo, facilmente exposto ao risco de contrair
novas dívidas.
104. Em colaboração com o Programa IPEC da OIT, o Governo empreendeu
um levantamento abrangente do sistema kamaiya e da população em 1995,
baseado em visitas de porta em porta72. O Governo, todavia, observou, nos
meados de 2000, que o levantamento de 1995 talvez tenha subestimado o número
real de kamaiyas, e estão em curso novo levantamento e a identificação de
kamaiyas emancipados73, para complementar outros levantamentos74. Outra
questão é saber se há trabalho em servidão em outras distintas regiões do
Nepal Ocidental, nas quais tem sido detectado e estudado o sistema kamaiya.
Há razões para suspeitar de que o sistema de servidão por dívida afeta algumas
castas em muitas comunidades rurais baseadas em castas.
Erradicação do trabalho em regime de
servidão: experiência prática
105. O país com a mais longa experiência é a Índia, onde, há um quarto de
século, foi adotada a primeira lei federal para abolir o trabalho em servidão. O
Paquistão tem uma década de experiência e no Nepal as iniciativas estão
sendo tomadas com seriedade. Há lições a tirar da experiência de cada um
desses três países que já adotaram providências.
Em curso novos
levantamentos
dos kamaiyas
70 Ver Cooperação Técnica da Alemanha (GTZ): Land tenure in Nepal: Status and main issues
(1999).
71 S.Sharma, op.cit.
72 Esse levantamento identificou 15.152 famílias kamaiyas, ou uma população total de 83.375,
dos quais 62,7 por cento foram presas de dívidas conhecidos no local como sauki.
73 Ministério da Reforma e da Gestão Agrária: Proposal on immediate action for rescue and rehabilitation
of recently emancipated kamaiya labourers of Western Nepal (Katmandu, Nepal, 2000) (documento
inédito).
74 Com base num levantamento por amostragem, de cerca de 3 mil kamaiyas de oito distritos,
em meados de 1997, informou o Centro de Serviços do Setor Informal (INSEC) que, naquela
época, havia 26.000 homens adultos, 1.500 mulheres e 5.000 crianças trabalhando no sistema
kamaiya. S.Sharma e M.Thakurathi: A revisit to the kamaiya system of Nepal (Katmandu, INSEC,
1998). Em 1995, o Departamento de Estudo da Reforma Agrária verificou que cerca de 14,1%
da população taru nos cinco distritos abrangidos pelo levantamento eram kamaiyas; 62,7 dos
kamaiyas haviam contraído dívidas, que, em média, equivalia a cerca de 75 dólares. 83,9 por
cento dos kamaiyas eram analfabetos e 72 porcento não tinham terras para cultivar.
53 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Experiência na Índia, 1976-2000
106. O Governo da Índia tem exposto extensamente, em declarações feitas
na Conferência Internacional do Trabalho, seus contínuos esforços para erradicar
o trabalho em servidão. Isto inclui: fazer novos levantamentos para detectar o
trabalho em servidão; tomar providências após a identificação; repatriar as
vítimas quando se trata de trabalhadores migrantes; mover ações, nos termos
da lei, contra os empregadores responsáveis e reabilitar os trabalhadores em
servidão75.
107. No que se refere à reabilitação, foi recentemente dobrado o volume de
assistência per capita para a reabilitação de trabalhadores resgatados da servidão.
Reuniram-se recursos procedentes de diferentes programas (inclusive de
programas de luta contra a pobreza, de emprego rural e treinamento de jovens
rurais), com vista a uma metodologia integrada para uma reabilitação eficaz e
permanente. Além disso, o Governo lançou um programa patrocinado pelo
Estado para dar assistência a trabalhadores em servidão, e criou, no Ministério
do Trabalho, uma divisão para monitorar, coordenar e supervisionar a execução
do programa. Simplificou também os procedimentos para aprovar auxílios e
subsídios, delegando poderes às províncias.
108. Apesar dessas providências, o Governo da Índia tem reconhecido
dificuldades no trato dos problemas do trabalho em servidão e a necessidade
de intensificar seus esforços. As razões que invoca para isso incluem a falta de
sensibilidade e de vontade de enfrentar o problema – sobretudo nos níveis mais
baixos da administração pública – e a escassez de recursos em todos os níveis
para a total erradicação do trabalho em servidão.
109. Os esforços para a erradicação do trabalho em regime de servidão na
Índia parecem ter passado por diferentes fases no último quarto de século; de
fato, em alguns períodos, mais do que em outros, têm ocupado um lugar de
destaque nas agendas econômica, política e também jurídica. Em seguida à
adoção da Lei de 1976, o movimento contra o trabalho em servidão recebeu
grande impulso a partir do enfoque adotado pela Corte Suprema, no início da
década dos 80, com base em litígios de interesse público. Importantes sentenças
proferidas propiciaram novas reflexões sobre a natureza e a magnitude do
problema. A subsequente criação de um grupo de trabalho, por meio da
Comissão Nacional de Direitos Humanos, acelerou o processo de detecção,
resgate e reabilitação de trabalhadores em servidão. Em 1997, a corte Suprema
solicitou à Comissão Nacional de Direitos Humanos que examinasse e
supervisionasse a aplicação da Lei de 1976 e os progressos realizados pelos
governos estaduais. 76
Divisão especial
estabelecida para
uma
metodologia
integrada
A Corte
Suprema da
Índia tem
desempenhado
papel decisivo
75 Entre 1998 e 1999, 5.960 trabalhadores em regime de servidão foram reabilitados no contexto
de um plano patrocinado pelos Governos centrais dos Estados de Bihar, Orissa, Tamil Nadu e
Uttar Pradesh. No decorrer de 1998 e 1999, alguns funcionários foram enviados a algumas
regiões para examinar e supervisionar os progressos que estavam sendo alcançados pelos governos
estaduais na aplicação da Lei da Abolição do Sistema de Trabalho em Servidão, de 1976, e do
Programa de Reabilitação do Trabalho em Servidão, de 1978.
76 Ordem baixada no dia 11 de novembro de 1997 em cumprimento do mandado judicial nº
3922/85.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 54
110. Nos anos 80, o Comissariado para Castas e Tribos Reconhecidas
desempenhou também importante papel em matéria de conscientização. Os
relatórios do Comissariado costumavam ter uma seção especial sobre trabalho
em regime de servidão, sobretudo quando afetadas castas e tribos reconhecidas,
e fazia recomendações tanto ao Governo como à sociedade em geral77. Entre
1987 e 1991, a Comissão Nacional de Mão-de-Obra Rural constituiu também
grupos de estudo sobre trabalho em servidão e o endividamento rural. Esses
estudos contribuíram consideravelmente para se conhecer a extensão e a natureza
da dívida rural, sua finalidade e origens , assim como sua especial incidência
entre castas e tribos reconhecidas78. A eliminação da servidão por dívida tem
sido considerada em grande parte como uma questão de desenvolvimento.
111. O Grupo de Estudo sobre Trabalho em Servidão, da Comissão Nacional
sobre a Mão-de-Obra Rural, apontou algumas deficiências nos planos de
reabilitação aplicados anteriormente. Verificaram-se falsas identificações de
trabalhadores em servidão, para fins de obtenção de fundos de reabilitação.
Além disso, os planos de reabilitação não tinham melhorado as condições de
trabalhadores em servidão, já que muitos ex-trabalhadores em servidão
continuavam pagando, a seus antigos patrões, o remanescente da dívida que
haviam contraído e que, segundo a lei, tinha-se extinguido.
112. Os comitês de vigilância, embora representem poderoso mecanismo para
erradicar o trabalho em regime de servidão, não funcionaram a contento, segundo
conclusões do grupo de estudo. Em geral, dissolveram-se ao cabo de dois anos
e durante muito tempo não foram reconstituídos. Os estados com alto índice
de trabalho em servidão não tinham ainda acionado esses comitês de vigilância.
Além disso, nos últimos anos foi praticamente cessada a identificação de novos
casos de trabalhadores em regime de servidão.
O Comissariado
para Castas e
Tribos
Reconhecidas
foi muito
atuante na
promoção da
conscientização
Conclusões da
Comissão
Nacional sobre a
Mão-de-Obra
Rural
77 Ver, por exemplo, o Relatório do Comissariado para Castas e Tribos Reconhecidas, 29º
Relatório, 19871989. Esse relatório trata de questões que incluem a aplicação parcial da lei,
direito agrário e trabalho em servidão, trabalho em servidão nas plantações e trabalho em
servidão nas minas. Parece que esses relatórios não foram elaborados numa base regular na
década passada.
78 Grupo de Estudo sobre a Servidão por Dívida nas Zonas Rurais, Centros de Estudos em
Ciências Sociais, Calcutá, novembro de 1990.
Em seu relatório de 1990, o Grupo de Estudo sobre
Trabalho em Regime de Servidão fez uma série de
recomendações à Comissão Nacional sobre Mãode-
Obra Rural na Índia, a seguir resumidas:
(1) promover um levantamento em todo o país,
utilizando os mecanismos oficiais, centrais e
estaduais, ONGs, ativistas e instituições de
pesquisa, para um quadro preciso da natureza,
incidência e difusão do trabalho em servidão
na Índia, com especial atenção a trabalhadores
migrantes e a trabalhadores em ocupações não
agrícolas;
(2) promover um movimento de conscientização e
de pressão por meio de um programa, em âmbito
Quadro 6.1
Recomendação do Grupo de Estudo sobre Trabalho em Regime de Servidão
nacional, de educação, mobilização e organização
de trabalhadores em regimes de servidão;
(3) transferir trabalhadores em servidão
identificados para acampamentos protegidos
logo após seu resgate e ali mantê-los, por conta
do Governo, à espera de programas concretos
de reabilitação. Os processos de resgate devem
ser conduzidos publicamente nas aldeias onde
forem identificados trabalhadores em servidão;
(4) aumentar o valor das indenizações previstas na
lei. O governo estadual deve pagar todos os
salários atrasados dos trabalhadores em
servidão, para depois recuperar a importância
do ex-patrão;
55 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
113. O Grupo de Estudo chegou também à conclusão de que, embora tenham
sido identificados oficialmente cerca de 240 mil trabalhadores em regime de
servidão no país, somente 773 detentores de trabalhadores em servidão foram
para a prisão. O número de sanções aplicadas após os respectivos julgamentos
foi ainda menor. O Grupo de Estudo sobre o Trabalho em Regime de Servidão
formulou uma série significativa de recomendações que permanecem muito
pertinentes (ver Quadro 6.1).
114. O Grupo de Estudo observou que planos de reabilitação que não iam
além de um alívio temporário, por meio de auxílio financeiro ou, na melhor das
hipóteses, de algumas vantagens temporárias, simplesmente atraíam elementos
indesejáveis que se aproveitavam desses benefícios. Só a garantia de emprego
e terra para os agricultores poderiam proporcionar proteção duradoura a
trabalhadores resgatados da servidão. O Governo do Estado de Andhra Pradesh
lançou um novo programa de compra de terras cultiváveis, dotando-as de
sistemas de irrigação e cedendo-as aos agricultores resgatados do regime de
servidão. Essas medidas foram complementadas por benefícios oferecidos por
outros programas de luta contra a pobreza79.
115. Quanto às tendências mais recentes em matéria de trabalho em servidão,
há indícios de que sua incidência pode ser particularmente grave em indústrias
pequenas e informais, como as olarias80.
116. Há também indícios de que mulheres estão sendo cada vez mais atingidas
pelo trabalho em servidão na agricultura. Recente estudo em Andhra Pradesh
revela que os trabalhadores agrícolas masculinos eram os principais beneficiários
de políticas de estímulo à invasão de terras incultas do Governo, de subsídios
de créditos, de bens de produção e de alimentos, bem como da geração de
empregos não agrícolas. Dessa maneira, os empregadores tinham menos
controle sobre o consumo e a residência de trabalhadores masculinos, o que
permitia aos homens escapar das tradicionais relações de trabalho forçado por
dívida. Os homens transferiam também o pagamento da dívida para as mulheres,
5) envolver comitês de vigilância ampliados e
fortalecidos nas diversas etapas do processo;
6) envidar esforços para organizar os
trabalhadores em regime de servidão em vários
níveis e elaborar programas de formação;
7) como parte da reabilitação, dar maior proteção
à terra e a outros bens a que os trabalhadores
em servidão tenham tido acesso. Estender a
proibição de despejo de trabalhadores em
servidão de toda terra que cultivem e de
desapropriação de outros bens como fornos de
olarias, e impedir a transferência, para terceiros,
de propriedade de trabalhadores em servidão;
8) uma vez que a causa principal do trabalho em
servidão é o endividamento de trabalhadores
pobres na zona rural, sobretudo para atender a
necessidades de consumo, instruir os bancos
públicos a conceder empréstimos para consumo
a trabalhadores resgatados da servidão e a
trabalhadores ainda sujeitos a esse sistema;
9) dar garantias de emprego a trabalhadores servis
resgatados;
10) melhorar os planos de reabilitação baseados ou
não na posse da terra. Para trabalhadores na
agricultura em regime de servidão, a solução
definitiva é garantir sua reabilitação pela posse
da terra.
Só o emprego
proporciona uma
liberdade
duradoura
79 Grupo de Estudo sobre o Trabalho em Servidão, conduzido pela La Bahaduar Shastri,
Academia Nacional de Administração, Mussoorie, para a Comissão Nacional sobre Mão-de-
Obra Rural, abril de 1991.
80 Nações Unidas: Contemporary forms of slavery, relatório do Grupo de Trabalho sobre Formas
Contemporâneas de Escravidão, 25ª Sessão, Nova Iorque, junho de 2000.
Alerta para a
dimensão do
gênero no
trabalho em
servidão
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 56
tanto direta como indiretamente, atribuindo-lhes maior responsabilidade pelo
provimento da família. As mulheres têm sido, por conseguinte, obrigadas a
fazer trabalhos agrícolas, por quaisquer salários e condições que lhes são
oferecidos. As mulheres têm sido também obrigadas a tomar empréstimos
para pagar dívidas dos homens que fogem para não pagar as dívidas com trabalho,
e para atender às expectativas de lealdade dos empregadores e assim poder, no
futuro, ter acesso a outros créditos para consumo. O estudo levantou ainda que
isso envolvia uma obrigação das mulheres de trabalhar em fazendas de
empregadores ou de credores por salários mais baixos, ou de fazer tarefas não
remuneradas durante toda a temporada81. Embora se trate de conclusões de
apenas um estudo recém-realizado num único estado da Índia, a tese é de
importância suficiente para justificar análises mais apuradas.
Experiência no Paquistão, 1992-2000
117. Dados oficiais sobre esforços envidados pelo Paquistão para erradicar
o trabalho em servidão nos últimos dez anos, têm enfatizado os graves problemas
do trabalho infantil em regime de servidão nesse país, onde importantes
programas de pesquisa e de ação têm sido desenvolvidos com a assistência da
OIT. Exemplo disso é o acordo firmado entre a União Européia e a OIT, em
maio de 1997, para o financiamento de projetos de cooperação técnica com
vista a uma maior conscientização relativa a práticas de exploração de trabalho
infantil perigoso e em regime de servidão; a maior capacidade de resgatar crianças
da servidão e de evitar que caiam nessa situação, e a incluir crianças trabalhadoras
em regime de servidão e suas famílias no contexto global de programas de
reabilitação global. Os textos legais sobre crianças e trabalho em servidão foram
também traduzidos para o urdu e o sindhi.
118. No que se refere à aplicação prática da Lei de Abolição do Sistema de
Trabalho em Servidão, de 1992, e das Normas de 1995 sobre a matéria, o
Governo informou que os comitês de vigilância tinham sido ampliados e
reforçados. Todavia, como foi observado na 82ª Reunião da Conferência
Internacional do Trabalho (1995), alguns desses comitês precisariam talvez ser
reforçados. A Federação dos Sindicatos Unidos de Todo o Paquistão (APFUTU)
solicitou a todos os sindicatos que participem dos comitês de vigilância, que
estão sob a supervisão dos departamentos provinciais.
Crianças em
foco
O papel dos
comitês de
vigilância
81 L.Da Corta e D. Venkateshwarlu: “Unfree relations and the feminization of agricultural
labour in Andrha Pradesh, 1970-1995”, em Journal of Peasant Studies (Ilford, Essex, Reino Unido),
vol. 26, nº 2/3, jan/abril de 1999.
É cruel a situação dos meeiros hari. Conforme
levantamento efetuado em meados de 2000, quase
todas as mil pessoas ouvidas declararam que
homens e mulheres adultos tinham sido obrigados a
fazer trabalho forçado (begar). Quanto a crianças
de ambos os sexos, quase 90 por cento eram begar.
Mais de três quartos dos entrevistados declararam
que tinham sido submetidos a restrições físicas, por
exemplo, eram recolhidos à noite e mantidos sob
Quadro 6.2
Tratamento abusivo de meeiros haris
vigilância. E quase todos os haris nos acampamentos
declararam que à noite os homens eram separados
dos demais membros de sua família. Houve também
referências generalizadas a práticas de prisão de
haris em cárceres privados por períodos de seis a
doze meses, ou até mais, e de acorrentá-los ou de
amarrá-los com cordas, além de abuso sexual de
mulheres.
57 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
119. Por falta de levantamentos sistemáticos tanto do Governo federal quanto
de governos provinciais, que definam a magnitude e a intensidade do trabalho
em servidão, a maior parte dos dados disponíveis vem de institutos acadêmicos
de pesquisa que, por sua vez, costumam consultar as ONGs. Há uma
concordância geral de que os problemas mais graves de trabalho em servidão
são encontrados entre os meeiros na Província de Sindh e entre os fabricantes
de tijolos no Punjab82. Os analistas estão também preocupados com o fato de
o trabalho em servidão estar ganhando terreno em outros setores como pescarias
e fabricação de tapetes. O temor é de que o rápido crescimento do setor
manufatureiro informal, especialmente nas zonas rurais, embora reduza o
número de desempregados, leve à criação de mais trabalho em servidão.
120. As condições mais graves de trabalho em servidão têm sido detectadas
entre meeiros sem terra (conhecidos como haris) no Baixo Sindh. Levantamento
realizado, em meados de 2000, em sete acampamentos haris do Sindh, tende a
confirmar a gravidade das condições encontradas por trabalhadores agrícolas
em servidão nessa região. A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão
(HRCP) documentou práticas chocantes, segundo as quais, só em 1999, 2,3 mil
pessoas tinham sido libertadas de cárceres privados (Ver o Quadro 6.2).
121. As zonas rurais do Sindh parecem, por isso, ser exemplo clássico de um
sistema feudal, em que os proprietários agrícolas passaram à ofensiva para
defender o sistema de trabalho por servidão como parte integrante da cultura
do Sindh, uma sociedade agrária. Segundo consta, não concordam em que as
relações com seus posseiros sejam regidas pela legislação sobre o trabalho em
servidão e insistem em que as questões de dívidas devem ser tratadas por
tribunais agrários, nos termos da Lei da Posse da Terra. Um fator que talvez
tenha contribuído para essa atitude foram as pressões econômicas adversas
enfrentadas recentemente pelos donos de terras, inclusive o aumento dos preços
dos insumos, simultaneamente com a redução de subsídios.
122. Iniciativas do Governo têm permitido que haris resgatados se abriguem
em terras do Estado. Esses acampamentos são temporários e sua segurança
depende da boa vontade da administração local e dos habitantes da vizinhança.
Até o momento, as atividades de planejamento para o desenvolvimento, como
a estratégia nacional de luta contra a pobreza, não classificaram o trabalho em
servidão como uma categoria especial de trabalho. Embora tenham sido criados
comitês de vigilância (em alguns casos, pela primeira vez, em 1999, e só em
alguns poucos distritos), estes têm a tendência de só agir após o recebimento de
queixas. O Governo anunciou publicamente sua intenção de financiar programas
específicos com vista ao trabalho em servidão e ao trabalho infantil.
123. Enquanto isso, organizações de direitos humanos, sindicatos e outros
grupos ativistas têm manifestado preocupação com o problema ou adotado
iniciativas de prestação de assistência judiciária para a emancipação de
trabalhadores em servidão. Todavia, a inexistência de negociação coletiva entre
trabalhadores do setor rural é um obstáculo à ação dos sindicatos.
Novos setores:
uma área de
preocupação
Os haris
enfrentam uma
cruel situação
A persistência de
práticas feudais
82 Por exemplo, a Frente de Libertação do Trabalho em Servidão (BLLF) estima que, entre
janeiro de 1999 e maio de 2000, cerca de 2 mil trabalhadores em servidão e suas famílias foram
resgatados, graças a sua ajuda, do trabalho em servidão em olarias.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 58
124. Para prover um refúgio seguro para os haris que fogem da servidão, a
Comissão de Direitos Humanos do Paquistão comprou uma pequena área na
Província de Sindh. Nos meados de 2000, cerca de 200 famílias – num total de
mais de mil pessoas – haviam-se refugiado no acampamento. Quando os haris
criam seus próprios refúgios tradicionais, a Comissão de Direitos Humanos do
Paquistão tem contribuído com a instalação de bombas manuais para a captação
de água potável. Grupos religiosos no Sindh têm também ajudado a arranjar
área para acampamento de haris, além de ajuda financeira para socorro imediato.
125. Essas medidas, porém, são apenas um começo. Um recente estudo da
OIT concluiu que a eliminação total do trabalho em servidão em todo o Paquistão
só se fará com um rápido crescimento econômico, que inclui empregos e salários
mais altos juntamente com a urbanização83. Enquanto isso, a intensificação de
iniciativas públicas voltadas especificamente para o trabalho em servidão
poderiam produzir significativas melhorias.
Experiência no Nepal, 1995-2000
126. Com relação aos esforços para erradicar o trabalho em servidão, a recente
experiência no Nepal é única. Em seguida a uma campanha de ONGs, no
início da década dos 90, que chamou a atenção nacional para o sistema kamaiya
no Nepal Ocidental, o Governo tem demonstrado firme compromisso com a
abolição desse sistema e com o resgate e reabilitação das pessoas atingidas.
Dando prosseguimento à decisão do Gabinete de proibir o sistema kamaiya, o
Governo elaborou, em julho de 2000, planos detalhados de um programa
emergencial de resgate e reabilitação de famílias envolvidas, a ser executado,
numa primeira fase, em regime emergencial de curto prazo e, subseqüentemente,
num período de três anos.
127. O Governo declarou que sua política para a emancipação dos kamaiyas
passou de uma estratégia “evolutiva” para uma estratégia “revolucionária”.
Inicialmente, dispensou diferentes tipos de apoio aos kamaiyas, capacitando-os
a saldar suas dívidas, em vez de as declarar nulas por lei. De 1995 em diante,
alocou o equivalente a cerca de 900 mil dólares americanos a vários programas
para a abolição do sistema kamaiya, concentrados na criação de um fundo
rotativo de financiamento, a juros baixos, de atividades geradoras de rendas; na
criação de um fundo de financiamento de assentamentos de kamaiyas sem-teto;
na formação de diferentes técnicas, como carpintaria, alvenaria, eletricidade,
criação de animais e horticultura, e na distribuição de terra. Além disso, um
Programa de Subsistência de Kamaiyas, executado pelo Departamento de
Reforma Agrária, deu ênfase à mobilização social, ao desenvolvimento de
habilidades e à criação de programas de crédito e de formação. O Ministério do
Trabalho iniciou também um programa de desenvolvimento de habilidades
domésticas para kamaiyas, mas os modestos resultados alcançados84 levaram o
Governo a considerar inadequado esse enfoque para chegar à plena emancipação.
Criação de um
refúgio seguro
Seguimento da
proibição do
sistema kamaiya
O Governo
optou por um
enfoque
revolucionário
83 A Ercelawn e M. Naumar, op.cit.
84 Só 3.736 kamaiyas receberam formação e só 1.056 conseguiram a liberdade.
59 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
128. A decisão do Governo de proibir o sistema kamaiya reflete uma estratégia
mais radical. Adotou também planos para a execução de um programa de
emergência de resgate e reabilitação de kamaiyas – a ser executado, num período
de três anos, sob a administração de um comitê central de coordenação e
supervisão. A responsabilidade local por sua implementação é de comitês de
coordenação e supervisão no âmbito distrital. O Governo estabeleceu
ambiciosos objetivos de curto prazo:
n Apresentação de Projeto de Lei (de Abolição) do Trabalho em Servidão,
preparada com a assistência da OIT85;
n rápida atualização dos registros do levantamento sobre os kamaiyas, realizado
em 1995;
n distribuição de carteiras de identidade a todos os kamaiyas emancipados;
n identificação de terras do Governo ou públicas, convenientes para
distribuição entre os kamaiyas sem terra:
n propostas de possíveis ações de resgate e reabilitação, uma vez identificados
os kamaiyas emancipados;
n execução de programas sociais e de desenvolvimento, de uma maneira
integrada e coordenada, tanto governamentais como não governamentais.
129. Em seu programa de resgate e reabilitação imediatos, o Governo visa
primeiramente os sem-teto e os sem-terra. O Governo pediu ajuda internacional
– e a OIT tem assumido a liderança no plano local, reunindo várias organizações
internacionais e a comunidade de doadores em apoio às iniciativas do Governo.
Em sua fase inicial, o programa atua de uma forma parecida com programas de
defesa civil, nos casos de calamidade ou emergência natural, concentrando-se
na necessidade de itens básicos como ajuda alimentar, tendas e materiais para
cobertura temporária, utensílios básicos de cozinha; sacos de dormir e cobertores;
remédios e materiais de primeiros socorros. Estão previstos programas de
reabilitação a médio prazo para apoio a projetos de construção de moradias de
baixo custo, de assistência médica e educacional, de instalação de água potável,
de planos de geração de empregos e de desenvolvimento de qualificações, e de
programas de microcrédito.
Ambiciosos
objetivos de
curto prazo
Visando
primeiramente
os sem-teto e os
sem-terra
85 As disposições substantivas do Projeto são muito semelhantes às da legislação promulgada
anteriormente na Índia e no Paquistão. Elas prevêem o resgate automático de trabalhadores em
servidão, anulação de empréstimos e/ou contratos e a devolução de bens tomados pelo credor
em garantia da dívida. Disposições institucionais prevêem a criação de comitês distritais de
bem-estar integrados por funcionários dos governos central e locais, um representante dos
bancos locais e membros de ONGs e de sindicatos designados pelo Governo. O projeto prevê
ainda um fundo de bem-estar, um sistema de queixas e de investigação que funciona por
intermédio de um assistente social, e também sanções e recompensas.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 60
130. Correspondendo à demonstração de vontade política do Nepal de extirpar
o trabalho em servidão, a OIT pretendia lançar, no final de 2000, importante
projeto com o apoio financeiro dos Estados Unidos. O projeto dará respaldo
a medidas relacionadas com o trabalho, inclusive formação para reabilitar cerca
de 75 mil ex-trabalhadores em servidão, para evitar que voltem a ser vítimas de
outras formas de exploração (ver o Quadro 6.3). Prevê-se que a OIT terá também
um papel na construção de técnicas organizacionais e de negociação, à medida
que trabalhadores e donos de terra se ajustem à condição do trabalho livre.
Além disso, esses esforços devem ser considerados juntamente com medidas
mais amplas, com vista à melhoria das condições de vida dos trabalhadores nas
zonas rurais e para evitar o ressurgimento da servidão por dívida naquela parte
do mundo.
O Programa In Focus sobre a Promoção da
Declaração e o Programa Internacional para a
Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) reuniram
forças para elaborar um projeto que adota uma
estratégia integrada com vistas aos problemas que
enfrentam pessoas extremamente pobres do Nepal
Ocidental, região onde ocorre trabalho em servidão.
O projeto, a ser executado pelo Governo, por
organizações de empregadores e de trabalhadores
e também por ONGs, ressalta a construção de
Quadro 6.3
Projeto da OIT para a eliminação sustentável do trabalho em servidão no Nepal
capacidade; apoio a uma efetiva adoção de salários
mínimos na agricultura; conscientização sobre os
direitos; assistência para reintegrar famílias
kamaiyas em suas comunidades; e educação e
formação, tanto formal como informal. O projeto,
um dos muitos financiado pelos Estados Unidos,
operará em estreita relação com um projeto subregional
da Unidade de Financiamento Social da OIT
de combate à servidão por dívida, por meio de
planos de microfinanciamento.
Projeto da OIT
apóia esforços
do Governo
61 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
131. Ao contrário de situações em que os governos reconhecem a existência
de diversas formas de trabalho forçado e procuram combatê-las, alguns países
rejeitam simplesmente a própria idéia da existência do problema. Esta maneira
de ver coincide muitas vezes com a exigência de trabalho forçado por parte dos
militares e de autoridades correlatas, como aconteceu, por exemplo, na
Guatemala, na década dos 80, e, como antigamente, nos regimes coloniais.
Atualmente, um caso extremo de trabalho forçado diz respeito a Myanmar,
onde a grave e generalizada incidência do trabalho forçado levou a OIT a
tomar uma medida sem precedente, com base no artigo 33 de sua Constituição.
132. A Conferência Internacional do Trabalho e o Conselho de Administração
da OIT recomendaram à OIT:
n manter essa questão em exame até que Myanmar cumpra as obrigações
contraídas por força da Convenção 29, ratificada pelo país;
n instruir governos e organizações de empregadores e trabalhadores para
rever suas relações com Myanmar e adotar medidas oportunas para que
essas relações não contribuam para perpetuar ou ampliar o sistema de
trabalho forçado ou compulsório do país;
n pedir a organizações internacionais que reconsiderem toda cooperação
eventualmente estabelecida com esse país e, se conveniente, pôr fim, o
mais rapidamente possível, a toda atividade que possa, direta ou
indiretamente, favorecer práticas de trabalho forçado;
n solicitar ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas
que inclua na ordem do dia de sua reunião de julho de 2001 a questão
relativa ao descumprimento, por parte de Mianmar, de suas decisões
anteriores;
n apresentar, em intervalos oportunos, relatório dos resultados dessas medidas
e manter informadas outras organizações internacionais86.
7. Um caso extremo: trabalho
forçado imposto por militares
Medidas
enérgicas num
caso extremo
A Conferência
Internacional do
Trabalho e o
Conselho de
Administração
mantêm este
problema em
exame
permanente
86 Conselho de Administração, 27ª Reunião (2000), documentos GB.279/6/1 (Ver.1), GB 279/
6/1 (Add.3) e GB. 279/6/2.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 62
133. A situação em Myanmar tem sido exaustivamente examinada pelos órgãos
de supervisão da OIT, por uma Comissão de Inquérito, pela Conferência
Internacional do Trabalho e pelo Conselho de Administração da Organização87;
não será, portanto, aqui reexaminada. Não obstante, merecem ser destacados
alguns aspectos dessas práticas de trabalho forçado, na medida em que
contribuem para o “quadro global”. Elas oferecem algumas lições com relação
à prestação de assistência para a erradicação de todas as formas de trabalho
forçado ou compulsório.
134. A Comissão de Inquérito da OIT encontrou muitos indícios do uso
generalizado de trabalho forçado imposto à população civil por parte das
autoridades de militares em Myanmar. O trabalho forçado tem sido utilizado
no transporte de carga, na construção e manutenção de acampamentos militares;
em outras tarefas de apoio aos militares; no trabalho na agricultura e na
exploração florestal, assim como em outros projetos de produção empreendidos
por autoridades ou por militares; na construção e manutenção de rodovias e de
estradas de ferro; em outras e várias atividades de infra-estrutura e outras
diversas tarefas88. O trabalho forçado tem sido, às vezes, imposto em benefício
de interesses privados.
135. O trabalho forçado em Myanmar impede que os agricultores atendam às
necessidades de suas famílias, e as crianças de irem à escola. Essa situação recai
muito mais gravemente sobre os diaristas sem terra e os setores mais pobres da
população. O trabalho forçado é realizado em grande parte por mulheres,
crianças e idosos, como também por pessoas incapacitadas para o trabalho. A
carga de trabalho forçado parece também muito pesada especialmente no caso
de grupos étnicos não birmaneses, sobretudo em áreas onde é forte a presença
militar, e para a minoria muçulmana89.
136. As principais recomendações da Comissão de Inquérito da OIT foram:
a) compatibilizar, sem demora, os textos legislativos pertinentes à Convenção
29, de 1930, sobre o trabalho forçado; b) que as autoridades e, particularmente
os militares, já não impomham trabalho forçado ou compulsório; e c) rigorosa
O trabalho
forçado onera a
população
O que
recomendou a
Comissão de
Inquérito
87 Em decorrência de uma queixa apresentada por delegados dos trabalhadores à 83ª· Reunião
da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1996, foi criada, em março de 1997,
uma Comissão de Inquérito, com base no artigo 26 da Constituição. O relatório dessa Comissão
oferece extensa documentação de casos de trabalho forçado e do contexto em que se produziram.
Relatórios subsequentes do Diretor-Geral, sobre medidas desde então adotadas pelo Governo
de Mianmar, por força das recomendações da Comissão de Inquérito, indicavam que os problemas
de trabalho forçado continuavam extremamente graves em 2000.
88 OIT: “Measures recommended by the Governing Body under article 33 of the Constitution
– Implementation of recommendations contained in the report of the Comission of Inquiry
entitled Forced Labour in Myanmar (Burma), na Conferência Internacional do Trabalho, 88ª sessão,
Genebra, 2000, Provisional Record nº 4, p.4/2.
89 Em maio de 1999, a Confederação Mundial do Trabalho publicou uma nota procedente de
uma organização não governamental observando que, embora o trabalho forçado tivesse
diminuindo na região central de Mianmar, registrava-se ainda sua existência, em grande escala,
nos sete estados de minoria étnica em torno da planície central birmanesa. As tropas que vão
em busca de trabalhadores entram em contato com o chefe da aldeia, que costuma organizar
um sistema rotativo pelo qual cada família é obrigada a fornecer uma pessoa para trabalhar
num projeto.
63 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
aplicação das sanções a serem impostas, em virtude do Código Penal, a quem
exigir trabalho forçado ou compulsório90.
137. Além da OIT, as Nações Unidas também classificaram o trabalho forçado
em Myanmar como grave violação dos direitos humanos internacionalmente
reconhecidos. Vários relatores especiais, nomeados pela Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, têm também documentado, desde 1992, casos
de graves violações dos direitos humanos cometidas, segundo consta, pelas
forças armadas de Myanmar, sobretudo no recrutamento forçado de soldados
e trabalhadores. No ano de 2000, a Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas deplorava o uso contínuo e generalizado de trabalhadores forçados em
projetos de infra-estrutura, na produção de alimentos para militares e como
carregadores para o exército, assim como o tráfico e recrutamento de crianças
para programas de trabalho forçado91. Em 1999, a preocupação da OIT com
esse problema levou outras organizações, entre elas o Banco Mundial e o
Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
a prestar informações com relação à persistência do trabalho forçado em Mianmar.
138. As questões do trabalho forçado em Myanmar podem ser divididas em
duas categorias: questões referentes a leis e questões da continuação da prática.
O problema mais grave com relação à legislação é a manutenção da Lei de
Aldeias (1907) e da Lei de Cidades (1907), ambas de origem colonial que
contemplam o recrutamento da mão-de-obra em termos amplos. Embora essas
leis, já antiquadas, tenham sido consideradas obsoletas92, a recente experiência
em Myanmar mostra claramente a importância de sua derrogação.
139. Na prática, os problemas podem ser mais difíceis de resolver. A situação
em Myanmar pode envolver o exame de alguns fatores estruturais que favorecem
a existência do trabalho forçado, entre os quais uma longa tradição de
marginalização étnica e a revisão de uma mentalidade cultural que leva as
comunidades tradicionais a considerar fato normal a obrigação de se colaborar
gratuitamente em determinados trabalhos. Uma solução adequada do problema
deverá levar em conta fatores como esses. Mas não há possibilidade de se
enfrentar o problema do trabalho forçado com programas específicos e
centrados em assistência técnica enquanto o Governo não demonstrar firme
vontade política de erradicar uma prática generalizada e de investigar e punir
severamente a imposição de trabalho forçado por seus próprios funcionários.
140. O Governo de Myanmar rejeitou durante muito tempo a caracterização
dessas atividades como trabalho forçado, embora essas práticas estivessem em
Violações dos
direitos
humanos
Necessidade de
derrogar leis
antiquadas
Os problemas
mais espinhosos
continuam na
prática
90 OIT: Forced Labour in Myanmar (Burma), Relatório da Comissão de Inquérito, designada com
base no artigo 26 da Constituição da OIT, para examinar a observância, por Myanmar, da
Convenção 29 de 1930, Official Bulletin, Vol. LXXXI (Genebra, 1998), Série B, também disponível
em http://www.ilo/public/english/standards/rel/gb/docs/gb273/Myanmar.html
91 Nações Unidas: United Nations Commission on Human Rigits, resolution 2000/23: Situation of
human rights in Myanmar, 56ª Sessão, Nova Iorque, 2000.
92 Sucessivos governos declararam que, embora disposições de antigas normas coloniais
estivessem ainda em vigor, as autoridades a que se referem já não exercem os poderes nelas
contemplados. Já na década de 1970 as autoridades informavam que uma nova legislação do
trabalho estava sendo preparada para substituir a legislação sobre trabalho forçado.
Ponto de vista
do Governo e
medidas
recentes
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 64
uso por longo período no país, enfatizando, em vez, seus programas de
desenvolvimento socioeconômico e de infra-estruturas em diversas partes do
país93. Entretanto, recebeu uma missão de cooperação técnica em outubro de
2000 e, mais tarde, adotou novas normas e diretrizes e ressaltou outras medidas
administrativas contra o trabalho forçado94. A questão agora é saber se o
Governo, apesar da explícita posição de não cooperação95com a OIT, em
decorrência da entrada em vigor das medidas adotadas com base no artigo 33,
aceitará uma avaliação objetiva da aplicação prática e do real impacto dessas
medidas, o que só a OIT está em condições de fazer.
93 Por exemplo, em correspondência reproduzida em OIT: Provisional Record nº 4, 88ª Sessão, op.
cit.
94 Ver o documento sobre a posição da delegação de Myanmar, reproduzido em Dec. GB 279/
6/1 (Add.5) do Conselho de Administração.
95 Embora tenha ratificado a Convenção 29, Myanmar não ratificou a Convenção 105 e, por
conseguinte, precisa enviar relatórios sobre os esforços que está fazendo com relação ao
seguimento da Declaração. Nenhum relatório tinha sido recebido até 1º de janeiro de 2001,
correspondente ao primeiro ou segundo período do seguimento da Declaração.
65 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
141. O fenômeno geral do tráfico de pessoas (problema cada vez mais
alarmante) assume muitas vezes aspectos de trabalho forçado. Afeta homens e
meninos, mas sobretudo mulheres e moças. Atinge tanto os países ricos como
os pobres. É um fenômeno verdadeiramente global. Os pontos de origem podem
ser os países mais pobres e, em geral, as zonas rurais mais desfavorecidas
desses países. As principais destinações costumam ser os centros urbanos dos
países mais ricos – Amsterdã, Bruxelas, Londres, Nova Iorque, Roma, Sidnei,
Tóquio – e as capitais de países em desenvolvimento e em transição. Mas a
movimentação de pessoas traficadas é muito complexa e variada. Países tão
diferentes como Albânia, Hungria, Nigéria e Tailândia podem funcionar
como pontos de origem, de destinação e de trânsito ao mesmo tempo.
142. Embora os meios de comunicação dispensem muita atenção ao tráfico
com objetivos sexuais, há pessoas vítimas do tráfico para outros fins, que podem
envolver trabalho forçado. A recente movimentação de trabalhadores agrícolas
haitianos para a República Dominicana foi um exemplo típico de tráfico
internacional de mão-de-obra. Semelhante coerção, envolvendo trabalhadores
agrícolas migrantes, tem sido detectada em muitos continentes. Trabalhadores
domésticos, operários de fábricas e, sobretudo, os que trabalham no setor
informal, podem tornar-se vítimas desse fenômeno. Embora sua causa principal
esteja em fatores econômicos, a luta contra o tráfico exigirá uma gama de
instrumentos. O tráfico de seres humanos é um ultraje moral, mas as sanções
penais que lhe são impostas costumam ser menos rigorosas que as do tráfico
de drogas96.
143. Até há pouco, não se tinha chegado a uma definição consensual do tráfico
de pessoas, definição muito útil a uma ação internacional mais eficaz. Os termos
8. Trabalho forçado com relação
ao tráfico de pessoas: o outro
lado da globalização
Tráfico de
pessoas:
problema
mundial
96 Interpol: Segunda Conferência Internacional sobre Tráfico de Mulheres e Imigração Ilegal,
Lion, 28-30 de novembro de 2000.
As Nações
Unidas chegam a
uma definição
internacional em
novembro de
2000
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 66
do Protocolo para Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas,
Especialmente de Mulheres e Crianças, que complementa a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional97, aberta às assinaturas
em dezembro de 2000, assim define o “tráfico de pessoas” em seu artigo 3º
alínea (a):
... recrutamento, transporte, traslado, abrigo ou receptação de pessoas
por meio de ameaça ou uso da força ou de outras formas de coerção,
rapto, fraude, trapaça, abuso de poder ou da situação de vulnerabilidade
ou de fazer ou receber pagamentos ou benefícios para conseguir o
consentimento de pessoa que tenha controle sobre outra, para fins de
exploração.
144. O Protocolo especifica ainda que essa “exploração” inclui outros
elementos: “trabalhos ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à
escravidão” (artigo 3º, a). Acrescenta, em seguida, que o consentimento de
vítima adulta do tráfico será irrelevante, quando se tiver recorrido a qualquer
dos meios citados na definição. No caso de menor de 18 anos, o próprio
recrutamento, transporte, traslado, abrigo ou receptação de uma criança para
fins de exploração será considerado “tráfico de pessoas”. Durante as sessões
preparatórias, a preocupação das Nações Unidas, da OIT e de outras organizações
internacionais era no sentido de que a própria definição de tráfico fizesse referência
a seus elementos coercitivos, entre eles o trabalho forçado, a servidão por dívida
e práticas análogas à escravidão.
145. O tráfico de pessoas é às vezes muito complexo e requer um exame “não
só da maneira como um migrante entrou no país, mas também de suas condições
de trabalho, e se o migrante consentiu com a entrada irregular e/ou com essas
condições de trabalho. O tráfico e as formas mais voluntárias de migração
irregular devem ser consideradas como um contínuo, com espaço suficiente
para uma considerável variação entre os extremos”98. Parte do problema está
em saber se o tráfico de pessoas deve ser considerado como forma de migração
ilegal, uma vez que implica medidas contra o tráfico. Em termos práticos, os
traficantes acabam usando pessoas para gerar renda com o trabalho forçado
que lhes é imposto.
146. Como funciona o tráfico de pessoas? Em sua forma mais simples, envolve
a movimentação de pessoas para a execução de um trabalho e mais
provavelmente para engajá-las em atividades ou empregos ilegais a serem
exercidos em condições de trabalho que contrariam normas estabelecidas. Requer
um agente, recrutador ou transportador, que, com toda probabilidade, tirará
vantagens dessa intervenção.
147. A coerção pode não ser evidente no início do processo ou ciclo do tráfico.
A pessoa pode entrar em acordo com o agente recrutador, de uma maneira
aparentemente voluntária, embora muitas vezes sem ter recebido informação
A exploração
inclui trabalho
forçado
Os mecanismos
do tráfico
97 Nenhum desses instrumentos está em vigor; antes dele, o principal tratado internacional era
a Convenção sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição Alheia,
adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1949, instrumento de âmbito muito mais
limitado.
98 J.Salt e J.Hogarth: Migrant trafficking and human smuggling in Europe.A review of the evidence
(Genebra, IOM, 2000).
67 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
completa. Mas no lugar de destinação, as condições costumam envolver coerções,
inclusive restrições físicas à liberdade de movimento, abuso, violência e fraude,
muitas vezes na forma de não pagamento de salários prometidos. As vítimas se
vêem em geral envolvidas em servidão por dívida e em outras condições análogas
à escravidão.
148. De fato, grande parte do tráfico do trabalho pode ser considerada como
forma contemporânea de servidão por dívida. Não se trata aqui de trabalho em
regime de servidão a que já aludimos no início, derivada da tradicional servidão
na agricultura, e que passa de geração em geração. A servidão por dívida pode
ser de duração muito mais curta. Sua principal motivação é tirar proveito por
diversos métodos, que vão desde a prestação de serviços ilícitos – como a
falsificação de documentos – ao uso criminoso e direto da força.
149. Um combate mais eficaz aos aspectos do trabalho forçado no tráfico de
pessoas exige:
n Primeiro, maior compreensão de como reconhecer o fenômeno, para
preparar o caminho para políticas, leis e programas de ação mais eficazes
em todo o mundo;
n Segundo, compreender a natureza e a dimensão dos problemas. Quais são
as rotas principais do tráfico, dentro e através das fronteiras? Quando são
modificadas (e costumam mudar rapidamente) e com que instituições
negociam? Qual é o perfil comum de pessoas traficadas, classificadas por
sexo, idade, origem social, raça e etnia?
n Terceiro, exame das causas e dos efeitos. Que espécies de pesquisa foram
feitas de fatores sociais e econômicos que estão por trás do aumento do
tráfico de pessoas?
n Quarto, divulgação das medidas que estão sendo adotadas por governos,
interlocutores sociais, organizações internacionais, grupos religiosos e outros
para tratar dos aspectos do trabalho forçado no tráfico de pessoas.
Tráfico e trabalho forçado:
aspectos demográficos e de gênero
150. É importante saber que grupos da população são os mais afetados pelo
tráfico de pessoas para trabalho forçado, e como são afetados. Quais são as
experiências de homens? Mulheres? Meninos? Meninas? Os setores mais pobres
da sociedade são sempre os mais afetados. Os problemas estão especialmente
concentrados em áreas especificas ou entre determinados grupos étnicos ou
raciais?
151. Informações casuais, estudos de caso aleatórios e notícias na imprensa
mostram que as mulheres e as crianças são os grupos mais afetados e que a
Ásia e a Europa Central e Oriental são as regiões geográficas em que é mais
visível a dimensão do trabalho forçado no tráfico de pessoas. Mas é também
um problema cada vez maior na África e nas Américas.
152. Um ponto de vista aceito, em geral, sustenta que a “feminização do
trabalho forçado e do tráfico de pessoas” anda junto com a “feminização da
Medidas a tomar
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 68
migração”. Apesar disso, na prática, são muito poucos os estudos de caso sobre
qualquer tipo de tráfico e, em geral, são levantamentos em escala muito reduzida
e sem metodologia uniforme. Na Ásia, os mais recentes desses levantamentos
em pequena escala destacam, muitas vezes, a natureza “voluntária” do tráfico
em seus estágios iniciais, quando jovens podem ir em busca dos serviços de
um “traficante”99. Outros estudos desse tráfico têm lamentado a falta de atenção
para o fenômeno em setores como o serviço doméstico, o trabalho industrial
não regulamentado, a agricultura e a economia informal. Na Ásia, os estudos
têm-se concentrado deliberadamente no setor do comércio do sexo.
153. Num levantamento em pequena escala, em diferentes localidades ao longo
das fronteiras da Tailândia com a República Democrática Popular do Laos
e Myanmar100, coerção, tráfico e venda de menores haviam ocorrido com muita
freqüência nos casos de recrutamento direto nas aldeias. As entrevistas revelaram
vários casos de condições análogas à escravidão, inclusive de alguns (mas não
todos) estabelecimentos na indústria do sexo, em que as jovens eram mantidas
em regime de servidão por dívida até o pagamento de uma determinada soma.
O estudo mostrou também situações de trabalho doméstico nas quais os menores
nunca eram remunerados e não podiam ir-se embora. O estudo concluía que o
processo de tráfico em si não era geralmente explorador, e que um processo
voluntário de migração de mão-de-obra, organizado por famílias, amigos ou
pelas próprias crianças, era aparentemente mais usual. Todavia, outros estudos
têm insistido nos elementos coercitivos do tráfico, com um forte elemento de
servidão por dívida contraída com as despesas de viagem, ficando todos os
cálculos do reembolso a critério do empregador.
154. Pesquisa realizada em aldeias pobres do Nepal verificou que pais e outros
familiares podem chegar a tamanho desespero que vendem seus próprios filhos
a intermediários. Os traficantes podem manter ligações com informantes das
cidades de destino por meio de intermediários, e entre seus cúmplices podem
estar parentes e amigos e líderes políticos101. A polícia do Nepal, preocupada
com o aumento do tráfico, está participando de programas de conscientização,
juntamente com a OIT, o UNICEF, o UNIFEM, dentre outras organizações.
155. Na África há poucos dados sobre o tráfico na região, mas se sabe que
jovens africanas têm sido amplamente traficadas para o comércio europeu do
sexo. Nos meados da década de 1990, produziu-se uma onda de tráfico da
África Ocidental, particularmente de Gana e da Nigéria, para a Itália, Países
Alarmantes
modalidades de
recrutamento na
Ásia
99 Tem-se observado, por exemplo, no Sudoeste da Ásia, que o percentual de moças traficadas
para a prostituição forçada está diminuindo, enquanto cresce o número das que entram
voluntariamente na prostituição , em parte por ignorância da natureza precisa, dos perigos e da
reprovação social que traz consigo essa atividade. K.Archavanatikul: Trafficking in children for
labour exploitation including child prostitution in the Mekong sub-region (Bangcoc, julho de 1998).
100 C. Wille: Trafficking in children into the worst forms of child labour in Tailand, Centro Asiático de
Pesquisa em Migração e Instituto de Estudos Asiáticos, Chulalongkorn University (trata-se
apenas de um primeiro projeto, 2000).
101 Ver National plan of action against trafficking and their commercial sexual exploitation, Ministério da
Mulher e do Bem-Estar Social em colaboração com o Programa IPEC da OIT (Katmandu,
1998).
69 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Baixos e outros países europeus. Há também registro de tráfico de mulheres
de Mahgreb e de países subsaarianos para a França102.
156. A natureza e a composição do tráfico dentro da África pareceriam,
entretanto, diferentes. A própria pesquisa da OIT, realizada sob os auspícios do
IPEC, concentra-se inevitavelmente em crianças, mas suas recentes conclusões
referentes à região da África Ocidental podem lançar alguma luz sobre as
dimensões mais amplas do tráfico dentro da África103. Os tipos de tráfico
identificados na África Ocidental compreendem rapto, colocação à venda,
colocação em regime de servidão, colocação em troca de um sinal em dinheiro,
colocação em serviço e a colocação como forma de apropriação. Além disso, há
casos de tráfico de crianças com relação a conflitos armados.
157. Na África, jovens costumam ser traficados para trabalharem em
plantações agrícolas, enquanto meninas são destinadas ao serviço doméstico.
Todavia, encontram-se também jovens de ambos os sexos em outras atividades,
como o comércio de rua, serviços de restaurante e na prostituição. A Côte d’
Ivoire estabeleceu a existência de uma relação entre trabalho infantil urbano e
o tráfico de pessoas entre fronteiras104.
158. Quando se investiga o trabalho forçado em relação ao tráfico de crianças,
é difícil estabelecer uma clara distinção entre “colocação cultural” e colocação
com vista à exploração do trabalho. Seguindo uma imemorial tradição cultural
africana, é costume deixar as crianças aos cuidados de membros da família que
vivem em melhores condições econômicas. Mas, embora esse modelo tradicional
continue em vigor, hoje em dia é maior o número de crianças sujeitas à
exploração por razões meramente econômicas.
O comércio do sexo domina o tráfico na Europa
159. Na Europa, embora grande parte da recente atenção dos meios de
comunicação se concentre na prostituição feminina, um estudo recente indica
que o maior número de vítimas é do sexo masculino105. Mais de 80 por cento
dos migrantes traficados para a Ucrânia eram do sexo masculino – na sua
maioria na faixa etária entre 20 e 40 anos. Na Polônia, a proporção masculina
chegava a 91 por cento, dos quais 62 por cento estavam na casa dos 20 anos. Os
procedentes de Belarússia, da Federação Russa e da Ucrânia eram mais
velhos e os dos países árabes mais jovens. Um estudo concluiu que foram
traficados para a Polônia mais migrantes do sexo feminino do que masculino,
procedentes de países da CEI e de outras partes da Europa, enquanto o contrário
ocorreu com migrantes vindos do Oriente Médio, do Extremo Oriente e da
África106. Todavia, são evidentes os problemas com dados dessa espécie.
Admitem os autores que os dados não são exatamente comparáveis, uma vez
As diferentes
dimensões do
tráfico na África
102 Salt e Hogarth, op. cit.
103 D. Verbeet: Combating the trafficking in children for labour exploitation in West and Central Africa ,
relatório sintético do programa IPEC da OIT, Abidjan, julho de 2000 (inédito).
104 Verbeet, op.cit., informações procedentes do Governo da Côte d’Ivoire.
105 Salt e Hogarth, op.cit.
106 Ibid.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 70
que, com referência a alguns países, eles dizem mais respeito a cruzamentos
ilegais de fronteiras do que a migrantes especificamente traficados. As
estatísticas na Bélgica e na Alemanha, por exemplo, tendem mais em geral
para imigrantes ilegais, sem qualquer indicação de envolvimento de traficantes.
160. Como na Ásia, grande parte da evidência de tráfico coercitivo na Europa
diz respeito a mulheres no setor do sexo, refletindo talvez o fato de ter-se a
pesquisa concentrado nessa área. Um recente relatório sobre o tráfico na Bósnia
e Herzegovínia107 verificou que esse país vem surgindo como significativo
ponto de destinação de mulheres traficadas de países da Europa Oriental
(especialmente da República da Moldávia, da Romênia e da Ucrânia).
Embora a participação de adultos no comércio do sexo parecesse às vezes
voluntária, a pesquisa documentou casos de mulheres com passaportes retidos
e que não recebiam nenhum pagamento por seus serviços. De acordo com o
IOM, muitas mulheres eram “vendidas e compradas” várias vezes, por preços
que variavam de 500 a 1.500 euros. Além disso, embora todos os casos registrados
estivessem relacionados com a prostituição forçada, observou-se, em geral,
que a “plena extensão do problema estava ainda por ser identificada” e que
“outros tipos de trabalho forçado ou de servidão por dívida permaneciam ocultos
em áreas sombrias” da economia108. Na região de Kosovo, da República
Federal da Iugoslávia, surgiram preocupações com o tráfico para fins sexuais
na esteira do conflito armado e da concentração de tropas e do desajuste
econômico que implicam esses conflitos. O IOM soou o alarme sobre o tráfico
para fins de exploração sexual na região dos Bálcãs. Ali, como em outras partes,
a natureza lucrativa da atividade é uma crescente atração para as redes do crime
organizado.
161. O tráfico na Europa envolve movimentações de “Leste para Leste” e
“Leste para Oeste”, com países de economias mais fortes (principalmente
Hungria, República Tcheca e Polônia) tornando-se países de destinação
para outros menos prósperos da região. Países como esses podem funcionar
como pontos de trânsito para a Europa Ocidental ou para a América do Norte.
Preocupações com o problema levaram a Hungria a tomar a importante iniciativa
de apenar o tráfico de pessoas como crime, em seu próprio direito, e como
violação da liberdade e da dignidade pessoal109. Também em Israel tem ocorrido
um fluxo de mulheres trazidas ilegalmente por redes de traficantes de países da
CEI, da Europa Oriental e de países em desenvolvimento (especialmente da
África Central e Austral) para trabalharem em bordéis e serviços de
acompanhante. Mesmo aquelas que sabiam que acabariam trabalhando como
prostitutas não imaginavam as terríveis condições a que estariam sujeitas ou o
ciclo de servidão por dívida em que se envolveriam. Pouca pesquisa parece,
todavia, ter sido feita sobre as condições do mercado de trabalho que geram
ambiente fértil para esses abusos, ou sobre como a dimensão da redução de
Movimentação é
Leste-Leste e
Leste-Oeste
107 Trafficking in human beings in Bosnia and Herzegovínia, relatório sintético do Projeto Conjunto
de Tráfico da Missão das Nações Unidas em Bósnia-Herzegóvina e o Escritório do Alto
Comissariado para os Direitos Humanos, maio de 2000.
108 Ibid.
109 L. Fehér: Legal study on the combat of trafficking in women for the purpose of forced prostitution in
Hungary, relatório do País (Viena, Boltzman Institute, 1999), p. 36.
71 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
oportunidades de emprego legal, especialmente entre mulheres, tem funcionado
como fator favorável ao tráfico europeu110.
162. O fenômeno do tráfico para fins sexuais é também por demais conhecido
na Europa Ocidental. No Reino Unido, por exemplo, recente relatório
encomendado pelo Home Office enfocou especificamente o tráfico de mulheres
para exploração sexual111. Geralmente, as mulheres entram no país apresentandose
com variações de documentação legal e ilegal. Ao chegarem a seu destino, os
documentos falsos são recolhidos pelo traficante e o passaporte da mulher é
invariavelmente entregue à pessoa a que está agora sujeita por dívida e que
“pagou” por ela. Embora os adiantamentos possam teoricamente ser quitados
num período de três meses, o período da dívida pode ser ampliado. A realidade
para a maioria das mulheres traficadas é que “têm sorte quando recebem
qualquer parte do dinheiro que ganharam, mas é praticamente impossível ganhar
o suficiente para pagar a dívida exorbitante e sempre crescente.
163. Nas Américas, a maioria das pesquisas sobre tráfico tem-se concentrado
nos Estados Unidos e, mais uma vez, amplamente no setor do sexo. Mas se
tem dispensado também atenção às formas abusivas e coercitivas do tráfico em
outros setores, inclusive a pequena indústria e a agricultura. Estudo realizado
para o Governo112, sobre várias operações “ilustrativas do tráfico e de
escravidão”, nos últimos oito anos, envolvendo exploração do trabalho
clandestino, trabalho agrícola, servidão doméstica e outras formas de trabalho
forçado, concluiu que essas operações continuavam sendo ignoradas ou puderam
subsistir por mais tempo que operações de tráfico que envolvem a indústria do
sexo.
164. Comentários a propósito da Lei de Proteção de Vítimas da Violência e
do Tráfico, de 2000, recentemente promulgada nos Estados Unidos, estimavam
que 50.000 mulheres e crianças eram traficadas todo ano para esse país. Tem
havido relatórios de tráfico em pelo menos 20 estados, com a maioria das
ocorrências na Califórnia, Flórida e Nova Iorque. Os países identificados como
principais fornecedores são a China, a República Tcheca, o México, a
Federação Russa, a Tailândia, a Ucrânia e o Vietnã. Mulheres têm sido
também traficadas do Brasil, Honduras, Hungria, República da Coréia,
Látvia, Malásia, Filipinas e Polônia, entre outros países. As mulheres têm
Operações
clandestinas
põem desafios
nas Américas
110 Com o nível de educação nessa região, geralmente elevado, inclusive entre as mulheres, é de
se esperar que o perfil das pessoas traficadas deve diferir consideravelmente do perfil das que
costumam vir de países em desenvolvimento; todavia, a situação final em que se encontram em
geral é a mesma: ficam virtualmente sem ação nas mãos de seus exploradores.
111 L.Kelly e L.Regan: Stopping traffic: Exploring the extent of, and responses, trafficking in women for
sexual exploitation in the UK, Série de Pesquisa Policial, Documento 125, Unidade de Policiamento
e Redução do Crime, Home Office, Reino Unido, maio de 2000. Um estudo exploratório,
baseado num levantamento da polícia, identificou 71 mulheres conhecidas como tendo sido
traficadas para a prostituição no Reino Unido em 1998. Fala-se de um “problema de tráfico
oculto” várias vezes maior do que pode ser documentado com segurança, e que pode ter sido
de 142 a 1420 o número de mulheres traficadas para o Reino Unido no mesmo período.
112 ªºRichard: International trafficking in women to the United States: A contemporary manifestation of
slavery and organized crime, Centro de Estudo de Inteligência (abril, 2000), baseado em fontes
oficiais.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 72
sido traficadas principalmente para a indústria do sexo, embora também sejam
destinadas a serviços em hotéis, ao comércio ambulante nas estações de metrôs
e ônibus, a trabalhos em oficinas clandestinas e à mendicância. A idade média
dessas mulheres é de aproximadamente 20 anos.
165. Embora a América Latina certamente não tenha sido poupada do tráfico
de mão-de-obra para fins ilícitos, os dados são escassos. Um estudo recente
sugere um sistema muito conhecido: falsas promessas de trabalho no exterior
em emprego legal, pagamento das despesas de viagem, que a seguir se
transformam em dívida, prostituição forçada, ameaças e violência contra as
vítimas e suas famílias no país de origem, cativeiro e confisco de documentos.
Os países identificados como os mais afetados incluem o Brasil, a Colômbia,
a República Dominicana e o Equador113, mas o fenômeno parece estar em
escala muito mais limitada do que em outras regiões. Além do comércio do
sexo, ocorre, naturalmente, o uso de crianças como mão-de-obra forçada no
tráfico de drogas – prática generalizada na América do Norte e do Sul e que
constitui uma das piores formas de trabalho infantil. Outra forma mais oculta
do tráfico, que termina em situações de trabalho forçado, envolve o trabalho
em residências. Trabalhadores domésticos podem ser recrutados por intermédio
de pessoas que tem relação direta com o lugar de origem e com a família; o
IPEC está investigando sistemas de recrutamento para trabalho doméstico, do
campo para a cidade, envolvendo crianças na América Latina. Outro tipo de
tráfico entre fronteiras, que tem envolvido trabalho forçado na região, já foi
ilustrado no caso do Haiti e da República Dominicana.
166. Em suma, embora o tráfico relativo ao trabalho forçado possa assumir
diferentes formas, o fenômeno é universal. Pessoas são atraídas por falsas
promessas de empregos legais em restaurantes, bares, boates, fábricas, plantações
e residências; todavia, uma vez no emprego e isoladas, podem acabar
descobrindo que sua liberdade foi seriamente restringida. Seus passaportes ou
documentos de viagem foram tomados; sua movimentação é restrita e seus
salários retidos até que o débito pelo transporte, cujo valor é estabelecido a
critério do traficante, tenha sido pago. E como os traficantes podem revender
as dívidas de uma mulher para outros traficantes ou empregadores, as vítimas
podem ver-se envolvidas num ciclo de perpétua servidão por dívida. Além
disso, os trabalhadores podem ser impedidos de sair, por guardas de segurança,
violência, ameaças e retenção de seus documentos.
Quais são as causas do tráfico?
167. Um exame completo dos fatores econômicos, sociais e culturais por trás
do aumento do tráfico de mão-de-obra exigiria um estudo à parte, que incluisse
no mínimo a pobreza e o endividamento, geralmente de trabalhadores rurais e
suas famílias; analfabetismo e baixos níveis de educação, que dificultam um
emprego decente; discriminação no mercado de trabalho com base no gênero,
causando acesso desigual de mulheres a um emprego remunerador, e mesmo
Do trabalho
doméstico ao
tráfico de drogas
Nenhuma região
é poupada do
flagelo do tráfico
113 Interpol: Project Gray Route (Lião, 2000).

NÃO AO TRABALHO FORÇADO 74
dependentes. Os países fornecedores têm sido principalmente a Indonésia116,
as Filipinas, Sri Lanka e Tailândia – e recentemente também a China, a
República Democrática Popular do Laos e Myanmar – com países
recebedores que incluem os Estados do Conselho de Cooperação do Golfo,
especialmente o Kuwait e a Arábia Saudita; Brunei Darussalem, a Região
Administrativa Especial de Hong Kong, China, Japão, Malásia e Singapura.
173. Quando se consideram fluxos ilegais ou não documentados, tanto o
número como a proporção de mulheres podem ser mais altos. Estima-se que
trabalhadores sem documentos vindos da Indonésia e contratados no exterior
são sete vezes mais numerosos do que seus correspondentes legais. E se calcula
em apenas 40 por cento o total de pessoas que deixam o Sri Lanka pelos canais
oficiais117. Embora mulheres e homens estejam agora migrando em quantidades
mais ou menos iguais – e o crescimento anual da migração de mulheres tenha
sido maior que a de homens, na maior parte do mundo nos últimos anos – a
tradicional segregação por gênero no mercado de trabalho tende a limitar suas
oportunidades de trabalho a serviços domésticos, diversões, hotéis e restaurantes,
vendas e trabalho de montagem nas fábricas. Na Europa, a crescente feminização
da migração por trabalho, juntamente com as políticas cada vez mais restritivas
de imigração dos países recebedores, tem criado uma diferente demanda de
mercado que está sendo atendida por traficantes.
174. Tanto no âmbito regional como no internacional, o crescente alarme
contra o tráfico tem provocado uma série de reações. Por exemplo, no Conselho
Europeu, o Comitê de Ministros recomendou, em maio de 2000, que seus
estados-membros revissem sua respectiva legislação e prática com vista à
introdução e ampla publicidade de medidas para:
n assegurar proteção dos direitos e interesses das vítimas do tráfico para fins
de exploração sexual;
n dar absoluta prioridade à assistência das vítimas por meio de programas de
reabilitação e proteção contra traficantes;
n prender, processar e punir todos os responsáveis pelo tráfico e evitar o
turismo sexual e atividades que possam conduzir a formas de tráfico;
n considerar o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual no
campo do crime internacional organizado, exigindo assim ação coordenada.
Os estados-membros foram também instados a combater as causas de longo
prazo do tráfico - que o documento reconhecia como “muitas vezes ligadas às
desigualdades entre países economicamente desenvolvidos e países menos
desenvolvidos - principalmente melhorando a situação social e as condições
econômicas da mulher...”118. O Conselho Europeu começou a trabalhar na
Reações ao
tráfico acima do
nível nacional
116 Na Indonésia, por exemplo, mulheres que trabalham no exterior são mais numerosas que os
migrantes do sexo masculino, na proporção de mais de quatro por um em 1998. No Sri Lanka,
havia quase três vezes mais migrantes femininos em 1994 que homens migrantes de trabalho
legal, e cerca de 80 por cento dessas mulheres são empregadas domésticas.
117 L.Lim e N.Oishi: International labour migration of Asian women: Distinctive characteristics and policy
concerns (Genebra, OIT, 1996).
118 Conselho Europeu: Recommendation nº R (2000 of the Committee of Ministers to Member States on
action against trafficking in human being for the purpose of sexual exploitation, 19 de maio de 2000. A
Recomendação convidava também os estados-membros do Conselho Europeu a considerar
75 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
conciliação de instrumentos sobre direitos humanos e imunidade diplomática
em reação a abusos detectados. Os estados-membros da União Européia foram
também instados a harmonizar as definições de crime nesse campo e a ter uma
política uniforme sobre penalidades. Além disso, a Europol, que facilita a
coordenação da atividade de aplicação da lei em toda a Europa, estabeleceu um
procedimento-padrão que permite aos estados-membros ter acesso a seus
serviços na forma de equipes conjuntas que se dedicam à investigação entre
fronteiras e à prisão de traficantes de seres humanos.
175. Há um crescente consenso de que o tráfico de pessoas deve ser tratado
como uma questão urgente de direitos humanos. O Escritório do Alto
Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas baseia seu trabalho
no campo do tráfico em dois princípios fundamentais:
n primeiro, os direitos humanos devem estar no cerne de qualquer estratégia
digna de crédito contra o tráfico;
n segundo, essas estratégias devem ser desenvolvidas e implementadas da
perspectiva daqueles que mais precisam ter seus direitos humanos protegidos
e promovidos.
176. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) pôs
os direitos humanos no centro de seu plano de ação para eliminar todas as
formas de tráfico de mulheres, com base nos compromissos assumidos por
seus estados-membros em 1991119. Muitas iniciativas das Nações Unidas
continuaram a enfatizar mulheres e crianças, principalmente as forçadas ou
enganadas a trabalhar no exterior, em condições abusivas na indústria do sexo.
Todavia, misturar indistintamente mulheres e crianças pode prejudicar a
compreensão de cada um desses problemas.
177. A preocupação jurídica e humanitária com mulheres e crianças vítimas
de conflito armado reforça esse ponto. A ênfase posta na exploração sexual,
embora certamente uma questão de grave preocupação, pode também
obscurecer o tráfico de seres humanos, que leva a situações de trabalho forçado
em outras circunstâncias, como o trabalho em confinamento em unidades
clandestinas de produção, em empresas agrícolas isoladas e mesmo em
residências privadas. A série de medidas políticas da OIT, como normas sobre
processos legítimos de recrutamento e sobre trabalhadores migrantes, põe essas
questões num contexto mais global (ver Anexo 4). Certamente há necessidade
de se atacar mais os problemas socioeconômicos que estão por trás do tráfico
de mão-de-obra para trabalho forçado. Como atividade lucrativa, não é provável
que diminua por si mesma ou seja eliminada sem uma reforçada cooperação
internacional e entre estados.
medidas específicas com relação à pesquisa, conscientização, formação, formas de assistência a
vítimas, cooperação entre autoridades penais e judiciais e outras matérias.
119 OSCE: Proposed action plan 2000 for activities to combat trafficking in human beings (Varsóvia,
1999).
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 76
Reação ao tráfico: medidas nacionais
178. O acervo de atuais iniciativas nacionais ilustra os esforços que estão
sendo envidados para combater o tráfico para fins de trabalho forçado. Onde
há legislação específica sobre tráfico, esta muitas vezes se concentra na
prostituição120. Outro tipo de legislação contempla, de maneira mais geral,
penalidades para contrabando ou exploração de imigrantes. A Lei de Combate
ao Tráfico de Pessoas e à Pornografia Infantil, de 1995, criminaliza a prostituição
forçada na Bélgica e fortalece o mecanismo de apoio à vítima por meio de
centros especiais de acolhimento. Penaliza a cumplicidade no ingresso de um
estrangeiro no país, quando isso envolve uso da violência , da intimidação, da
coerção ou do engodo. Desde a adoção dessa lei, o Governo da Bélgica vem
publicando detalhados relatórios anuais que incluem estatísticas de autoridades
locais sobre investigações de condições de trabalho onde havia suspeita de
trabalho forçado e sobre a nacionalidade de pessoas traficadas.121.
179. Com base na Lei 40, de 27 de março de 1998, a Itália pune, com até 15
anos de prisão, pessoas que contrabandeiam, controlam e exploram imigrantes,
enquanto as vítimas podem ser beneficiadas com assistência social e programas
de integração. Em 1998, os Países Baixos aumentaram a proteção das
testemunhas para favorecer a instauração efetiva de processos contra traficantes.
Com a criação de incentivos para que vítimas do tráfico se apresentem, aumentou
consideravelmente o número de processos contra traficantes. Esses países, e
outros, como a Áustria, dão às mulheres traficadas o direito a um visto
temporário de permanência, enquanto tramita o processo contra os autores
acusados.
180. A Lei de Proteção de Vítimas do Tráfico e da Violência, dos Estados
Unidos, de 2001, oferece também proteção a vítimas de graves formas de
tráfico. Aumenta as penalidades para os traficantes, inclusive a prisão perpétua
por tráfico de crianças para sexo, e dá assistência às vítimas, independentemente
de sua condição de imigração. A lei dispõe também sobre a coleta de dados e
relatórios sobre tráfico nos Estados Unidos e no exterior, assim como sobre a
suspensão de alguma forma de ajuda externa a países que não fazem significativos
esforços para resolver o problema. Preconiza também que o Presidente tome
iniciativas internacionais para aumentar a oportunidade econômica de vítimas
potenciais do tráfico, como meio de evitá-lo . Mesmo antes de sua promulgação,
várias ações tinham sido movidas com sucesso contra traficantes, com base em
outros dispositivos legais.
181. Vários países asiáticos adotaram legislação específica contra traficantes
na década passada. Na China, a Lei Penal de 1997 pune o rapto, compra, venda
e entrega de mulheres e crianças. O Cambodja adotou em 1996 sua Lei sobre
Supressão do Rapto e do Tráfico. Em 1997, o Primeiro Ministro do Vietnã
Países agem
para proteger as
vítimas
Países asiáticos
consideram
fundamental a
punição dos
traficantes
120 O sumário das estratégias européias é tirado de: Combat of trafficking in women for the purpose
of forced prostitution: International standards (Viena, Ludwig Boltzmann Institute of Human Rights,
2000).
121 Ver por exemplo: Service Fédéral d’Information: Lutte contre la traite des êtres humains. Rapport
annuel, 1999 (Bruxelas, Centro para a igualdade de oportuniddes e a luta contra o racismo,
2000).
77 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
baixou uma diretriz de coordenação de medidas para evitar o tráfico por meio
do transporte ilegal de mulheres e crianças para o exterior.
182. A Tailândia adotou uma série de reformas legislativas nos últimos anos,
algumas delas especificamente contra a prostituição infantil. Uma lei concernente
a medidas para evitar e suprimir o tráfico de mulheres e crianças está em vigor
desde novembro de 19971 22. Essa lei visa reforçar operações oficiais para ajudar
as vítimas traficadas na exploração sexual comercial, estendendo sua cobertura
a menores de 18 anos de idade e incluindo programas de reabilitação para as
vítimas. Uma emenda do Código Penal, de 1997, estipula que comete crime
sexual quem busca, atrai ou trafica crianças para a satisfação de outra pessoa123.
O Nepal esboçou uma nova legislação sobre tráfico de pessoas, do mesmo
modo que outros países na Ásia Meridional. Continua, porém, o problema da
inadequada aplicação dessas leis continua. Muitos governos da região estão
agora partindo para planos de ação que incluem componentes de resgate e
reabilitação, assim como medidas preventivas.
183. As Filipinas assumiram importante conduta na proteção de seus
trabalhadores migrantes no exterior contra situações tais como as que envolvem
trabalho forçado. A pedra angular da nova política é a Lei dos Trabalhadores
Migrantes e de Filipinos no Exterior, de 1995. Essa lei estabelece pesadas penas
para o recrutamento ilegal, especifica uma idade mínima para emprego no
exterior e cria serviços oficiais de bem-estar para trabalhadores filipinos
contratados nos países que os recebem.
184. O emprego no exterior tem sido um tópico emotivo e controverso nas
Filipinas, tendo em vista generalizadas alegações de maus-tratos de trabalhadores
domésticos provenientes desse país no Oriente Médio e de trabalhadores de
entretenimento em outras partes do Leste da Ásia. Como em outros países
asiáticos fornecedores, as duas últimas décadas testemunharam uma acentuada
feminização da migração para o exterior. De apenas 12 por cento em 1975, as
trabalhadoras já representavam mais da metade da força de trabalho empregada
no exterior em 1995. Embora a proporção dos registrados como “entretenedores”
e “empregados domésticos” fosse pequena (apenas 1,86 por cento e 13,58 por
cento dos trabalhadores respectivamente, em 1994), tinha crescido
consideravelmente em comparação com anos anteriores. Um relatório oficial
de 1995, publicado pelo Departamento do Trabalho e do Emprego das Filipinas,
registrou que a maioria dos novos contratos, em 1994, era em trabalho classificado
como “ocupações vulneráveis”, com o serviço doméstico (26,4 por cento) e as
diversões (18,17 por cento) respondendo por quase a metade do número total
de novos contratos. Do total, 95 por cento eram mulheres124.
185. Na legislação de 1995, o Estado só permite aos trabalhadores filipinos
emigrarem para países que protejam os direitos dos trabalhadores migrantes.
Um manto de
proteção para
trabalhadores no
exterior
122 Lei de BE 2540, 1997.
123 Lei nº 14 que emenda o Código Penal, de 1997.
124 R. Amjad: Philippines and Indonesia: On the way to a migration transition? Trabalho apresentado
na Conferência sobre a Dinâmica da Migração do Trabalho na Ásia, Universidade de Nihon,
Tóquio, Japão, março de 1996.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 78
Há pesadas penalidades para pessoas culpadas de recrutamento ilegal, inclusive
multas e prisão de, no mínimo, seis anos. Um mecanismo de assistência jurídica
gratuita a vítimas de recrutamento ilegal foi implantado no Departamento do
Trabalho e Emprego e em seus escritórios regionais. O Governo filipino criou
também novos procedimentos para a concessão de alvarás para o funcionamento
de agências privadas de recrutamento; para o credenciamento ou avaliação de
empregadores estrangeiros e para o estabelecimento de padrões mínimos com
base em países e ocupações específicos – principalmente as consideradas como
de maior risco, inclusive trabalho doméstico e diversões125.
186. A maioria dos estados-membros da OIT foi recentemente solicitada a
dar informações sobre medidas tomadas para a proteção das vítimas, o
treinamento de funcionários na aplicação da lei, de funcionários da imigração
e de inspetores do trabalho, para investigações do crime organizado com relação
ao tráfico de pessoas e punição de traficantes126. Os resultados podem trazer
mais esclarecimento sobre a natureza coercitiva de atentados contra o princípio
da eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório. Traficar
para fins de trabalho forçado é, infelizmente, uma indústria em crescimento –
indústria que empregadores, trabalhadores e governos gostariam de ver
desaparecida.
125 M.ª Abrera-Mangahas: “Violence against women migrant workers: A Phillipine reality check”,
em Philippine Labour Review, Manila, vol. XX, nº 2, julho-dezembro, 1996.
126 Report of the Committee of Experts, 89ª Sessão, Genebra, 2001; observações gerais nos termos
da Convenção 29.
79 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
187. As questões fundamentais de coerção, imposição de penas e cassação de
privilégios assumem uma significação inteiramente diferente em situações em
que as pessoas estão privadas de liberdade em virtude de seu encarceramento.
Alguns problemas éticos e políticos mais difíceis referem-se a trabalhos realizados
por presos, uma vez que nem tudo nesse trabalho é trabalho forçado proibido127.
O trabalho realizado em circunstâncias condignas é considerado por
organizações de empregadores como vantajoso para os presos: “pode
desempenhar funções terapêuticas, ajudar a manter habilidades e proporcionar
uma renda mínima para os presos ou capacitá-los a compensar as vítimas de
seus crimes”128. Não obstante, o trabalho penitenciário põe alguns problemas
complexos que, há muito tempo, vêm ocupando os órgãos supervisores da
OIT, fóruns adequados para esse debate. Em vez de se aventurar nessa área,
esta seção do Relatório Global exporá as principais questões levantadas por
governos em seus relatórios anuais de seguimento da Declaração, e as tendências
que apontam.
188. Duas questões muito diferentes receberam atenção nos citados relatórios:
trabalhos na prisão realizados no contexto de várias formas de empresa privada
e trabalho na prisão imposto pelo Estado, por algo que ele caracteriza como
atos anti-sociais. O primeiro caso é uma tendência em crescimento, alimentada
por uma onda geral de entusiasmo pela privatização, enquanto o segundo vem
diminuindo com o declínio do número de regimes que impõem trabalho forçado
como punição da liberdade de expressão. Ambas as tendências fazem parte do
quadro mais dinâmico e global do trabalho forçado na atualidade.
189. Vários países estão cada vez mais recorrendo ao trabalho penitenciário
9. Trabalho forçado penitenciário:
dilemas contemporâneos
Questões éticas
levantadas
127 Ver Convenção 29, artigo 2º (2) (c) e a Convenção 105, Artigo 1º.
128 OIT: Relatório da Comissão sobre Aplicação de Normas, Conferência Internacional do
Trabalho, 86ª Sessão, Genebra, junho de 1998, Provisional Record, nº 18, parágrafo 93 (Declaração
de representantes do Grupo de Empregadores).
Aumentam
formas de
trabalho privado
nas prisões
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 80
privatizado, conforme diferentes acordos, em setores que vão da agricultura e
pecuária à produção de peças de computador e reserva de passagens aéreas.
Esses progressos, que começaram em países desenvolvidos, mas tem-se
estendido a outros, vêm suscitando muita preocupação, que envolve “tanto os
direitos básicos como a competição desleal”129. O alcance do impacto dessas
medidas no livre mercado de trabalho precisa ser ainda medido e analisado,
muito embora a prática esteja longe de ser novidade. E está aumentando, com
a privatização dos serviços carcerários, que agora surgiram no mercado
internacional.
190. O trabalho na prisão pode estar ligado a órgãos privados de muitas
maneiras. Os presos podem trabalhar para um órgão privado como parte de um
sistema de educação ou de formação; podem trabalhar em oficinas na prisão
para produzir artigos que são vendidos a órgãos privados no mercado aberto
ou podem trabalhar fora da prisão para um órgão privado como parte de um
plano de liberdade pré-condicional. Os presos realizam freqüentemente trabalhos
nas prisões, contribuindo para o funcionamento das instalações correcionais
administradas por entidades privadas. Alguns presos trabalham em firmas
privadas fora das prisões, durante o dia, retornando à noite à prisão. Isso tem
levantado questionamentos com relação ao exercício da liberdade sindical130.
Nos Estados Unidos, têm-se realizado feiras de emprego penitenciário em
alguns estados; agências de colocação temporária recrutam às vezes
trabalhadores dentro das prisões – práticas duramente criticadas por
organizações de trabalhadores. Os sindicatos denunciam salários muito baixos
e falta de proteção dos presos, em geral oriundos de grupos minoritários.
191. Pode haver também “joint ventures” e relações de subcontratação
envolvendo autoridades públicas, entidades privadas e os presos. Por exemplo,
o Departamento Penitenciário da Malásia adotou uma nova modalidade de
iniciar planos de “joint venture” com o setor privado para dar emprego a um
crescente número de reclusos; familiarizá-los com a tecnologia moderna para
lhes proporcionar qualificações mais comerciáveis; aumentar a renda financeira
dos reclusos e criar oportunidades de emprego na esperança de colocação após
a soltura. Nesse plano, o Departamento Penitenciário da Malásia põe à disposição
a força de trabalho e oficinas, enquanto as companhias privadas participam
com maquinaria, matérias-primas, tecnologia, comercialização e venda dos
produtos. As firmas participantes respondem pelo aluguel das oficinas da prisão,
por serviços, cobertura de seguro e indenizações dos reclusos. Informa o Governo
que os reclusos participam voluntariamente e não são punidos por não
participarem. Essa situação levanta questões sobre a voluntariedade e o
consentimento nessas circunstâncias.
192. Muitos estados nos Estados Unidos instituíram prisões privadas e
permitiram a contratação do trabalho na prisão – prática que cresceu nas últimas
duas décadas. De acordo com o Governo, cerca de 77 mil pessoas (ou cerca de
Joint Ventures
129 Ibid., parágrafo 90 (Declaração de representantes do Grupo de Trabalhadores).
130 Ver, por exemplo, “Speeddrack Products Group, Ltd. Vs. National Labour Relations Board”
em Fed. Reporter, Vol. 114, 3ª série, p. 1276, sobre a questão de reclusos liberados para trabalhar
poderem votar em eleições para determinar se trabalhadores deveriam ser representados por
um sindicato.
Necessidade de
supervisão e
controle
81 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
4 por cento da população carcerária total) estão presas em instalações estaduais
e locais de propriedade ou administração de companhias privadas com fins
lucrativos. Embora o sistema penitenciário federal não permita atualmente
prisões privadas ou pôr indivíduos à disposição de empresas privadas para
trabalhar, 30 estados legalizaram a contratação de trabalho fora da prisão desde
1990. As autoridades públicas, é dito, mantêm o controle e a supervisão do
funcionamento das instituições privadas ou por meio de normas mínimas
estatutárias ou de contrato entre o Governo e a entidade privada. O Governo
dos Estados Unidos relatou que utiliza os mesmos meios de supervisão e
controle da prática de contratação de trabalho fora da prisão para empresas
privadas.
193. A Confederação Internacional de Sindicatos Livres (ICFTU) criticou
vários aspectos desses sistemas131. Aponta para casos de presos que recusaram
esse trabalho e perderam a chance de redução da pena e foram privados de
privilégios e de tempo fora de suas celas. Organizações de trabalhadores em
outros países industrializados, como Áustria, Austrália, França, Alemanha,
Nova Zelândia e Reino Unido, expressaram também graves preocupações
com os níveis salariais e/ou os termos e condições do trabalho dos presos,
especialmente quando se trata de empresa privada. Do mesmo modo que países
em desenvolvimento, governos de países industrializados têm às vezes alegado
razões financeiras para recorrerem a esses dispositivos público-privados.
194. Em alguns países, principalmente na África, os governos têm justificado
a contratação de trabalho fora da prisão com as graves condições econômicas
que têm afetado seus recursos orçamentários para assistência aos presos. Um
exemplo é Madagascar, onde a contratação de trabalho fora da prisão é
permitida pela Seção 70 do Decreto nº 59-121, contanto que o trabalho seja
realizado para o bem do país. O Governo reconhece que a prática existe numa
extensão desconhecida, e pediu ajuda à OIT para emendar sua lei132. Em outros
países africanos, a legislação permite a transferência do trabalho penitenciário
para empresas privadas (Côte d’Ivoire) é um exemplo), mas há pouca
informação disponível quanto à real dimensão dessa prática.
195. A tendência para o envolvimento privado com o trabalho penitenciário
impõe dilemas políticos e éticos. A Convenção 29 da OIT, da qual deriva em
parte o princípio fundamental sobre trabalho forçado, preconiza que o trabalho
de presos condenados deve ser realizado sob a supervisão de uma autoridade
pública e que o preso não deve ser contratado nem ser posto à disposição para
trabalhar para indivíduos, companhias ou associações privadas. Para os fins de
princípios, nos termos da Declaração da OIT, quais são as salvaguardas
adequadas para presos? Quando um preso aceita trabalhar para uma empresa
Sindicatos
manifestam
preocupações
Condições
econômicas
como fator de
pressão
Salvaguardas
adequadas
131 A ICFTU declara que presos trabalham em vários setores, inclusive de produtos
internacionalmente comercializados, com salários que vão de US$0,23 a US$1.15 por dia. O
General Agreement on Tariffs and Trade (1947) permite a invocação de exceções para o livre comércio
e bens para produtos de trabalho em prisões (artigo XX). Todas as exceções do artigo XX não
podem ser aplicadas de maneira discriminatória ou como restrição disfarçada ao comércio
internacional.
132 Relatório do Governo de Madagascar em OIT: Review of annual reports under the Declaration,
Parte II, 2001.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 82
privada, por que critérios devem ser avaliadas a natureza desse consentimento,
a equidade da remuneração, a proteção suficiente contra acidentes e outras
questões?
196. Como os presos já encontram-se privados de sua liberdade, há risco
evidente de uma contratação privada de trabalho penitenciário envolver
exploração, negando-se assim qualquer pretensão do exercício da voluntariedade.
Quando essas práticas constituem trabalho forçado, elas agem em detrimento
tanto do preso que trabalha, como da população economicamente ativa em
geral. Pode-se tirar lucro privado de encarceramento público? Todavia, a
privatização do trabalho penitenciário é considerado por alguns como algo
positivo – desde que ministradas habilidades de comércio e que os presos
busquem o emprego e o treinamento com absoluta liberdade – e os membros
da OIT poderiam explorar mais profundamente essas questões. Uma vez que
a falta de oportunidades de emprego contribui, antes de tudo, para um
comportamento criminoso, a consideração das questões mais amplas do mercado
de trabalho, familiares aos membros tripartites, pode facilitar essas discussões.133
197. Embora, evidentemente, seja da atribuição dos órgãos supervisores da
OIT continuar a discussão com referência a disposições de convenções
ratificadas134, a Declaração é taxativa em seu apelo para a eliminação de todas
as formas de trabalho forçado ou compulsório, como princípio fundamental. A
experiência adquirida no seguimento da Declaração tornará mais claro qual é a
essência desse princípio com relação à vida do dia-a-dia.
198. Uma segunda questão, surgida de relatórios sobre o Seguimento da
Declaração, diz respeito à imposição de qualquer espécie de trabalho
compulsório a um indivíduo considerado pelo Estado como anti-social ou por
ter cometido alguma espécie de crime dessa natureza.
199. O Governo da China deu uma descrição de seus programas de reabilitação
para o que ele chama de crimes menores. O Governo declarou que o princípio
da eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório é
reconhecido na China e que não há trabalho forçado ou compulsório, exceto
para pessoas internadas para reabilitação pelo trabalho.
200. O sistema de reabilitação pelo trabalho na China é executado
principalmente com base numa série de leis adotadas pelo Conselho de Estado
entre 1957 e 1982 e também em decisões isoladas sobre a proibição de drogas,
prostituição e meretrício, adotadas pelo Congresso Nacional do Povo, no início
da década de 1990. Uma vez que a reabilitação pelo trabalho é caracterizada na
China como medida compulsória de educação e reforma, e não como pena, a
decisão não é do Tribunal do Povo, mas apreciada e aprovada pelo Comitê
Questão para
um debate
tripartite
Trabalho
forçado por
“atos antisociais”
Reabilitação por
meio do trabalho
133 Exemplo de tentativa dessa natureza é B.Western e K.Beckett: “How unregulated is the U.S.
labour market? The penal system as a labour market institution”, em American Journal of Sociology
(Chicago, vol. 104, nº 4, Jn. 1999), pp. 1030-1059.
134 Em sua reunião de dezembro de 2000, a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções
e Recomendações repassou as preocupações acima expostas, lembrando o debate na ocasião da
adoção da Convenção 29 e recentes discussões no Comitê sobre Aplicação de Normas, da
Conferência. Report of the Committee of Experts, 2001, parágrafos 72-146.
83 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Administrativo para a Reabilitação pelo Trabalho das províncias (regiões e
municipalidades autônomas diretamente subordinadas ao Governo central) e
de cidades de médio e grande porte. Além disso, como a decisão inicial com
referência à reabilitação pelo trabalho é tomada por um comitê de administração,
há procedimentos não judiciais de apelação.
201. O Governo declarou, em seu relatório anual de 2000, referente à
Declaração, que a maioria das pessoas internadas para reabilitação pelo trabalho
o são por um período de um ano, enquanto uma minoria serve por períodos
que vão de um a três anos. Na época deste Relatório, havia 284 órgãos
encarregados da reabilitação pelo trabalho em toda a China, abrangendo 240
mil pessoas, das quais 40 por cento tinham sido internadas por crimes de roubo,
fraude e jogo; 20 por cento por crimes de perturbação da ordem pública, como
a de reunir multidões para arruaças e tumultos; e 40 por cento por crimes de
reincidência em drogas, prostituição e meretrício. Ninguém é internado para
reabilitação pelo trabalho por causa de opiniões políticas ou atividades religiosas
normais, relatou o Governo. Declarou ainda que as decisões de internamento
de pessoas para reabilitação pelo trabalho devem basear-se exclusivamente na
ilegalidade de seus atos, independentemente de sua origem étnica, profissão e
credo.
202. Em comentários feitos na compilação de relatórios anuais de 2001,
referente à Declaração, a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres
(ICFTU) expressou sua opinião de que o sistema de reabilitação praticado na
China é incompatível com o princípio da eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou compulsório – sendo uma das razões a de ser o trabalho
imposto por órgãos administrativos ou outros não judiciais. A ICFTU sugeriu
que o “vertiginoso aumento” do número de pessoas internadas para reabilitação
administrativa pode estar relacionado com o aumento de protestos de
trabalhadores e camponeses em toda a China nos últimos anos. Consta que
muitos trabalhadores chineses têm sido sentenciados a penas que envolvem
trabalho forçado com base na legislação penal da China, inclusive a Lei sobre a
Segurança do Estado, de 1997. A ICFTU questionou também se há categorias
específicas da população que, na prática, sofrem tratamento diferenciado, tendo
em vista relatórios acusarem que alto índice das sentenças de trabalho forçado
diz respeito a membros de grupos religiosos não oficiais e a minorias nacionais.
203. O Governo observou que, desde sua criação, há 40 anos, o sistema de
reabilitação pelo trabalho tem desempenhado importante papel na manutenção
da ordem social e na prevenção de crimes. A reabilitação pelo trabalho é assim
considerada pelo Governo como uma medida conveniente a determinadas
circunstâncias da China no tratamento de problemas de seguridade e paz social.
204. No contexto de um Memorando de Entendimento entre o Governo da
China e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, realizou-se em Pequim, em fevereiro de 2001, uma mesa-redonda
sobre a punição de crimes menores. Na ocasião, o Alto Comissariado lembrou
que o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Prisão Arbitrária tinha
considerado a reeducação pelo trabalho como “inerentemente arbitrária”.
Acreditava que se justificava uma séria revisão da prática da re-educação pelo
trabalho.
Outra visão da
prática
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 84
205. Esta seção ofereceu um leque de situações que envolvem trabalho forçado,
desde as formas tradicionais até as recentemente aparecidas. Em essência, todas
as situações envolvem a negação da livre escolha, uma negação da ação pessoal
voluntária e a coerção de um ser humano por outro, com impunidade. A
eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório exige tanto
desestímulos como penalidades. Uma plataforma de desenvolvimento
socioeconômico que incorpore a eliminação do trabalho forçado como um de
seus esteios, cria uma alternativa positiva para se chegar a um trabalho decente.
Usando o “quadro dinâmico global” aqui apresentado à guisa de antecedente,
a seção seguinte considera a assistência prestada nos últimos anos pela OIT e
organizações parceiras, com o objetivo de eliminar o trabalho forçado e
compulsório em todas as suas formas.
Um leque de
situações e um
extrato de
princípios
85 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Parte II. Assessoria da OIT com vista à
eliminação do trabalho forçado e
compulsório: experiências até o presente
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 86
206. Apesar das atividades desenvolvidas pela OIT, em diferentes regiões,
indiretamente envolvidas com o objetivo de eliminar o trabalho forçado, sua
erradicação em si não tem sido, no passado recente, uma preocupação prioritária
do setor de cooperação técnica da Organização. O mesmo se diga de outras
organizações no sistema das Nações Unidas e de órgãos internacionais
interessados no desenvolvimento econômico e social ou na promoção e proteção
dos direitos humanos. O trabalho infantil e o tráfico de mão-de-obra, juntamente
com a promoção de planos de microcrédito, têm sido talvez as únicas áreas em
que tem havido um esforço conjunto internacional no combate a formas de
trabalho forçado nos últimos anos. Felizmente a situação está mudando, com a
elaboração de projetos de cooperação técnica mais direcionados, em
concordância com os objetivos da Declaração sobre Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho.
207. Até o momento, a maior parte da atividade da OIT com relação à
erradicação do trabalho forçado e compulsório tem estado a cargo de seus
órgãos supervisores e, em alguns casos, representações ou queixas têm levado
a uma assistência técnica. Todavia, embora os órgãos supervisores da OIT
tenham estado vigilantes com relação ao trabalho forçado, sua ação, muitas
vezes, não tem resultado diretamente em programas de cooperação técnica.
Com algumas poucas exceções, concentravam-se mais em saber se certas
condições legais e práticas constituíam ou não trabalho forçado, em vez de
definir medidas práticas e ajuda necessárias para superar certos problemas.
Isso pode explicar porque tão poucos projetos de assistência e atividades da
OIT têm até então incorporado, como ponto de partida, o conceito de trabalho
forçado ou compulsório.
208. Essa situação está em franco contraste com o trabalho infantil; de fato, a
concentração de esforços nessa questão possibilitou à OIT e a seus membros
atacar problemas temáticos mais amplos de trabalho forçado ou compulsório,
que vieram à luz com relação a crianças. Do mesmo modo, o aumento de
conscientização de questões de gênero e de migração tem levado a OIT a tratar
de problemas que envolvem o tráfico para fins de trabalho forçado e questões
correlatas, em projetos de cooperação técnica, como os projetos no âmbito do
1. Introdução
Modalidades
indiretas de
combate ao
trabalho forçado
Por que tão
poucos
programas até
agora?
87 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Programa de Promoção do Gênero e do Serviço de Trabalhadores Migrantes.
O trabalho empreendido pelo Programa In Focus sobre Reação à Crise e
Reconstrução pode também levar à cooperação técnica relevante para a
eliminação do trabalho forçado.
209. Uma relação mais estreita entre problemas expostos com relação à
aplicação dos princípios e direitos em matéria de trabalho forçado e a cooperação
técnica e pesquisa da OIT ajudaria a Organização a trabalhar mais eficazmente
com vista à eliminação do trabalho forçado. A melhoria dessa sinergia é a
própria essência do uso da Declaração da OIT como instrumento promocional
do desenvolvimento. Considera os princípios e direitos fundamentais no trabalho
como ponto de partida para as atividades promocionais da OIT, identificando
e superando os obstáculos e fazendo uso da assistência técnica, na busca de um
desenvolvimento social e econômico mais eqüitativo. Antes de passar adiante,
talvez seja útil uma visão do passado, a fim de obter indicadores para o futuro.
Uma vez que situações que envolvem trabalho forçado e compulsório se incluem
na missão de vários órgãos das Nações Unidas e de outros órgãos internacionais,
assim como na da OIT, uma adequada avaliação inicial precisa ir além da
assistência oferecida pela própria OIT.
Melhorar a
sinergia entre
problemas
enfocados,
pesquisa e
cooperação
técnica
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 88
210. Para situar a ação da OIT em contexto, a eliminação do trabalho forçado
e compulsório tem sido a preocupação de muitas organizações internacionais,
tanto dentro como fora do sistema das Nações Unidas. Nas décadas de 1940 e
1950, o Comitê Conjunto das Nações Unidas/OIT sobre Trabalho Forçado
desempenhou importante papel na identificação dos principais problemas do
trabalho forçado e compulsório em todo o mundo, naquela época, bem como
na preparação do terreno para novas normas internacionais, tanto sobre trabalho
forçado em si como sobre formas contemporâneas de escravidão.
211. Desde então, algumas distinções têm sido feitas entre escravidão e trabalho
forçado. Em termos de procedimentos de monitoração e de supervisão, a OIT
detém a principal responsabilidade pela abolição do trabalho forçado, e as Nações
Unidas pela erradicação da escravidão. Em termos práticos, as distinções não
podem ser excessivamente rígidas. Por exemplo, o Grupo de Trabalho das
Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão dispensou especial
atenção ao tráfico, em 1999, e à servidão por dívida, em 2000.
212. Quando se trata de projetos de campo e de assistência técnica na área do
trabalho forçado, a OIT tem, em geral, coordenado seus esforços com outros
organismos das Nações Unidas e organizações internacionais. Projetos
conjuntos com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) têm
enfrentado o tráfico de crianças na África, e projetos com o UNICEF e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) têm atacado a servidão por dívida na
Ásia. Esses organismos das Nações Unidas têm também tomado importantes
iniciativas, apoiando medidas nacionais para erradicar práticas de trabalho
forçado no âmbito de suas próprias competências. Exemplo disso é o apoio do
UNICEF ao Comitê para a Erradicação do Rapto de Mulheres e Crianças no
Sudão.
213. No âmbito das Nações Unidas, a nova modalidade de agricultura
2. Ação internacional contra o
trabalho forçado: o contexto do
trabalho da OIT
Responsabilidades
complementares
por um objetivo
compartilhado
Forças conjuntas
aumentam a
chance de
sucesso
89 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
sustentável e desenvolvimento rural (SARD) abrange toda uma gama de ações
ambientais, econômicas e sociais relativas à agricultura e ao uso da terra. Uma
das principais funções do “caráter multifuncional da agricultura e da terra”,
conceito surgido da SARD, é conseguir maior equidade social e oportunidade
de renda para as sociedades rurais1. Isso só é viável sem trabalho forçado. A
Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) poderia ser também
considerada um parceiro natural em programas para erradicar a servidão agrícola
por dívida, dada a importância da reforma agrária e da posse da terra entre as
medidas necessárias para eliminar, pela raiz, esse sistema particular de trabalho
coercitivo.
214. Fora do sistema das Nações Unidas, a Organização Internacional para a
Migração (IOM) tem desempenhado importante papel na questão do tráfico,
particularmente na Europa e na Ásia. A União Européia e a Organização de
Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) têm sido também interlocutores
decisivos nessas questões na Europa e na Comunidade de Estados Independentes
(CEI); a Interpol é outro caso em evidência2.
215. Não é possível fazer justiça às atividades de todas essas organizações, já
que podem estar relacionadas às questões tratadas no âmbito da assistência
técnica da OIT. Mas, como a OIT não age isoladamente, é importante levá-las
em conta.
216. As Nações Unidas criaram vários órgãos, previstos em tratados, para
receber e analisar relatórios dos estados-membros sobre suas várias convenções
e acordos em direitos humanos. Por força das convenções sobre a escravidão,
os estados-membros acordaram, embora a isso não estivessem obrigados nos
termos da Convenção, a mandar informações ao Secretário-Geral sobre
providências tomadas, o qual, por sua vez, as encaminhará ao Conselho
Econômico e Social. O Conselho criou, em 1975, um Grupo de Trabalho sobre
Formas Contemporâneas de Escravidão (antes Grupo de Trabalho sobre a
Escravidão), sob a égide da Subcomissão das Nações Unidas para a Promoção
e Proteção dos Direitos Humanos.
217. A missão desse Grupo de Trabalho é monitorar a existência da escravidão
e do comércio de escravos em todas as suas práticas e manifestações e avaliar
os avanços realizados nesse campo, com base nas informações disponíveis. O
Grupo de Trabalho criou um sistema para recebimento de informações de
qualquer governo que queira enviá-las, bem como proveniente de ONGs. Por
exemplo, a agenda de 2000 incluía tópico especial sobre servidão por dívida, e
peritos na questão foram convidados a fazer sugestões, com o apoio financeiro
do Fundo Fiduciário de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para a
Luta contra Formas Contemporâneas de Escravidão. O Grupo de Trabalho
pode colher informações ou fazer recomendações que venham a ajudar a OIT
Uma agricultura
sustentável só
será possível
com a
eliminação do
trabalho forçado
Grupo de
Trabalho das
Nações Unidas
sobre formas
contemporâneas
de escravidão
1 The multifunctional character of agriculture and land. Para uma explanação mais completa, ver
FAO/Países Baixos, Conferência sobre o Caráter Multifuncional da Agricultura e da Terra, 12-
17 de setembro de 1999 (Maastricht).
2 A Interpol organizou recentemente (novembro de 2000) uma conferência sobre tráfico, que
reuniu ampla representação da comunidade internacional, op. cit.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 90
no planejamento de projetos de cooperação técnica para enfrentar problemas
de trabalho forçado3.
218. A década passada assistiu a notável aumento de atividades da comunidade
(internacional) contra o tráfico. Às vezes se fazem distinções entre o sistema de
direitos humanos, de um lado, e o sistema de prevenção do crime e da justiça
penal, de outro – embora esses dois conjuntos de atividade possam muitas
vezes se sobrepor. Antes de voltar às próprias atividades da OIT, esta seção
examinará brevemente as atividades e metodologias de outras organizações
internacionais, com particular referência aos órgãos e programas do sistema
das Nações Unidas que se ocupam de aspectos do tráfico, relevantes para a
eliminação do trabalho forçado.
219. Entre os órgãos do Sistema das Nações Unidas criados por força de
tratados de direitos humanos, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação
da Mulher (CEDAW), o Comitê sobre os Direitos da Criança, o Comitê de
Direitos Humanos (HRC) e o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (CESCR) têm dispensado especial atenção ao tráfico, ao examinarem
relatórios dos estados-membros. Relatores especiais têm também tratado de
questões como o tráfico relacionado com a prostituição e a pornografia infantis.
Além disso, o Grupo de Trabalho sobre Formas Contemporâneas de Escravidão,
da Subcomissão da Comissão sobre Promoção e Proteção dos Direitos Humanos
(que se reporta à Comissão de Direitos Humanos) promoveu recentemente
reuniões especiais sobre o tráfico.
220. O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR)
lançou, em março de 1999, programa que visa integrar os direitos humanos em
iniciativas contra o tráfico, enfatizando a elaboração de leis e formulação de
políticas. Juntamente com o Conselho Europeu, o OHCHR desenvolveu um
programa conjunto sobre tráfico para a Europa Oriental e Central, priorizando
medidas preventivas. Seu escritório de campo em Sarajevo empreendeu
atividades com organizações internacionais, entre elas a Organização
Internacional para a Migração (IOM), para ajudar vítimas do tráfico, facilitar a
ação judicial contra traficantes e promover reformas na legislação e a
responsabilidade governamental. A OHCHR tem sido também atuante em
medidas antitráfico na Ásia e no Pacífico, onde incentivou comissões nacionais
de direitos humanos a enfrentar o problema.
221. Com relação à prevenção do crime e a sistemas de justiça penal, o
Departamento das Nações Unidas para o Controle de Drogas e Prevenção do
Crime (UNODCCP) lançou, em março de 1999, seu Programa Global contra
o Tráfico de Seres Humanos. O objetivo desse programa é mostrar o
envolvimento de grupos organizados de delinquentes no contrabando e tráfico
de seres humanos e promover efetiva reação da justiça penal contra esses
Muitas
instituições
atuam em
âmbito
internacional
contra o tráfico
de pessoas
Integrando uma
perspectiva de
direitos
humanos
3 Por exemplo, em sua 24ª Reunião, em 1999, o Grupo de Trabalho sobre Formas
Contemporâneas de Escravidão adotou recomendações sobre questões que incluem tráfico de
pessoas e exploração da prostituição de outras: prevenção do tráfico de crianças entre fronteiras
em todas as suas formas; o papel da corrupção na perpetuação da escravidão e de praticas
análogas à escravidão; trabalhadores migrantes; trabalhadores domésticos; erradicação do trabalho
em servidão e a eliminação do trabalho infantil, e trabalho forçado em geral.
A justiça penal
desempenha um
papel decisivo
91 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
problemas. O programa, que consiste tanto em pesquisa, com vista à formulação
de política, como na cooperação técnica especializada, vem sendo executado
pelo Centro para a Prevenção Internacional do Crime (CICP) e pelo Instituto
Inter-regional das Nações Unidas para Pesquisa sobre o Crime e a Justiça
(UNICRI). O CICP tem-se ocupado da cooperação técnica e o UNICRI, da
metodologia e coordenação de pesquisa. A Organização Internacional de Polícia
Criminal (Interpol) criou recentemente novo setor em seu Secretariado-Geral
para tratar do tráfico. Sua mais recente conferência internacional sobre tráfico
de mulheres (novembro de 2000) recomendou a melhoria da cooperação
internacional para facilitar a ação da justiça contra delinqüentes envolvidos no
tráfico para exploração sexual, e também a ratificação da nova convenção das
Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado e seus protocolos de
seguimento.
222. Nas áreas da cooperação para o desenvolvimento e de assistência com
relação ao trabalho forçado, muitos órgãos das Nações Unidas e outros
internacionais estão agora envolvidos de diferentes maneiras. O Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tem-se ocupado do tráfico
em sua análise global e cada vez mais em programas regionais e nacionais. Seu
relatório, por exemplo – Human Development Report 1999 – identificou o tráfico
de mulheres e de meninas como uma das atividades criminosas que teria crescido
com o aumento da globalização. Em âmbito nacional, o PNUD tem às vezes
coordenado as forças-tarefa das Nações Unidas sobre o problema. O PNUD
lançou um projeto regional para combater o tráfico de mulheres e crianças em
seis países da sub-região do Mekong. O projeto, de base ampla, visa, entre
outras coisas, criar novos mecanismos de diálogo e de ação entre os diversos
interlocutores sociais; apoiar a implementação de iniciativas de cunho
comunitário para evitar o tráfico e fortalecer as capacidades nacionais e regionais
com relação à lei e a sua aplicação, tanto contra os autores do tráfico como em
defesa dos direitos humanos das vítimas.
223. Outro exemplo é o Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF),
que financiou campanhas em todos os países em desenvolvimento para alertar
crianças para os riscos de trabalho perigoso e do comércio do sexo. Muitos
escritórios regionais e nacionais do UNICEF lançaram projetos antitráfico,
alguns deles em colaboração com a própria OIT. Os planos estratégicos nacionais
têm incluído cursos de treinamento com órgãos executores da lei sobre
conscientização, investigação e criação de grupos femininos.
224. O Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher
(UNIFEM) tem-se ocupado do tráfico de mulheres como parte de sua
Campanha Global para a Eliminação da Violência com Base no Gênero. O
órgão tem sido particularmente atuante na Ásia, onde opera com a OIT na
prestação de assistência técnica a ministérios da mulher e financia pesquisas e
promoções4.
225. Entre outras organizações internacionais, a Organização Internacional
para a Migração (IOM) ocupa-se do tráfico como subproduto de problemas de
A abolição do
trabalho forçado
como fator
central do
desenvolvimento
4 UNIFEM: Trade in human misery: Trafficking in women and children: Asia region (Escritório Regional
da Ásia Meridional).
A perspectiva da
migração no
tráfico de mãode-
obra
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 92
migração. Tem executado vários programas para o retorno voluntário e a
reintegração de pessoas traficadas de várias localidades, da Europa à América
Central. Desde 1996, a IOM vem implementando um programa, na sub-região
do Mekong, que combina retorno e reintegração de mulheres e crianças traficadas
e outras vulneráveis. Empreendeu também uma série de importantes projetos
de pesquisa, predominantemente sobre o tráfico na Europa e possíveis medidas
preventivas. Ao todo, o IOM tem desempenhado importante papel em seu
trabalho de conceituação e de análise, identificando algumas deficiências nas
atuais estratégias internacionais com relação ao tráfico e propondo metodologias
para um trabalho mais rigoroso no futuro.
226. Uma estratégia efetiva com relação ao tráfico exige também uma
cooperação regional, tendo em vista a movimentação de pessoas entre fronteiras.
Na IX Reunião de Cúpula da Associação Ásia Meridional para a Cooperação
Regional (SAARC), realizada nas Maldivas, em 1997, chefes de estado ou de
governo comprometeram-se a coordenar seus esforços e adotaram resolução
que propõe uma convenção regional contra o tráfico. Foi ainda elaborada uma
minuta de convenção de combate ao tráfico de mulheres e crianças para a
prostituição. Na Europa, têm surgido várias iniciativas contra o tráfico, como
já foi exposto neste Relatório.
227. A Organização para Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) é outro
parceiro. Um compromisso inicial de combate ao tráfico foi assumido pelos
estados-membros da OSCE, em seu Documento de Moscou, de 1991. Em sua
Declaração de Estocolmo, em 1996, a Assembléia Parlamentar da OSCE
manifestou sua grave preocupação com a prática do tráfico dentro e fora das
fronteiras da Organização, reconhecendo sua ligação com a transição econômica
e o problema do crime organizado. Mais recentemente, nomeou um consultor
em questões de tráfico e preparou um plano de ação para iniciativas da OSCE.
Trata-se de um programa de múltiplas facetas, que inclui mais atenção ao tráfico
no nível político, integração de medidas antitráfico nas atividades centrais de
rotina e treinamento de pessoal para missão de campo da OSCE sobre as
questões, além de mesas- redondas nos principais países de destinação para
aumentar a assistência à vítima e a cooperação entre os vários interlocutores
sociais5.
5 OSCE: Plano de Ação Proposto, de 2000, de atividades para combater o tráfico de seres
humanos, op.cit.
Dimensão
regional
incorporada ao
quadro geral

NÃO AO TRABALHO FORÇADO 94
19536, continha ampla informação sobre sistemas de trabalho compulsório
então generalizado nas zonas rurais da Ásia e da América Latina. Documentava
também os vários tipos de coerção e de abuso no recrutamento de povos
indígenas e tribais, inclusive o sistema latino-americano de enganche7.
231. Em termos de assistência promocional, significativa realização desse
período foi o Programa Andino dirigido pela OIT. Esse programa começou
com a criação de centros de ação na Bolívia, Equador e Peru, em 1954, e foi-se
estendendo a outros países andinos no decorrer da década seguinte. Seu principal
objetivo era melhorar as condições de vida e de trabalho dos povos indígenas
dos Andes, para facilitar sua inclusão na vida econômica, social e política de
suas respectivas comunidades nacionais. Além de colaborar com vários órgãos
especializados das Nações Unidas, a OIT mantinha também cooperação com
outros órgãos internacionais, inclusive o Instituto Interamericano do Índio, a
Organização dos Estados Americanos e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Esse programa culminou num projeto multinacional para o
desenvolvimento da comunidade andina no início da década de 1970, depois do
que a responsabilidade pela implantação ficou a cargo dos estados8. A esses
programas foi creditada a criação de um estágio para a reforma agrária e uma
concomitante redução na incidência do trabalho forçado ou compulsório nesses
países.
232. As atividades da OIT concernentes a trabalhadores rurais e a
desenvolvimento em geral intensificaram-se entre as décadas de 1950 e 1970 –
período que testemunhou um compromisso com programas de reforma agrária
distributiva em todo o mundo em desenvolvimento. Naquela época, outras
organizações internacionais deram também destaque a um desenvolvimento
eqüitativo nas zonas rurais, promovendo políticas redistributivas e de reforma
da posse da terra.
233. A OIT deu uma contribuição muito significativa por meio de pesquisas
e de ações de seu Programa Mundial de Emprego. Esse programa foi
complementado pela adoção de algumas novas normas sobre o setor rural,
cobrindo, entre outras coisas, os povos indígenas, trabalhadores em plantações,
posseiros e meeiros, organizações de trabalhadores rurais e inspeção do trabalho
na agricultura, assim como instrumentos mais gerais pertinentes aos grupos
rurais vulneráveis, inclusive instrumentos sobre política de emprego, política
social e trabalhadores migrantes. Isso envolvia um implícito reconhecimento
das várias relações de controle que podem coexistir nos meios rurais.
234. A política da OIT com relação a trabalhadores na agricultura e rurais
tem três diferentes aspectos. O primeiro diz respeito ao direito de associação,
O trabalho em
parceria auxiliou
no alcance de
resultados
O Programa
Mundial de
Emprego e
Desenvolvimento
rural
6 OIT: Indigenous people: Living and working conditions of aboriginal populations in independent countries
(Genebra, 1953).
7 Sistema de recrutamento já referido, segundo o qual o recrutador de mão-de-obra recebe
pagamento global ou comissão por trabalhadores fornecidos a uma empresa rural.
8 Ver J.Rens: “the Andean Programme”, em International Labour Review (Genebra, OIT), vol.
LXXXIV, nº 6, Dezembro de 1961, pp.423-461, e J. Rens: The development of the Andean Programme
and its future, em International Labour Review (Genebra, OIT, vol. LXXXVIII, nº 6, dezembro de
1963, pp.547-563.
Liberdade de
associação,
proteção social,
pesquisa e
atividades de
desenvolvimento
95 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
com apelo aos governos para que facilitem a criação de organizações de
trabalhadores rurais fortes e independentes9. Esse direito aparece quando
exercido na forma de ação coletiva para melhorar a situação dos trabalhadores
interessados. O segundo aspecto é a extensão, a trabalhadores rurais, de elementos
das instituições de proteção social, inclusive a inspeção do trabalho, que estão
disponíveis, pelo menos formalmente, para outros trabalhadores. O terceiro
aspecto é caracteristicamente de desenvolvimento, com pesquisa e atividades
voltadas para cooperativas, posseiros e meeiros e o trabalho de organizações de
trabalhadores rurais10.
235. A Conferência Mundial do Emprego, de 1976, propôs uma ampla
estratégia de combate à pobreza e à baixa renda, com base na promoção do
emprego, especialmente nas zonas rurais. A OIT empreendeu programas de
pesquisa e assistência de amplo alcance sobre questões como fatores
determinantes da pobreza rural, trabalhadores em plantações, sistemas agrários
e posse da terra, impacto de novas tecnologias e sistemas de recrutamento, a
mulher no desenvolvimento rural, migração rural, emprego e participação, e
organização do pobre rural. Vários programas especiais de obras públicas foram
conduzidos em países em desenvolvimento, objetivando muitas vezes
trabalhadores rurais empobrecidos11.
236 As preocupações com questões rurais, parece, ficaram em segundo plano
na lista das prioridades da OIT na década passada. Mas a OIT não está sozinha.
Como a preocupação com políticas redistributivas e de reformas estruturais
desapareceu das agendas internacionais de desenvolvimento, nenhum órgão
pôde tratar efetivamente do sistema de pobreza rural que se agrava em algumas
regiões. De acordo com dados oficiais, 75 por cento da população pobre do
mundo vive em zonas rurais12. Bolsões de pobreza concentram-se em regiões
remotas, em terras de baixa qualidade, muitas vezes castigadas pela escassez de
chuvas regulares ou de irrigação. O isolamento da população, muitas vezes
minorias étnicas que não falam a língua nacional, impõe especiais desafios para
os formuladores centrais de política, quando pretendem eliminar práticas de
trabalho forçado. A expressão “trabalhadores rurais” deve ser também usada
com cuidado, uma vez que pode mascarar a mistura de fontes de renda e de
relações das quais retiram sua sobrevivência (posse, pequenos posseiros,
emprego sazonal, renda rural não agrícola, como artesanato ou eventuais obras
de construção, etc).
Recentes desafios
da pobreza rural
9 Por meio de um instrumento anterior que tratou da questão na Convenção 11, de 1921, sobre
o Direito de Associação (Agricultura), na Convenção 141, de 1975, sobre Organizações de
Trabalhadores Rurais, reafirmou que a liberdade de associação era aplicável a todas as categorias
de trabalhadores rurais.
10 OIT: Wage workers in agriculture: Conditions of employment and work, relatório para discussão em
sua reunião tripartite sobre a melhoria das condições de emprego e de trabalho de trabalhadores
agrícolas assalariados no contexto de uma estruturação econômica (Genebra, 1996).
11 OIT: The challenge of rural poverty, relatório de acompanhamento sobre pesquisa e cooperação
técnica com relação ao emprego rural, instituições e políticas agrárias, Programa Mundial do
Emprego, 3ª edição, Genebra, 1985.
12 Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (IFAD): Rural Poverty Report
2001: o desafio de pôr fim à pobreza rural (Nova Iorque, Oxford University Press, 2001), cap. 1,
pp. 108.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 96
237. No auge da época do ajustamento, as ortodoxias predominantes ficaram
muito conhecidas. As políticas buscavam em geral promover forças de mercado
na agricultura, tornando os mercados mais flexíveis, tanto em termos de terra
como de trabalho, e retirando subsídios. Enquanto a reforma agrária permaneceu
nas agendas de desenvolvimento, a ênfase era posta em estratégias de mercado
assistido. De uma maneira geral, os sistemas de posse comunitária da terra
eram considerados como uma limitação à eficiência agrícola, e a tendência para
a promoção da posse individual da terra, embora recebida favoravelmente sob
vários aspectos, pode, em alguns casos, ter aumentado o número de lavradores
sem segurança patrimonial, tendo em vista a exiguidade de suas glebas. Há
sinais de que algumas estratégias mais antigas estão sendo revistas em meio a
preocupações com a contínua escalada de uma pungente pobreza rural. Recente
avaliação do Banco Mundial, por exemplo, reconheceu as vantagens dos sistemas
de posse comunitária, juntamente com a importância de uma distribuição mais
eqüitativa de bens13. Promover mais igualdade social e de oportunidade de
renda para as sociedades rurais faz parte também da agricultura sustentável;
isso pressupõe a eliminação do trabalho forçado.
238. A reforma agrária continuou durante a década de 1990, embora em ritmo
mais lento, passando para uma reforma que inclui insumos competitivos e
serviços para novos e pequenos proprietários. O maior problema, porém, tem
sido o crescimento do número dos sem-terra ou de quase sem-terra. Avaliações
da pobreza regional levaram o Fundo Internacional para o Desenvolvimento
da Agricultura a confirmar que, na maior parte do mundo em desenvolvimento,
a falta de acesso à terra está ligada à baixa renda e à pobreza rural: a falta de
terra e a pobreza são fatores que caminham juntos em países como o Chile,
China, Côte d’Ivoire, Etiópia, Quênia, Índia, Filipinas, República Unida
da Tanzânia e Zimbábue. Trabalhadores assalariados, especialmente os semterra
ou agricultores eventualmente empregados, têm, em quase toda parte,
maior probabilidade de ser pobres, de acordo com o IFAD. Origem indígena e
localização em regiões remotas têm também alta correlação com a pobreza,
particularmente na América Latina, e a exclusão de minorias indígenas da
propriedade da terra está também associada à persistente pobreza rural na Ásia.
As barreiras ao progresso do pobre rural formam muitas vezes um círculo
vicioso. Uma distinção entre a pobreza transitória e a pobreza crônica pode ter
particular relevância para estratégias para escapar do trabalho forçado ou
compulsório por dívida.
239. A pobreza rural tem um impacto particularmente sério sobre a mulher,
que continua desproporcionalmente analfabeta e pobre de bens; e essa tendência
está crescendo. Romper as barreiras ao controle de bens rurais pela mulher,
especialmente a terra, é fundamental na luta contra a pobreza. É uma cruel
ironia que, em alguns países, a mulher pode estar sujeita ao trabalho forçado
por dívida, mas não pode comprar ou herdar a terra que poderia usar para
produzir renda para pagar a dívida. A dimensão do gênero pesa
consideravelmente, embora existam menos desvantagens para a mulher na
Trabalhadores
assalariados e
sem terra são os
mais pobres
13 K.Deininger e H.Binswanger: “The evolution of the World Bank´s land policy: Principles,
experience and future challenges”, em The World Bank Research Observer (Washington, DC, Banco
Mundial), vol. 14, nº 2, agosto de 1990.
Por que a
mulher pode
herdar a
servidão por
dívida, mas não
a terra?
97 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
República Democrática Popular do Laos, em Sri Lanka e no Vietnã, por
exemplo, em virtude de fatores culturais e políticos.
240. O mais recente relatório produzido pelo IFAD observa que alcançar a
meta de reduzir a pobreza pela metade, por volta de 2015, só seria possível com
uma ajuda concentrada, muito maior que a do passado, na redução da pobreza
rural, através do estímulo ao crescimento agrícola, especialmente da produção
de alimento, da renda e do emprego. O que é admirável em estudos nessa área
é que há a suposição de que o trabalho rural atua como um agente livre,
circunstância que nem sempre pode ser tomada como certa. Políticas
intersetoriais sobre trabalho rural poderiam ter importante impacto na
probabilidade de as pessoas evitarem situações de trabalho forçado e de se
livrarem delas.
Garantia da
liberdade de
trabalhar
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 98
241. A OIT, há muitos anos, presta assistência técnica com relação a convenções
ratificadas. Todavia, suas atividades de pesquisa e cooperação técnica sobre
trabalho forçado têm ocorrido eventualmente no bojo de atividades de
programas com outros objetivos principais, que envolvem particularmente ação
relativa à eliminação das piores formas de trabalho infantil, melhoria da situação
de trabalhadores migrantes e de trabalhadoras (especialmente quando vítimas
do tráfico), promoção de planos de microcrédito e apoio político a projetos de
obras públicas que não utilizam trabalho forçado. Em quatro anos será possível
identificar critérios para a avaliação da eficácia de projetos de cooperação técnica
empreendidos no contexto do seguimento da Declaração, que visam
especificamente fazer do trabalho forçado coisa do passado. As idéias desses
projetos vêm em primeiro lugar de estados-membros da OIT, sugestões feitas
tanto diretamente nos relatórios referentes à Declaração, quanto no diálogo
que ocorre no mecanismo de supervisão, ou ainda na interação com escritórios
de áreas da OIT e de equipes técnicas multidisciplinares.
242. Pesquisas e atividades de projeto empreendidas na estrutura do Programa
Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) têm produzido
fatos esclarecedores de práticas que envolvem servidão por dívida e tráfico. O
Programa recebeu outro impulso, proveniente da adoção da Convenção 182, de
1999, sobre as piores formas de trabalho infantil, que visa a eliminação de
práticas (entre outras) tais como escravidão infantil, trabalho forçado, tráfico,
servidão por dívida, servidão e prostituição. Importantes lições podem ser tiradas
da experiência do IPEC até o presente, para a análise e seguimento da promoção
do emprego e de sistemas de recrutamento que afetam tanto adultos como crianças.
243. Com base em atividades anteriores do IPEC, outros órgãos da OIT têmse
servido de pesquisas, coleta de dados, insumos legislativos e outros
4. Assistência e cooperação
técnica da OIT para a
eliminação do trabalho forçado
ou compulsório
Até o momento,
o trabalho
forçado tem
envolvido pouca
cooperação
técnica
Importante
contribuição do
IPEC
99 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
componentes do Programa para elaborar programas para a eliminação do
trabalho forçado, que atinge a população em geral. Isso pode ser mais bem
ilustrado pela experiência do IPEC na região asiática, que deu lugar a programas
mais amplos da OIT contra o trabalho forçado e o tráfico. No continente
africano, as atividades do IPEC, embora ainda em fase inicial de desenvolvimento,
podem consequentemente estimular mais programas globais de ação contra o
trabalho forçado e compulsório.
244. A metodologia do IPEC tem sido de valor intrínseco, tanto no tratamento
de problemas mais específicos do trabalho infantil como na geração de dados,
de consenso e de participação necessários para acordos finais de programas
sociais mais amplos. O desenvolvimento de métodos estatísticos e de dados
tem sido um elemento decisivo, aumentando o grau de conscientização dos
problemas e preparando o terreno para uma ação subsequente de promoção. O
Programa de Dados Estatísticos e de Monitoração do Trabalho Infantil
(SIMPOC), lançado em 1998, tem ajudado países na coleta de dados de qualidade
e no desenvolvimento da compreensão de questões do trabalho infantil. A
metodologia do IPEC tem também reconhecido a necessidade de promover
capacitação e a importância da expansão e do fortalecimento de redes de
parceiros, inclusive ONGs e outros organismos do sistema das Nações Unidas.
Além disso, tem havido programas globais e de ação direta para tirar crianças
do trabalho explorador e para evitar o trabalho infantil, a partir da erradicação
dos fatores que geram a pobreza, ignorância, sistemas inadequados de aplicação
da lei, falta de oportunidades de desenvolvimento e de oportunidades de emprego
remunerativo para adultos. Esse enfoque, inevitavelmente, tem chamado a
atenção para fatores estruturais por trás do trabalho infantil.
245. O IPEC tem também empreendido várias avaliações rápidas de diferentes
aspectos do trabalho infantil, inclusive questões de trabalho forçado e
compulsório. Essas avaliações têm o objetivo de coletar informações
quantitativas e qualitativas sobre as piores formas de trabalho infantil, muitas
vezes de investigação delicada, e descrever a dimensão, o caráter, as causas e
conseqüências daquelas formas de trabalho infantil. Avaliações rápidas, por terem
relação com o trabalho forçado, ora em execução ou em fase de planejamento,
incluem crianças-soldados nas Filipinas, crianças no trabalho doméstico em
vários países da África, Ásia e América Latina; crianças em regime de servidão
no Nepal e tráfico de crianças nesse país e em campos de refugiados dos países
da área do Mekong.
246. Mais de 80 por cento dos projetos do IPEC têm como alvo crianças que
trabalham no serviço doméstico, dos quais 32 por cento trabalham com crianças
sujeitas às piores formas de trabalho infantil. Esses projetos têm resultado na
descoberta de casos de trabalho forçado, além daqueles já conhecidos. O IPEC
começou a atacar o fenômeno do restavek no Haiti, que envolve meninas
empregadas em residências para fazer trabalho doméstico em condições que
podem constituir trabalho forçado. Voltadas para meninas que correm o risco
de entrar no trabalho doméstico ou nele já estão, as atividades do IPEC
concentram-se na análise da situação, prevenção, construção de capacidade e
reabilitação. Espera-se que intervenções dessa natureza se estendam também a
outros países, uma vez que crianças no trabalho doméstico estão entre as mais
O
desenvolvimento
de métodos
estatísticos tem
sido
fundamental
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 100
vulneráveis e exploradas. Além disso, o IPEC coopera com projetos de combate
ao tráfico de mão-de-obra, envolvendo crianças.
247. No final de 1999, o IPEC, com o apoio financeiro dos Estados Unidos,
lançou um programa sub-regional de ação sobre tráfico de crianças em nove
países da África Central e Ocidental (Benin, Burkina Fasso, Camarões, Côte
d’Ivoire, Gabão, Gana, Mali, Nigéria e Togo). O programa surgiu de um
seminário regional sobre tráfico de trabalhadores infantis para o serviço
doméstico, especialmente de meninas, organizado pelo UNICEF, juntamente
com a OIT, em Benin, em julho de 1998.
248. No final de 2000, um relatório sintético, elaborado com base em estudos
de oito países, identificou as principais tendências. O relatório examinou fatores
culturais e históricos por trás dos sistemas atuais de migração e colocação do
trabalho infantil; as principais rotas do tráfico e as distinções entre países
fornecedores, países receptores e países que eram uma mistura das duas coisas.
Chegou também a concluir que o crescimento econômico de alguns países
africanos pode ter contribuído para agravar o problema do tráfico de crianças,
com a desintegração das tradicionais estruturas de família, também considerada
como fator de contribuição. Condicionantes socioculturais, econômicas, jurídicas
e políticas foram também identificadas como importantes fatores, já que o
trabalho infantil tendia a ser socialmente aceito, e nas aldeias de alguns países
a autoridade do chefe estava, de fato, acima da legislação nacional. De um
modo geral, era problemático estudar o fenômeno do tráfico, tendo em vista a
delicadeza do tópico e porque era difícil fazer distinções entre colocação cultural
e colocação para fins de exploração.
249. A primeira fase do projeto apresentou claramente uma resposta positiva.
Todos os governos manifestaram sua vontade de combater esse tráfico, e em
Benin, Mali e Togo foram elaborados programas específicos pelos governos
ou por ONGs. Esforços de colaboração bilateral estão em andamento. Por
exemplo, houve um acordo entre Benin, Gana, Nigéria e Togo para facilitar
a repatriação de vítimas do tráfico, e a maioria dos países interessados elaborou
planos nacionais de ação.
250. Além de seu trabalho no Nepal (ver abaixo), o IPEC tem atuado com
relação ao trabalho infantil forçado, na Indonésia, nas Filipinas e em Sri
Lanka. Na Indonésia , o IPEC tem dado assistência à reabilitação de crianças
que trabalham nas plataformas de pesca de jermal. São crianças que, em vez de
irem à escola, são confinadas dia e noite em plataformas de pesca, por períodos
que podem estender-se a três meses. Embora a maior parte do recrutamento
seja conduzido por trabalhadores adultos de uma mesma aldeia ou de sua
vizinhança, tem havido casos de recrutamento forçado e de raptos que têm
como alvo crianças mais vulneráveis, como as crianças de rua. Por meio das
atividades do IPEC, serviços de aconselhamento são oferecidos às crianças, e o
pessoal do projeto recebe assessoria sobre intervenções e atividades adequadas.
O projeto mantém contato com serviços locais de saúde e há programas formais
ou informais de educação para ajudar crianças a completar seus nove anos de
educação fundamental. No caso de crianças adolescentes, que já estão na idade
de emprego, são enviadas a programas de formação técnica do Ministério da
Mão-de-obra ou do Ministério da Educação e Cultura. Os pais de crianças
Relevantes
atividades do
IPEC em países
da África
Relevantes
atividades do
IPEC na Ásia
101 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
resgatadas do trabalho infantil recebem ajuda financeira que lhes permitam
desenvolver atividades geradoras de renda própria. Nas Filipinas, programa
semelhante prevê a reabilitação de crianças que estiveram envolvidas em
trabalhos de pesca em alto mar e atividades de mergulho.
251. No Sri Lanka, o IPEC planejou um programa de ação para prevenir o
recrutamento forçado de crianças e jovens por grupos combatentes. Naquele
país, as províncias das regiões Norte e Leste são atingidas por conflitos armados,
que resultam no deslocamento em larga escala da população civil. O planejado
programa de ação de Sarvodaya, para evitar o trabalho infantil, concentrar-seá
em algumas regiões do Norte e do Leste do Sri Lanka, particularmente nos
campos internos de refugiados.
252. No início de 2001, o IPEC lançou um programa para a eliminação da
exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil e no Paraguai. O
Programa visa identificar falhas nos atuais sistemas legais sobre o assunto e
incorporar recomendações para a melhoria da legislação no âmbito nacional.
Busca também produzir informações fidedignas relativas à exploração de
crianças no comércio do sexo, inclusive possíveis redes de tráfico de crianças,
que possam ser usadas na concepção e implementação de intervenções públicas
nessa área. O projeto está estrategicamente instalado nas áreas limítrofes dos
dois países, cobrindo Foz do Iguaçu, no Brasil, e Cidade do Leste, no Paraguai.
Prevê uma ampla cooperação entre os vários setores dos governos nacionais e
locais, parceiros sociais e organizações da sociedade civil. O IPEC tem
pesquisado também redes de aliciamento de trabalhadores infantis, na região
andina, para serviço doméstico.
253. Nos meados de 1997, com o apoio do Reino Unido, o IPEC lançou seu
projeto de combate ao tráfico de crianças e sua exploração na prostituição e em
outras formas intoleráveis de trabalho infantil na sub-região do Mekong. Uma
primeira fase do projeto previa um programa de pesquisa das causas primeiras
do tráfico na sub-região. Um relatório inicial proporcionou novos enfoques do
problema e sugeriu um programa de medidas efetivas para combater o tráfico.
As conclusões, juntamente com uma proposta de estrutura de ação da OITIPEC,
foram apresentadas numa reunião de consulta realizada em Bangkok em
julho de 1998. A finalidade da reunião – a que compareceu pessoal qualificado
do Cambodja, da China, da República Democrática Popular do Laos, da
Tailândia e do Vietnã, era garantir a titularidade de participação preliminar de
qualquer novo projeto e combater o tráfico como um problema de fronteiras e
sub-regional, com o compromisso de todos os cinco países.
254. Uma segunda fase do projeto, que começou em dezembro de 1999, visa
agora, de uma maneira mais ampla, a redução da exploração do trabalho de
mulheres e crianças, combatendo o tráfico no Alto Mekong. Ela está sendo
atualmente implementada pelo IPEC, em colaboração com o Programa de
Promoção de Gênero, da OIT.
255. Por várias razões, foi decidida a inclusão de mulheres no âmbito do projeto.
Primeiro, o tráfico para fins de exploração do trabalho – que é seletivo em
termos de gênero, uma vez que mulheres e meninas costumam ser mais
vulneráveis que homens e meninos – não pode ser eficazmente combatido com
O IPEC e o
trabalho forçado
na América
Latina
Tráfico de
crianças na subregião
do
Mekong
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 102
base em limites de idade. Costumam ser semelhantes as circunstâncias que
levam mulheres e meninas a serem vítimas do tráfico. Além disso, principalmente
em comunidades marginalizadas, muitas meninas menores de 18 anos e até
com 15 anos de idade costumam ser casadas ou estar além da idade da educação
compulsória e podem ser obrigadas a contribuir para a sua própria manutenção
ou para a manutenção de sua família. Segundo, o envolvimento de mulheres é
crucial em qualquer estratégia efetiva de combate ao tráfico de crianças. Medidas
a serem tomadas com relação às causas fundamentais do tráfico, como a pobreza
e a dissolução da família, têm mais probabilidade de serem sustentáveis quando
enfocam especificamente mães e, sobretudo, mulheres chefe de família que,
em geral, são as mais pobres das pobres. Terceiro, é fundamental o papel de
mulheres locais na ação comunitária de vigilância.
256. O projeto do Alto Mekong tem, por isso, um componente de capacitação
com vista à criação de um ambiente que favoreça o combate do tráfico de
mulheres e crianças de maneira eficiente. Foram criados mecanismos de
coordenação em níveis sub-regional, nacional e local, e prestada assistência
para que se introduzissem melhorias na legislação, na aplicação da lei e na
formulação de políticas. O projeto visa promover leis que adotem uma
metodologia congruente com o tráfico em cada um dos países interessados.
Em regiões-alvo, acompanhará o acesso de mulheres e crianças traficadas ou
que se encontram em situações de risco a serviços de valor real ou potencial .
O projeto baseia-se também na premissa de que o tráfico tem maiores chances
de ser evitado com a capacitação da família, particularmente de seus membros
femininos, para assumirem maior controle de suas vidas por meio de
subsistências mais produtivas e de uma gama mais ampla de oportunidades
econômicas. E será proporcionado treinamento a grupos escolhidos de
interlocutores sociais, entre eles membros do sistema judiciário e outros agentes
de aplicação da lei, funcionários do governo local e organizações de natureza
comunitária. Em cada país haverá um comitê assessor do projeto, composto de
representantes da OIT, do Governo, de organizações de empregadores e de
trabalhadores e de ONGs.
257. Trabalhadores migrantes, grupo enfatizado no Preâmbulo da Declaração
da OIT, correm o risco de acabar em situações de trabalho forçado. Nas duas
últimas décadas, a OIT estendeu sua assistência a muitos governos para melhorar
sua supervisão do recrutamento de trabalhadores migrantes e criar efetivas
estruturas políticas e legais14. Na Ásia, um programa regional, financiado pelo
PNUD, sobre migração internacional de trabalhadores (1986-93), facilitou o
intercâmbio de conhecimentos e fluxo de informações entre treze países sobre
tópicos como a seleção efetiva, o licenciamento e a regulamentação das atividades
de agências privadas de recrutamento; relação de órgãos que, segundo consta,
envolveram-se em práticas ilegais; adoção de um “contrato-modelo” comum e
fortalecimento dos serviços de adidos do trabalho no exterior. Programa
semelhante, mas de menor dimensão, foi executado pela OIT em seis países
árabes no início da década de 1990. Em 1994, a OIT criou uma rede informal
sobre mão-de-obra estrangeira na Europa Central e Oriental que gerava
informações sobre as melhores práticas em política de migração da força de
Capacitação,
reforma
legislativa,
aplicação da lei,
oportunidades
de renda
alternativa
Trabalho da OIT
com referência a
trabalhadores
migrantes ajuda
também a
combater o
trabalho forçado
14 OIT: Migrant workers, op. cit.
103 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
trabalho. Outro projeto, que resultou de um encontro regional da OIT/UHCR,
em 1992, reuniu os governos da Algéria, Marrocos e Tunísia com os governos
da Bélgica, França, Alemanha, Itália e Espanha para considerar programas
que reduzissem a necessidade de os magrebinos deixarem seus países em busca
de emprego no exterior. Mais recentemente, a OIT empreendeu também estudos
sobre o tráfico de migrantes em vários países, entre eles a República Tcheca,
a Hungria, a Lituânia e a Federação Russa, e proporcionou dados a consultas
que levaram as Nações Unidas a adotarem novos instrumentos sobre tráfico de
pessoas. A migração interna, que envolve trabalho forçado na Bolívia, está
sendo objeto de um projeto da Declaração financiado pelos Países Baixos.
258. O Programa de Promoção do Gênero, em colaboração com o Setor de
Migração, está também desenvolvendo um manual de “boas práticas”, com
vista à melhor preparação de mulheres que migram para o exterior e à sua
proteção contra formas exploradoras e abusivas de trabalho. Dando exemplos
específicos das melhores práticas e metodologias, juntamente com as razões de
seus sucessos, o manual visa alertar governos, membros da OIT e outros grupos
interessados para a importância de se estreitar a colaboração para a proteção
dos direitos de trabalhadoras migrantes, inclusive de não se sujeitarem ao trabalho
forçado.
259. Os esforços da OIT para eliminar o trabalho em regime de servidão no
Nepal têm envolvido uma gama de ações correlatas da Organização, iniciadas
nos últimos anos com o IPEC. Desde seu início no Nepal, em 1995, o IPEC
tem dado alta prioridade especificamente à eliminação do trabalho infantil em
regime de servidão e, em geral, ao trabalho em servidão. Para esse fim,
empreendeu uma série de atividades complementares, inclusive pesquisa,
assistência técnica para uma nova legislação que elimine o trabalho em regime
de servidão, seminários e atividades de projeto específicas nas regiões do país
em que o trabalho em servidão é mais generalizado. Com base nessa longa
experiência, o IPEC e o Programa InFocus para a Promoção da Declaração
elaboraram recentemente um projeto mais abrangente para combater o sistema
de trabalho em servidão.
260. Em agosto de 1998, o IPEC e o UNICEF lançaram um projeto comum
intitulado “Rumo à eliminação do trabalho infantil em regime de servidão no
Nepal”. O projeto foi apoiado por vários sindicatos italianos em colaboração
com a Confederação Italiana da Indústria (CONFINDUSTRIA) e
implementado nos distritos ocidentais do Nepal, onde crianças trabalhavam
como trabalhadores servis (kamaiya) em fornos de olarias, pedreiras, hotéis,
restaurantes e fábricas de tapete. O principal objetivo do projeto era aumentar
a capacidade das organizações de empregadores, de trabalhadores e de
organizações não governamentais para prevenir e combater o trabalho infantil
e para evitar, nas comunidades, o trabalho infantil em servidão, retirando crianças
escolhidas de condições de trabalho análogas à servidão e oferecendo alternativas
a elas e a suas famílias. O projeto desenvolveu-se com crianças entre 6 e 14 anos
de idade que trabalhavam em regime de servidão por dívida na agricultura, na
indústria e em diversões, com especial atenção dispensada às meninas.
Organizações de empregadores, de trabalhadores e não governamentais foram
responsáveis, cada uma delas, pela implementação de diferentes componentes
do projeto (ver mais adiante informações sobre iniciativas dos parceiros sociais).
Outras
atividades
relacionadas ao
tráfico, migração
e promoção do
gênero
Ação
coordenada
contra o trabalho
em regime de
servidão no
Nepal
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 104
261. Essas e outras atividades correlatas do projeto foram complementadas
por pesquisas e análises. Um estudo encomendado pela OIT analisou os fatores
que contribuíram para a perpetuação, no Nepal, do sistema de trabalho em
regime de servidão, e deu sua contribuição para a concepção de uma estratégia
conjunta para o desmantelamento da prática15. Propôs uma estratégia para
transformar a relação de kamaiya numa relação de trabalho assalariado, reduzindo
a dependência do empregador por força da dívida e identificando fontes
alternativas de crédito. Diferentes recomendações foram feitas ao Governo, a
sindicatos, a ONGs, a órgãos internacionais e a doadores bilaterais, identificando
diferentes papéis para esses diferentes interlocutores, numa estratégia global
para uma mudança estrutural.
262. Como parte dos esforços da OIT para incentivar o Governo do Nepal a
eliminar o trabalho em regime de servidão, foi organizado um seminário nacional
com o Ministério da Reforma Agrária e da Administração (MOLRM), em
novembro de 1999, para a execução de um plano nacional de ação contra o
trabalho infantil em regime de servidão. Participaram do evento muitas
organizações nacionais e internacionais, inclusive órgãos das Nações Unidas e
governos doadores. O seminário desenvolveu uma estrutura de ações e
recomendou uma série de intervenções para combater o trabalho em regime de
servidão, inclusive atividades de educação, formação e geração de renda;
desenvolvimento de política complementar; ação legislativa e preparação de
ratificação de convenções da OIT pertinentes ao tema. A OIT contribuiu com
ajuda técnica para a minuta do projeto (de abolição) do trabalho em regime de
servidão, em conformidade com as convenções da OIT sobre trabalho forçado.
Ajudou também o Ministério da Mulher, da Criança e do Bem-Estar Social
(MOWCSW) a identificar algumas falhas em leis relevantes ao tema, atualmente
existentes no país16.
263. Para consolidar esses cinco anos de experiência no Nepal, o IPEC, a
Unidade de Finanças Sociais e o Programa da Declaração trabalham agora
num projeto global para combater o sistema de trabalho em servidão. Tendo
em vista os esforços iniciais da OIT, valiosos, mas limitados e dispersos, o novo
projeto pretende atacar o trabalho em servidão e o trabalho infantil em servidão
de uma maneira mais holística, visando as famílias de trabalhadores em regime
de servidão. Além disso, uma recente emenda da Lei Sindical e a introdução de
salários mínimos para trabalhadores na agricultura antenderam parcialmente o
requisito de uma estrutura legal e institucional para complementar as questões
tratadas pelo projeto de lei sobre o trabalho em regime de servidão. O novo
projeto tem dois componentes principais, visando o primeiro à capacitação
institucional, inclusive o fortalecimento da capacidade das organizações de
trabalhadores na agricultura, e o segundo, apoio direto a trabalhadores em
regime de servidão e a suas famílias.
Reunindo os
ministérios afins
para atacar o
problema
Projeto global
no âmbito da
Declaração
soma-se aos
esforços
anteriores
15 S.Sharma, op.cit.
16 Nesse ínterim, foram elaborados, no Nepal, dois diferentes anteprojetos de lei sobre o tráfico,
um com a assistência do UNICEF e outro, com a assistência do Governo do Reino Unido. Na
elaboração desse anteprojeto, o Ministério da Mulher, da Criança e do Bem-estar Social
incorporara os elementos mais importantes dessas duas diferentes minutas, preparando uma
versão consolidada que foi submetida à apreciação do Ministério da Lei e da Justiça para revisão.
105 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
264. Outra abordagem temática do trabalho da OIT, com efeitos na eliminação
de trabalho em servidão, tem sido o uso de iniciativas de microcrédito para
melhorar o acesso de trabalhadores, em regime de servidão, ao mercado
financeiro. A Unidade de Finanças Sociais da OIT tem sido pioneira em técnicas
de microcrédito no campo do trabalho forçado, para a melhoria da condição
econômica de vítimas reais ou potenciais.
265. O contínuo diálogo entre membros da OIT e a busca de soluções
encontradas em comum acordo são aspectos decisivos da estratégia. As
instituições devem ser adaptadas ao meio cultural e às necessidades locais.
Embora ainda em fase inicial de desenvolvimento, a estratégia tem sido
particularmente importante no Sul da Ásia, onde um projeto novo e inovador
da OIT pretende usar essas técnicas para romper o ciclo da servidão por dívida.
Providências estão sendo tomadas para desenvolver na Ásia programas mais
abrangentes de microcrédito e de assistência, para atacar o problema em suas
raízes, que se acredita estar no funcionamento deficiente do trabalho rural e de
mercados financeiros.
266. Em 1994, a Unidade de Financiamento Social da OIT lançou um programa
de três anos, com apoio do Governo dos Países Baixos, com vista à prevenção
de formas exploradoras do trabalho ligadas a dívidas familiares. Planos de
microfinanciamento constituem o principal instrumento de um projeto que
cobre Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão. Seu objetivo fundamental é
induzir instituições de microfinanciamento a criar, testar e oferecer planos de
poupança e de empréstimos especificamente para famílias que correm o risco
de acabar em condições de trabalho em servidão.
267. A premissa em que se baseia o projeto é a de que um maior acesso a
serviços de financiamento no âmbito popular ou da aldeia pode reduzir a relativa
importância do proprietário da terra ou do empregador como emprestador de
dinheiro e, assim, minimizar a importância da dívida como causa de trabalho
em regime de servidão. Todavia, tendo em vista a existência do trabalho em
servidão ser devida a complexa teia de relações que não são exclusivamente
financeiras, o projeto inclui também outras áreas de atividade. Complementando
sua função essencial de prover microfinanciamento, organiza também apoio de
seguimento nas áreas da educação, da assistência médica primária, em atividades
geradoras de renda, na mobilização da opinião pública e na autonomia em
geral.
268. O projeto baseia-se em trabalho metodológico inicialmente executado
pela Unidade de Finanças Sociais no programa de normas e instrumentos para
a erradicação do trabalho em servidão (BEST), que examinou as circunstâncias
econômicas, financeiras e culturais que levam famílias empobrecidas a situações
de trabalho em regime de servidão. O componente pesquisa visa identificar de
que maneira a quitação da dívida por meio de serviços pode ser transformada
em servidão por dívida. A pesquisa está também enfocando práticas sociais
como o dote, que pode ser fator principal por trás da dívida de famílias afetadas.
Dispensa também atenção ao elo entre o fomento econômico e o fortalecimento
do diálogo social, quando se enfrentam situações de grave exploração do
trabalho.
A contribuição
de iniciativas de
microcrédito: a
utilização da
estratégia do
diálogo contínuo
Promovendo o
microfinanciamento
no Sul da Ásia
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 106
269. Embora a ênfase inicial tivesse sido posta na prevenção do endividamento,
uma reação muito positiva na Índia, Nepal e Paquistão à maneira de o projeto
atacar o trabalho em servidão contribuiu para uma mudança do enfoque para
a reabilitação de trabalhadores resgatados da servidão para evitar que retornassem
à mesma situação. Na Índia, o projeto está sendo implementado no Estado de
Andhra Pradesh, onde fortalecerá grupos de ex-trabalhadores em regime de
servidão e apoiará esforços para melhor identificação de possíveis bolsões de
trabalho em servidão. Outros estados indianos têm também manifestado
interesse de participar do projeto. Em Bangladesh, onde não há levantamento
oficial da situação do trabalho em servidão, o projeto concentrar-se-á
principalmente em situações em que dívidas familiares induzem formas
exploradoras do trabalho. Renovados esforços do governo do Paquistão no
combate ao trabalho em servidão serão apoiados por serviços de
microfinanciamento a trabalhadores recentemente resgatados da servidão. No
Nepal, o projeto complementará esforços do projeto acima referido, oferecendo
serviços de microfinanciamento a kamaiyas recentemente resgatados.
270. Outro tipo de trabalho da OIT com relação à eliminação do trabalho
forçado tem sido em programas de obras públicas. Em 1995, o Compromisso
3 da Declaração de Copenhague, da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Social e Programa de Ação para o Desenvolvimento Social, que tratou da
promoção do pleno emprego, renovou seu interesse pelo trabalho da OIT
relativo a programas infra-estruturais de emprego intensivo, iniciados na década
de 1970. Demonstrando como a construção e a manutenção de infra-estruturas
podem ser feitas com métodos de custo efetivo, baseado no trabalho, o Programa
da OIT de Investimento em Emprego Intensivo tem contribuído para criar
emprego sustentável com recursos locais disponíveis. O Programa ajuda a
construir capacidades na indústria nacional da construção, criando pequenas
empresas que geram empregos com a aplicação de métodos baseados no
trabalho. Preocupações iniciais com o possível uso do trabalho forçado ou
compulsório em planos como esse levaram a OIT a desenvolver meios de
introduzir a observância de normas fundamentais do trabalho como parte do
Programa.
271. Baseado em sua experiência adquirida em vários anos, o Programa tem
elaborado diretrizes gerais para políticas e práticas de mão-de-obra que incluem
, entre outras questões, sugestões específicas para assegurar que o trabalho em
programas de trabalho intensivo seja de fato voluntário17. Entre elas, estão a
promoção de envolvimento da comunidade em projetos e a constante supervisão
para assegurar a consecução dos objetivos do programa, juntamente com uma
série de salvaguardas que incluem: informar os trabalhadores sobre quanto
lhes será pago; instruí-los para verificar se o salário devido está sendo pago;
denunciar infrações e estar atentos a sinais de trabalho forçado, principalmente
quando há intermediários envolvidos. A contribuição da OIT nessa área pode
ser bastante útil em projetos patrocinados por outras organizações como o
Banco Mundial. De fato, o Banco reafirmou recentemente seu interesse por
projetos de obras públicas como fundamentais para sua nova estratégia de
Programas de
infra-estrutura
de empregos
intensivos
17 D.Tajman e J. de Veen: Employment-intensive infrastructure programs: Labour policies and practices
(Genebra, OIT, 1998).
107 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
proteção social. Do mesmo modo, a OIT tem assessorado, por muitos anos, o
Programa Mundial de Alimentos, como forma de evitar o trabalho forçado em
suas atividades de campo.
272. Do diálogo entre a OIT e seus membros surgem idéias para a assistência
e cooperação técnicas da OIT. O seguimento da Declaração propicia aos
governos a oportunidade de examinar suas próprias situações e solicitar
cooperação técnica. Organizações de empregadores e de trabalhadores podem
também sugeri-las. Em seu primeiro relatório anual sobre a Declaração, o
Governo do Nepal reconheceu a existência de uma prática tradicional de
servidão por dívida e descreveu as providências já tomadas para combatê-la. O
Governo aboliu então a prática por meio da lei e apelou para a comunidade
internacional para ajudá-lo, a ele, a sindicatos e ONGs a tomarem providências
para eliminá-la na prática. A OIT e outros doadores reagiram imediatamente.
Da segunda rodada de relatórios anuais surgiram pedidos de estudo para
determinar a extensão e a natureza do problema em Madagascar. A Secretaria
Internacional do Trabalho, com base em sua própria pesquisa, de seu trabalho
de promoção e elaboração das normas, pode também fazer sugestões.
273. Tendo em vista o elevado número de ratificações das Convenções 29 e
105, o sistema de supervisão pode desempenhar um papel ativo na sugestão de
idéias em matéria de cooperação técnica. O trabalho de duas importantes
comissões de inquérito, nas duas últimas décadas, uma concernente a denúncias
que envolviam o Haiti e a República Dominicana, no início da década dos
80 e, mais recentemente, outra com relação ao trabalho forçado em Myanmar,
já foi descrito neste Relatório. Desde 1990, denúncias feitas por representações
nos termos do artigo 24 da Constituição da OIT, com relação às convenções
sobre trabalho forçado, foram declaradas procedentes pelo Conselho de
Administração com referência ao Brasil (Convenções 29 e 105); Guatemala
(Convenções 29 e 105); Iraque (Convenção 105); Myanmar (Convenção 29) e
Senegal (Convenção 105). Na maioria dos casos, os governos foram advertidos
sobre problemas de trabalho forçado, na lei e na prática, e sobre medidas que
poderiam ser tomadas para resolver o problema.
274. Além disso, a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e
Recomendações e o Comitê da Conferência sobre a Aplicação de Normas
estudam regularmente uma série de problemas com base nas convenções sobre
trabalho forçado. O trabalho desse sistema de supervisão pode ser uma rica
fonte de idéias para a assistência ou cooperação técnicas que poderia ajudar os
governos – a pedido deles – a alcançar o objetivo de eliminar todas as formas
de trabalho forçado ou compulsório. Aqui são lembrados alguns temas
ressaltados por esses organismos com vista à geração desse tipo de idéias. Essa
metodologia temática com relação à cooperação técnica favoreceria também a
troca de informações entre países, acelerando assim a difusão de estratégias
bem-sucedidas.
275. Dados precisos não só contribuem para o desenvolvimento de sistemas
mais eficazes de combate ao trabalho em regime de servidão, mas também
proporcionariam uma sólida base para a avaliação da eficácia desses sistemas.
O sistema de supervisão chamou a atenção para a necessidade de mais pesquisas,
de banco de dados, estudos de caso e melhor metodologia estatística para se
Idéias a partir de
relatórios da
Declaração e do
sistema de
supervisão
Procedimentos
de supervisão
podem levar a
ação significativa
Trabalho em
servidão na Ásia:
Estatísticas,
programas de
resgate e
reabilitação,
aplicação da lei
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 108
conhecer a real incidência do trabalho em servidão na região asiática,
especialmente em Bangladesh, Índia e Paquistão. Tem também detectado a
necessidade de aplicação mais efetiva da lei. Um programa de cooperação técnica
poderia talvez ser criado em torno desses temas, focalizando em primeiro lugar
questões estatísticas e detalhada pesquisa sobre a natureza dos problemas, nos
setores específicos da agricultura e da indústria.
276. Na Índia, por exemplo, o Governo foi instado a empreender um
levantamento global, utilizando uma eficaz metodologia estatística decomposta
por gênero. O governo convocaria os serviços de um órgão independente para
ajudar a desenvolver essa metodologia e conduzir o levantamento. Semelhantes
preocupações foram expressas com relação a estatísticas sobre trabalho de
crianças e adultos em regime de servidão no Paquistão. Ambos os países
foram solicitados a produzir mais informações detalhadas sobre programas
para resgate e reabilitação de trabalhadores servis, e sobre dispositivos eficazes
de ação contra pessoas responsáveis pela instigação e perpetuação do trabalho
em regime de servidão.
277. Denúncias de trabalho forçado na agricultura, em plantações e em novas
áreas de desenvolvimento rural em regiões da Ásia e da América Latina têm
sido motivo de preocupações da Comissão de Peritos. O impacto dessas práticas
sobre grupos vulneráveis, como povos indígenas e outras minorias étnicas, é
um aspecto comum. Na Indonésia, por exemplo, há informações que sugerem
que o povo tribal dayak foi submetido a condições de servidão por dívida em
concessões de exploração florestal, em projetos de reflorestamento industrial e
em outros projetos ditos comunitários de desenvolvimento em Kalimantan
Oriental. Tem-se enfatizado a necessidade de formas tradicionais de salvaguarda
do uso e da ocupação da terra, e aumenta o número de medidas de proteção
como inspeções, investigações ou supervisão, especialmente com relação a
salários realmente pagos, ao funcionamento de armazéns de empresa, aos
sistemas de faturamento em uso nesses armazéns e outros aspectos das
condições de trabalho no setor florestal.
278. Na América Latina, a constante atenção dispensada pelos órgãos de
supervisão da OIT à situação de trabalhadores migrantes haitianos na República
Dominicana levou a uma série de serviços de consultoria técnica e a atividades
de cooperação técnica relativos a métodos de recrutamento; estabilização da
força de trabalho da plantação; publicidade de acordos entre estados; pagamento
de salários e contratos de emprego; liberdade de ir e vir dos trabalhadores de
plantações; não retenção de documentos do trabalhador e regularização da
situação de haitianos que vivem há muito tempo na República Dominicana.
Desde esse tempo, o Governo da República Dominicana vem procurando
resolver esses e outros problemas correlatos, em estreita colaboração com a
OIT; os resultados já foram descritos mais acima neste Relatório.
279. No Brasil, onde denúncias de trabalho forçado e de servidão por dívida
em zonas rurais têm sido feitas pela Central Latino-Americana de Trabalhadores
(CLAT) e pela ICFTU, os órgãos de supervisão têm-se concentrado nas falhas
da própria legislação e, especialmente, em sua inadequada aplicação. Embora a
legislação tenha recentemente aumentado as penas por práticas de trabalho
forçado, continuam as preocupações com a eficácia da inspeção e com a
Trabalho
forçado na
agricultura,
silvicultura e em
zonas rurais
remotas
109 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
incapacidade de impor sanções, particularmente nas zonas rurais. A inspetoria
do trabalho, sozinha, não tem condições de combater e suprimir casos de trabalho
forçado : precisaria apoiar-se num forte sistema judicial capaz de impor aos
infratores pesadas penas num período razoável de tempo. O Governo tem sido
instado a considerar a adoção de uma legislação consolidada sobre trabalho
forçado, estabelecendo responsabilidades civis e penais nesses casos e dotando
os procuradores do trabalho da necessária competência para mover ações
criminais contra pessoas que sujeitam outras a práticas de trabalho forçado.
Essas medidas poderiam vir a fazer parte de uma iniciativa mais ampla de
cooperação técnica.
280. No Paraguai e no Peru, as preocupações têm-se concentrado na
imposição de trabalho forçado a povos indígenas. No Paraguai, onde uma
comunicação da Confederação Mundial do Trabalho (WCL), em 1997, indicava
que as condições de trabalho de pessoas indígenas em fazendas sugeriam uma
extensa prática de trabalho forçado, o Governo foi solicitado a dar informações
sobre a possibilidade de criar serviços adequados de inspeção do trabalho em
áreas com alta concentração de povos indígenas. No Peru, onde uma
comunicação também da WCL, de 1997, referia-se a práticas de trabalho forçado
que envolviam povos indígenas na região amazônica, o governo foi solicitado
a dar informações sobre as medidas que pretendia tomar para remediar a situação
e sobre as sanções a serem impostas.
281. Os comentários dos órgãos de supervisão têm sido muitas vezes – mas
nem sempre – seguidos de importantes iniciativas do governo interessado e de
assistência técnica da OIT. Uma pesquisa mais sistemática poderia acompanhar
as questões inicialmente levantadas pelo mecanismo de supervisão, identificar
tendências recentes e possíveis intervenções de política e de projeto com vista
a melhorias. A OIT partiu recentemente para pesquisas dessa natureza na Bolívia
e no Peru. Na Bolívia, num projeto iniciado sob o impulso da Declaração e
com financiamento dos Países Baixos, a ênfase foi posta nas condições de
recrutamento e de emprego de trabalhadores migrantes e sazonais na agricultura
comercial nos baixios orientais. No Peru, a pesquisa concentrou-se
principalmente nas práticas coercitivas com relação à extração mineral.18.
282. Em regiões da África, os órgãos de supervisão da OIT tem-se ocupado
de práticas análogas à escravidão. Um exemplo é a Mauritânia, onde problemas de
formas contemporâneas de escravidão continuaram a ser denunciados na década
passada. Em recomendações para eliminar práticas análogas à escravidão, o
enfoque tem sido posto na reforma legislativa; por exemplo, foi proposta a
extensão da proibição de toda forma de trabalho forçado a relações de trabalho
que possam ter existido desde épocas históricas. O projeto que está sendo
lançado agora sob a égide da Declaração, com apoio financeiro da França, terá
Práticas
análogas à
escravidão na
África
18 A Federação Nacional de Mineradores, Metalúrgicos e Trabalhadores na Indústria de Ferro e
Aço do Peru (FNTMMSP) teceu comentários sobre alegadas práticas desonestas de contratação
por particulares, conhecidas como enganches, na sua maior parte em Puno e Cuzco, que recrutam
para empresas mineradoras concessionárias da Diretoria Nacional de Minas. Ver Report of the
Committee of Experts, 1999. Em estudo recente foram estudados aspectos de trabalho forçado de
mineração na região do altiplano do Peru: E. Romero: Trabajo forzoso en la minería artesanal de oro
en el Perú – El caso de la Mina La Rinconada Puno (manuscrito, 2000).
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 110
alcance maior, levando em consideração o contexto socioeconômico na busca
de meios de superar obstáculos à eliminação do trabalho forçado. Projeto
semelhante em Benin, iniciado em 2000, inclui também o trabalho forçado,
entre outras matérias.
283. No Sudão, há amplas referências à escravidão e ao rapto no contexto do
conflito armado. O Governo tem falado de esforços que estão sendo feitos
para investigar e resolver as contínuas alegações de escravidão e de práticas
análogas à escravidão, como as levantadas pelo ICFTU em 1999. Consultas
entre o Governo e a OIT estão explorando meios de a cooperação técnica
poder contribuir para atacar a questão de uma maneira prática.
284. O tráfico, tanto de crianças como de adultos, tem sido vez por outra
abordado em observações de determinados países. Um exemplo é Bangladesh,
onde o Governo se referiu a aumento do fenômeno do tráfico, principalmente
para a prostituição19. Questões levantadas sobre penas impostas à prática de
trabalho forçado, e sobre sua aplicação, assim como diferentes iniciativas do
governo, poderiam conter o germe de uma idéia de projeto que abrangesse
ampla gama de atividades.
Tráfico para fins
de trabalho
forçado
19 Comitê das Nações Unidas sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, Concluding
observations of the Committee on the Elimination of discrimination against Women: Bangladesh, Nova
Yorque, 17ª Reunião, 7-25 de julho de 1997.
111 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
285. Apesar de muitas declarações sobre políticas, endossando o princípio da
eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório, tenham
sido feitas por organizações de empregadores e de trabalhadores, muitas vezes
o tópico não tem estado no centro de suas próprias atividades. Isso pode
simplesmente refletir a falta geral de interesse por problemas de trabalho forçado
nos fóruns internacionais e nacionais em geral, ou o baixo grau de atuação nos
setores econômicos ou em áreas geográficas onde o fenômeno é mais
encontrado. Restrições à liberdade de associação de trabalhadores na agricultura
e no serviço doméstico, em muitos países20, inibem que as organizações de
trabalhadores façam alguma coisa sobre o trabalho forçado. O próprio tema
pode parecer fora das preocupações diárias de empregadores organizados. Não
obstante, têm-se registrado recentes progressos, tanto da parte de organizações
de empregadores como de trabalhadores.
286. Na Conferência Internacional do Trabalho e em outras reuniões,
organizações de empregadores de todo o mundo têm condenado vigorosamente
o uso do trabalho forçado. O trabalho dessas organizações em seus próprios
países para promover práticas sadias de comércio e de trabalho sadias poderia
certamente contribuir para a prevenção de situações de trabalho forçado.
Projetos para fortalecer essas organizações e criar uma conscientização em
torno dessas questões de responsabilidade social podem ser assim considerados
como apoio indireto aos objetos da Declaração da OIT e de seu seguimento,
inclusive, evidentemente, à eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou compulsório. Organizações de empregadores e a OIT poderiam prestar
serviços de consultoria a empregadores ou a donos de terra que buscam
alternativas para o trabalho forçado, uma vez detectado.
287. O “Global Compact”, dispositivo de parceria comercial do sistema das
Nações Unidas, é uma excelente oportunidade de ajudar o empresariado a
5. Envolvimento dos parceiros
sociais
O trabalho
forçado, embora
severamente
condenado, não
tem sido
prioridade
máxima de
atividades
Empregadores
têm, há muito
tempo,
assumido firme
posição contra o
trabalho forçado
20 OIT: Your voice at work, op. cit
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 112
compreender como ele pode, inconscientemente, estar contribuindo para a
existência do trabalho forçado. Oferece também fontes de informação sobre
como gerir um empreendimento comercial, de serviço ou agrícola, de maneira
a evitar o surgimento de servidão por dívida ou outras formas de servidão no
trabalho. Isso pode envolver pressão sobre governos para modificar algumas
condições estruturais, como política de preços ou de taxação que esteja
possivelmente desestimulando o emprego de trabalho em condições de plena
liberdade. A Organização Internacional de Empregadores (IOE) está preparando
módulos de treinamento para seus membros sobre o tema do “Global Compact”,
que compreenderá, naturalmente, a eliminação de todas as formas de trabalho
forçado ou compulsório.
288. Códigos de conduta adotados por empregadores por sua própria iniciativa
contêm muitas vezes referências diretas ou indiretas à prevenção do trabalho
forçado em sua cadeia de produção21. O Programa da OIT sobre Administração
e Cidadania Empresarial está estudando o crescente número e variedade de
códigos e pesquisando os métodos usados pelas empresas para alcançar seus
objetivos de política de trabalho, com especial atenção às empresas em países
em desenvolvimento. Uma área correlata de trabalho está considerando meios
de ajudar as empresas a aumentar sua produtividade e competitividade com a
melhoria de seus desempenhos sociais, observando os princípios básicos
incorporados às normas internacionais do trabalho.
289. As empresas às vezes negociam iniciativas privadas voluntárias com
organizações de trabalhadores. Por exemplo, em setembro de 2000, a União
Internacional de Associações de Trabalhadores em Alimentação, Agricultura,
Hotel, Restaurante, Abastecimento, Fumo e Congêneres (IUF), a Coordenação
Latino-americana dos Sindicatos de Produtores de Banana (COLSIBA), a
Federação Nacional de Trabalho das Filipinas e três empresas multinacionais
envolvidas na produção de banana emitiram um comunicado conjunto, no qual
manifestam seu compromisso com as convenções, entre outras, sobre trabalho
forçado. A Federação Internacional de Trabalhadores na Construção e na
Indústria Madeireira (IFBWW) e uma das maiores cadeias mundiais de móveis
no varejo concluíram um código de conduta sobre direitos dos trabalhadores,
inclusive a isenção de trabalho forçado, em regime de escravidão e trabalho não
voluntário nas prisões. O código especifica que os trabalhadores não devem ser
solicitados a fazer depósitos ou a deixar seus documentos de identidade como
garantia junto a seus empregadores22.
290. Com relação à eliminação do trabalho forçado, atividades empreendidas
por organizações de trabalhadores têm-se destacado principalmente nas áreas
de combate, pesquisa, organização, negociação e alianças. No campo
internacional, organizações de parceiros sociais têm certamente desempenhado
importante papel, denunciando, na Conferência Internacional do Trabalho e
Códigos de
conduta são
mais um
instrumento
21 J.Diller, “A social conscience in the global marketplace? Labour dimension of codes of
conduct , social labelling and investor initiatives”, em International Labour Review (Genebra), vol.
138, nº 2, 1999, pp. 99-129.
22 http://www.ifbww.org/~fitbb/INFO-PUBS – SOLIDAR/FaxNews-124.html (consultado
em 15 de dezembro de 2000).
Os sindicatos
têm
desempenhado
papel essencial
de vigilância
113 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
em outros fóruns, situações de trabalho forçado ou compulsório. Como já foi
dito, a Confederação Internacional de Sindicatos Livres (ICFTU), a
Confederação Mundial do Trabalho (WCL), a Federação Mundial de Sindicatos
(WFTU) e outros sindicatos internacionais, regionais e nacionais têm-se servido
ativamente do mecanismo de supervisão com relação ao trabalho forçado. Além
disso, a servidão por dívida tem sido desafiada conjuntamente por sindicatos e
ONGs, como a Internacional Antiescravidão. Grande parte dos esforços de
organizações de trabalhadores com relação ao trabalho forçado está ligada ao
trabalho infantil, particularmente nas áreas rurais e no serviço doméstico.
291. Entre os secretariados internacionais do comércio, a IUF tem procurado
meios de fazer alianças estratégicas com setores não assalariados e autônomos
nas zonas rurais. Como concluiu um estudo encomendado pela IUF,
“trabalhadores assalariados na agricultura tornaram-se aliados potenciais de
grupos rurais desfavorecidos, como camponeses de subsistência, posseiros,
meeiros, desempregados e os sem-terra... Durante a última década, muitas
organizações de camponeses tornaram-se mais fortes com relação à ampliação
de suas estruturas e ao apoio que receberam de outros grupos como sindicatos
e ONGs”23.
292. No âmbito nacional, várias organizações sindicais estão dando apoio a
cooperativas e organizações de pequenos proprietários, prestando-lhes serviço
e ajudando-as a se adaptarem às suas estruturas. Isso está acontecendo, por
exemplo, no Brasil, Costa Rica, Equador, Gana, Honduras, Índia, Mali,
Nicarágua, Níger, Filipinas e Togo24. O fortalecimento de organizações
participativas faz parte da estratégia perseguida por organizações de
trabalhadores, com vista à rigorosa observância de normas de trabalho
incorporadas em políticas sobre agricultura sustentável.
293. Organizações de trabalhadores em nível nacional desempenham às vezes
importante papel no registro de problemas de trabalho forçado. Um exemplo é
uma publicação da Federação do Trabalho de Todo o Paquistão (APFOL)25, de
1998, sobre trabalhadores em regime de servidão em olarias no Paquistão.
Esse estudo examina o cumprimento de uma decisão de 1989 da Suprema
Corte, com vista a pôr um fim no trabalho em servidão na indústria de tijolos
e em outros setores econômicos. Repassa iniciativas do governo sobre a matéria
e apresenta também as conclusões de um próprio levantamento da APFOL por
amostragem, cobrindo 74 olarias na área de Rawalpindi e Islamabad, no final
de 1997. O estudo faz uma série de recomendações concernentes a: extinção de
dívida; necessidade de fortalecer comitês de vigilância e programas de educação
e treinamento. Embora ressalte a responsabilidade do Estado, o estudo enfatiza
também a necessidade de uma opinião pública esclarecida para a eficácia da
ação contra o trabalho forçado. “É dos sindicatos e de suas federações a
Organizações de
trabalhadores
atuam em
âmbitos local e
nacional
23 IUF: Land and Freedom, capítulo sobre “Summary of key issues”, http://www.inf.org/iuf/
lf/01.htm
24 IUF: ibid.
25 Federação do Trabalho de Todo o Paquistão: Bonded Brick Kiln Workers – 1989 Supreme Court
Judgement and After (Islamabad, 1998, Khurshed Printers).
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 114
responsabilidade final pela tomada de iniciativas e de vir em socorro dos infelizes
irmãos nas olarias, criando uma conscientização sobre sua situação e moldando
a opinião pública em seu favor, porque os trabalhadores nas olarias pertencem
à sua grei. É uma tremenda responsabilidade e um grande desafio a serem
aceitos pelos sindicatos”26.
294. Na Índia também, há sinais de que os sindicatos começam agora a vir
em apoio de trabalhadores em regime de servidão. Numa importante
recomendação, o Grupo de Estudo da Índia sobre Trabalho em Servidão, já
citado neste Relatório, insta a que se envidem esforços para a organização desses
trabalhadores tanto em âmbito local como nacional. Em setembro de 2000,
representantes dos maiores sindicatos nacionais da Índia e ativistas sociais
fizeram uma consulta nacional sobre trabalho forçado, a Declaração da OIT e
mecanismos de informação. Decidiram criar um órgão consultivo permanente,
para colaborar nos esforços para a abolição do trabalho forçado e da servidão
por dívida na Índia, e constituir sindicatos em setores onde há trabalhadores
em servidão. Os meios de comunicação em níveis nacional e locais foram
instados a dar especial atenção à incidência do trabalho em servidão e aos
transtornos infligidos por empregadores a ativistas que lutam contra o trabalho
em servidão27.
295. Na América Latina, organizações de trabalhadores no Brasil têm dado
assistência a vítimas do trabalho forçado. Essa ajuda tem assumido muitas
formas, que vão da assessoria política a programas específicos de apoio a
campanhas públicas. Em meados da década dos 90, representantes de sindicatos,
inclusive da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG),
participaram do Fórum Nacional contra a Violência, juntamente com
funcionários do Governo e membros de organizações de direitos humanos.
Sindicatos locais têm participado também de importantes campanhas de
conscientização para alertar potenciais trabalhadores migrantes para o perigo
de se deslocarem para regiões remotas.
Consulta
nacional sobre
trabalho em
servidão resulta
em ação.
Quadro 5.1
Dia da Abolição da Escravidão – 2 de dezembro
2 de dezembro é o Dia Internacional da
Abolição da Escravidão.
Na ocasião, em 2000, o Secretário-Geral das
Nações Unidas, Kofi Annan, comentou que “Novas
formas de escravidão, como exploração sexual de
crianças, trabalho infantil, trabalho em regime de
servidão, servidão, trabalho migrante, trabalho
doméstico, trabalho forçado, escravidão para fins
rituais ou religiosos e tráfico são um grande desafio
para todos nós”. Ele saudou todos aqueles que se
comprometeram com a extinção da escravidão em
suas várias formas.
Fontes: The Hindu, 3 de dezembro de 2000. “Press release” em http://www.unhcr.ch
Em seguida a uma decisão tomada numa
primeira consulta nacional de dois dias, que
envolveu governo, sindicatos e organizações não
governamentais na Índia, ocorreram celebrações
para comemorar o dia 2 de dezembro como o Dia
Nacional do Trabalho não Forçado. Reuniões,
seminários e campanhas de conscientização pública
e petições que marcaram a ocasião exigiam a
abolição, na prática, do trabalho em regime de
servidão.
26 ibid.
27 Centro de Educação e Comunicação: Trade Union-NGO Consultative Body to fight for the abolition
of forced labour in India, “press release” (Nova Delhi, 26 de setembro de 2000).
115 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
296. Organizações de empregadores e de trabalhadores estão também
desempenhando papel cada vez maior em projetos da OIT que visam a
eliminação do trabalho forçado. A título de exemplo, a estratégia da Unidade de
Financiamentos Sociais, que trata do trabalho em servidão, baseada no consenso,
busca o envolvimento de parceiros sociais em seus projetos. A iniciativa de
Parceiros Sociais da Itália no Nepal, executada sob os auspícios do Programa
IPEC, para atacar o trabalho infantil em regime de servidão no sistema kamaiya,
indicou componentes a ser empreendidos respectivamente por organizações
de empregadores e de trabalhadores. Trata-se de uma abordagem particularmente
construtiva: não só assegura que a eliminação dessa forma de trabalho em
servidão tenha alguma visibilidade no diálogo social no âmbito nacional, mas
também reforça o envolvimento de organizações de empregadores e de
trabalhadores na implementação do projeto.
297. Nesse projeto, a OIT e o Congresso Sindical do Nepal (NTUC) acordaram,
em maio de 1999, um programa de ação para eliminar a servidão por dívida de
crianças em hotéis, restaurantes e em indústrias de tapete, nas regiões de
Katmandu, Lalitpur, Bhaktapur, Chitwan, Kaski e Dang. O projeto alcançou
cerca de mil crianças, migrantes e não migrantes. A estratégia consiste em tirar
crianças do trabalho e reabilitá-las, apoiando sua educação, formação vocacional
e desenvolvimento de microempresa. Um comitê de assessoria inclui
representantes de vários setores do Governo, da indústria, de parceiros sociais
e da sociedade civil.
298. No mesmo ano, a OIT e a Federação Geral de Sindicatos Nepaleses
(GEFONT) firmaram um acordo para mais um programa de ação para a
eliminação do trabalho infantil em servidão no Oeste do Nepal. O projeto foi
iniciado em junho de 1999, com a seleção de assistentes sociais para cada um
dos cinco distritos e a criação de até 15 comitês de desenvolvimento comunitário
para a execução do programa. Esses comitês organizaram encontros de massa
com a Frente Kamaiya de Libertação (LKF) para promover a conscientização
sobre o trabalho infantil em servidão e o trabalho em regime de servidão em
geral. A GEFONT organizou também cinco seminários sindicais em diferentes
distritos para desenvolver ações contra o trabalho em servidão e encorajar o
pagamento do salário mínimo a trabalhadores na agricultura. Tem-se envolvido
também em campanhas pela legislação e para identificar famílias kamaiyas com
vista à criação de cooperativas.
299. Essas iniciativas, embora ainda não generalizadas, ilustram como o
envolvimento de organizações de empregadores e de trabalhadores em projetos
para combater o trabalho forçado pode reforçar seu impacto.
Parceiros sociais
são envolvidos
em projetos da
OIT
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 116
300. Neste primeiro Relatório Global sobre a eliminação de todas as formas
de trabalho forçado ou compulsório, é importante tirar algumas lições
fundamentais da experiência passada, principalmente, com vista ao futuro.
301. Em alguns períodos históricos, a OIT desempenhou significativo papel
na erradicação do trabalho forçado e das condições que o favoreciam, usando
vários meios à sua disposição. Uma estrutura de normas foi essencial para
prover a base legislativa e o consenso social, em torno dos quais pudesse ser
construído um programa de atividades promocionais. Nos casos em que os
problemas em geral eram rurais, a OIT pôde lançar programas para a promoção
e proteção dos direitos do trabalhador rural e complementá-los com específicas
intervenções de emprego e desenvolvimento.
302. Há um perigo inerente de dispersão de recursos já escassos e de se
prometer mais do que pode ser dado. O Programa Indígena Andino, das décadas
de 1960 e 1970, pode ser considerado como um caso de sucesso porque, embora
tivesse objetivos sociais e de desenvolvimento relativamente amplos, tinha uma
população-alvo num número determinado de países e gozava do apoio dos
governos e de parceiros sociais da região. Nesse contexto, a OIT tornou-se
agência líder das Nações Unidas na adoção de novas normas internacionais
sobre trabalhadores rurais e na promoção da participação de muitos e diversos
órgãos internacionais num programa coordenado. Os aspectos rurais do
Programa Mundial do Emprego e, mais recentemente, o programa do IPEC
tiveram aspectos semelhantes, com uma mistura de normas pertinentes de
pesquisa e cooperação técnica com objetivos específicos e realistas.
303. O trabalho forçado tem-se revelado um difícil problema de ser tratado,
devido a suas próprias características e também à relutância de muitos governos
em reconhecer o problema. Mas o recente exemplo do Nepal, que decretou a
abolição do trabalho em servidão e está pedindo o apoio imediato da OIT para
sua efetiva erradicação, mostra o quanto pode ser feito na atual situação. Mas
6. Avaliação da eficácia:
comentários finais
Tirando lições
do passado
117 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
mesmo com vontade política, a própria identificação de um problema e a
promoção da conscientização social sobre a necessidade de combatê-lo pode
impor difíceis desafios.
304. Tudo isso sugere a urgente necessidade de ação em todos os planos, com
a utilização de uma série de instrumentos. A natureza do moderno trabalho
forçado exige um programa verdadeiramente global de conscientização, apoiado
em detalhada pesquisa e desenvolvimento de adequados métodos estatísticos
para identificar os problemas e suas dimensões. Programas específicos e precisos
de cooperação técnica em regiões específicas poderiam eliminar as raízes
estruturais do trabalho forçado; fortalecer as organizações profissionais que o
desafiam; conduzir amplas campanhas contra ele; e criar e fortalecer a
administração do trabalho e instituições da justiça penal, necessárias para apoiar
a aplicação de políticas visando a punição dos culpados. Há a necessidade paralela
de incorporar essas iniciativas à agenda mais ampla do trabalho decente, antes
de tudo, para evitar que o trabalho forçado volte a aparecer.
Requer-se ação
em todos os
planos
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 118
119 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Parte III. Rumo a um plano de
ação contra o trabalho forçado
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 120
305. O trabalho forçado em si não tem realmente atraído a atenção mundial.
Ele assume formas diferentes – e seus aspectos comuns poderiam, à primeira
vista, parecer abstratos. Mas o trabalho forçado ou compulsório produz
manchetes quase diariamente, com casos de tráfico de pessoas, cárcere privado
em regime de exploração e em condições análogas à escravidão em algumas
plantações e mesmo em residências particulares. A gravidade de alguma das
situações descritas neste Relatório clama por um programa conjunto de ação
internacional, no qual, em alguns casos, a OIT pode assumir a direção. Esta
parte final apresenta algumas idéias de como esse programa de ação poderia ser
desenvolvido e de como seriam sua metodologia geral e seus diferentes
componentes. Uma concentração de esforços incluiria o trabalho forçado e
compulsório mais solidamente na agenda de governos, de membros da OIT e
da comunidade internacional em geral.
1. A necessidade de um
plano de ação conjunto
Concentração de
esforços para
pôr a questão na
tela do radar
121 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
306. O primeiro desafio é promover a conscientização sobre o trabalho forçado
em todas as suas formas entre os próprios membros da OIT e órgãos
internacionais de desenvolvimento. É uma tarefa complexa, mas de vital
importância. Para que avanços reais sejam feitos, é imperativo que a comunidade
global compreenda que:
n a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório é
um pré-requisito para o alcance de objetivos mais amplos de
desenvolvimento, como a agricultura sustentável e a redução da pobreza
de homens e mulheres em todos os setores;
n o trabalho forçado é um problema contínuo de graves proporções, e não
uma simples relíquia dos tempos passados;
n a ação é exigida em várias frentes.
307. Um primeiro passo essencial é que os estados-membros devem ser
ajudados a identificar a natureza e a dimensão do trabalho forçado em seu
território e através de suas fronteiras nacionais. Como observaram os peritos
numa primeira avaliação de relatórios anuais referentes à Declaração, foi
confortante o fato de alguns países terem reconhecido o problema. Essa
franqueza merece uma resposta positiva. Assim, pôde a OIT acorrer rapidamente
em apoio ao novo programa do Nepal contra o trabalho forçado. A segunda
avaliação anual trouxe novas declarações de interesse pela realização de
detalhadas investigações das formas de trabalho forçado registradas, e também
estas merecem apoio. Madagascar é um caso típico.
308. No contexto de respostas a esses pedidos, a OIT tem agora a oportunidade
de lançar um novo programa concentrado de coleta de dados, de pesquisa,
análise, promoção de conscientização e atividades práticas. Importantes tarefas
2. Alcance de um plano de ação
da OIT contra o trabalho
forçado: considerações finais
Primeiro passo:
promover a
conscientização
e a identificação
do problema
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 122
de análise precisam ser ainda empreendidas para captar as diversas facetas do
trabalho forçado. Vários estados-membros têm indicado que precisam de ajuda
mesmo para identificar a natureza do problema e prover dados pertinentes (por
exemplo, Madagascar). O desenvolvimento de adequadas técnicas e
metodologias de levantamento, adaptadas a diferentes economias, seria em si
mesmo valioso exercício.
309. Haverá sempre uma diferença entre abordagens graduais e mais radicais
na eliminação do trabalho forçado ou compulsório em diversos cenários culturais.
Alguns dilemas foram identificados na discussão do trabalho em servidão na
Ásia. Qual o papel de um financiamento social, quando sistemas coercitivos de
trabalho estão profundamente enraizados nas estruturas econômicas e até
políticas que protegem as elites? Que acontece quando um órgão internacional
ou uma ONG quer resgatar trabalhadores em regime de servidão ou escravos
quitando suas “dívidas”? Qual a utilidade de se erradicar o trabalhador em
servidão por meio de leis, sem adotar políticas de seguimento para assegurar o
resgate, a reabilitação e o emprego alternativo e sua subsistência a longo prazo?
Questões dessa natureza são muito freqüentes com relação à eliminação
sustentável do trabalho forçado.
310. Apesar dessas advertências, parece haver fortes argumentos em favor de
um plano de ação coordenada pela OIT para ajudar estados-membros na
erradicação do trabalho forçado ou compulsório. Alguns estados-membros
podem querer tratar, separadamente, problemas como trabalho forçado na
agricultura, trabalho doméstico ou no setor informal: trabalho em servidão;
tráfico para fins de trabalho forçado e outras questões. Podem querer enfatizar
inicialmente métodos estatísticos e coleta de dados para avaliar a incidência do
trabalho forçado em diferentes setores da economia; ou podem precisar de
assistência para reforma legislativa e cooperação entre países na aplicação de
leis. Como costuma acontecer na maioria dos casos, podem pedir ajuda para o
fortalecimento da inspeção do trabalho e de sistemas judiciais para processar
os responsáveis. Há estados-membros que podem ainda querer dar prioridade
a programas de prevenção, identificando as pessoas que correm mais risco e
procurando desenvolver formas alternativas de subsistência. Podem e devem
prover uma estrutura legislativa para promover iniciativas de organizações de
trabalhadores afetados pelo trabalho em servidão. Programas-piloto e setoriais
podem preparar o terreno para subsistências alternativas de pessoas resgatadas
de situações de trabalho forçado. Qualquer que seja a ênfase escolhida, a
estratégia global deve incluir:
n identificação do problema (levantamentos, mapeamentos);
n promoção da conscientização (que envolve o público em geral, as vítimas
e os perpetradores do vício);
n prevenção (advertências específicas, mecanismos de investigação, políticas
e ação que evitem o trabalho forçado);
n soluções (resgate, reabilitação, etc.);
n punição dos responsáveis.
311. De uma maneira complementar, a OIT precisa tornar mais visíveis suas
iniciativas para que se torne uma realidade concreta seu compromisso de prestar
cooperação técnica nos termos da Declaração e de seu seguimento. No âmbito
Uma série de
intervenções
possíveis
123 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
nacional pode concentrar-se, ao máximo, numa primeira fase, num número
limitado de situações de maior gravidade, onde o governo tenha demonstrado
vontade política de resolver o problema. Concentrar a publicidade em casos
extremos pode também aumentar a compreensão do que é o trabalho forçado,
uma vez que a expressão é às vezes utilizada em sentido muito vago, para se
referir a uma ampla gama de condições de trabalho abaixo dos padrões normais.
Dando mais
visibilidade ao
trabalho da OIT
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 124
312. Um programa efetivo contra formas contemporâneas de trabalho forçado
exige sério compromisso global de muitas organizações das Nações Unidas e
de seus órgãos especializados, e de organismos regionais e bancos de
desenvolvimento. Problemas persistentes de trabalho forçado ou coercitivo
podem estar ligados a instituições agrárias que precisam urgentemente de
reforma do ponto de vista de uma agricultura sustentável, de produtividade e
de direitos humanos. O tráfico de pessoas, embora apresente dimensões do
trabalho forçado de direta preocupação da OIT, precisa também ser tratado
sob outras perspectivas. A ação da OIT de combate ao trabalho forçado pode
apoiar esforços de outras instituições, mas somente se esses tiverem uma maior
consciência da questão.
313. A menos que a OIT atue em estreita colaboração com órgãos parceiros,
sua ação terá impacto limitado sobre muitas dessas questões. Pode assumir
uma posição de liderança com relação aos aspectos do trabalho e do emprego,
mas em muitos casos não poderá agir sozinha. Requer-se muito esforço para
aumentar a conscientização internacional das dimensões do trabalho
compulsório e dos fenômenos relativos a aspectos do mercado de trabalho
ligados a ele estreitamente. A OIT pode continuar a oferecer seus conhecimentos
especializados em trabalho forçado a instituições de desenvolvimento que
tiverem declarado sua disposição de pôr fim a essas práticas em suas próprias
atividades. Diretrizes mais detalhadas poderiam ajudá-las a instruir governos e
empresas privadas sobre as formas de não contribuírem, mesmo
involuntariamente, para o surgimento de novos sistemas de trabalho forçado
ou para a perpetuação dos antigos.
3. Trabalho forçado: uma
responsabilidade global e comum
Há necessidade
de um
compromisso
global
125 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
314. Faz-se necessário um programa de pesquisa sob medida para identificar
os precisos fatores locais, sociais, culturais e econômicos que, em alguns países
e em certas circunstâncias, geram trabalho forçado ou lhe dão sustentação.
Ninguém, ao que parece, argüiria que o uso do trabalho forçado é uma
proposição economicamente viável para qualquer estado. Na realidade, os
estados estão obrigados a eliminá-lo. A liderança do mundo dos negócios está,
em geral, também comprometida com a erradicação de sistemas de trabalho
forçado. Mas algumas formas de trabalho forçado podem ser altamente lucrativas
para gangues e indivíduos que, em seu comportamento, desconhecem princípios
da dignidade humana. Uma compreensão mais profunda de como funciona, na
prática, o trabalho forçado pode abrir caminho para uma ação mais eficiente
contra seus autores. O seguimento da Declaração oferece aos países a
oportunidade de avaliar a situação, envolver parceiros sociais, rever a legislação
nacional, identificar a ação necessária, fazer alianças para empreendê-la e se
engajarem num movimento de conscientização.
315. É também importante indicar, com mais precisão, quais grupos da
população, por gênero, idade e origem étnica, são os mais atingidos. É muito
conhecida a vulnerabilidade de crianças ao trabalho forçado ou compulsório.
Há motivos para crer que mulheres e homens diferem em seus riscos particulares
de novas e diferentes formas de coerção. E há prova de que povos indígenas e
outras minorias raciais ou étnicas são especialmente vulneráveis. A incidência
de trabalho forçado entre esses grupos, em diferentes regiões, assim como suas
atitudes e mecanismos de defesa precisam ser documentados de uma maneira
mais sistemática. A Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo,
a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, a se
realizar entre 28 de agosto e 1 de setembro de 2001, em Durban, pode oferecer
mais uma fonte de informação capaz de fazer avançar o estado de conhecimento
sobre o trabalho forçado.
4. Problemas específicos de
uma ação futura
Pesquisa e análise temáticas
Concentrando o
enfoque na
vítima do
trabalho forçado
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 126
316. Há também indicações de que o trabalho forçado e compulsório pode
facilmente afetar trabalhadores migrantes. O próprio programa operacional da
OIT tem, até agora, focalizado principalmente a migração internacional para
fins de emprego. Em âmbito nacional, em vários continentes, algumas formas
de migração interna, como por exemplo, a migração sazonal na agricultura
comercial ou a migração para as metrópoles para emprego em trabalho
doméstico, têm toda a probabilidade de estarem ligadas à servidão por dívida.
Essas questões precisam ser mais exploradas, e métodos de recrutamento e de
repatriação, sistemas de pagamento, condições de trabalho e de moradia e formas
de representações e de reparação devem ser examinados.
317. Pareceria que, em geral, os aspectos do mercado de trabalho forçado ou
compulsório não foram examinados à luz das condições atuais. Por que o
trabalho forçado ou compulsório persiste mesmo com estratégias de redução
da pobreza e de economias mais abertas? Até agora têm-se enfocado mais
fatores indutivos do que inibidores. Por que existe em alguns contextos de
pobreza e em outros não? Como medidas macroeconômicas mais amplas, como
maior flexibilidade do mercado de trabalho e políticas de ajuste, estão impactando
a incidência do trabalho forçado ou compulsório? Que pode ser feito no contexto
de uma política macroeconômica e setorial para evitar ou eliminar casos de
trabalho forçado ou compulsório? Como políticas de descentralização têm
impactado a capacidade dos governos de evitar, detectar e remediar o trabalho
forçado? A pesquisa que está sendo feita pelo Programa de Segurança
Socioeconômica da OIT sobre problemas e controle pode oferecer alguns
indicadores, mas resta muito ainda a ser feito.
Trabalho forçado e tráfico
318. Com tantos órgãos de direitos humanos, humanitários e de
desenvolvimento tratando agora de diferentes aspectos de tráfico de pessoas, é
importante identificar que lugar ocupa a OIT. A OIT está desenvolvendo sua
própria estratégia e empreendendo determinado número de projetos que
enfocam a prevenção do tráfico do trabalho com relação a pessoas mais
vulneráveis. A base do conhecimento está também se ampliando. A OIT poderia
lançar um programa mais amplo para investigar e documentar as condições de
pessoas traficadas para fins de trabalho forçado, em todas as regiões, como
contribuição para a punição dos culpados de maneira mais eficaz. Essa
metodologia poderia envolver esforços para resgatar e reabilitar as vítimas,
tanto em seus países de origem como em países onde trabalham em condições
de trabalho forçado.
319. Uma questão fundamental é o papel que a OIT e seus membros poderiam
desempenhar quando diante do crime organizado e de sofisticados cartéis
criminais. A OIT tem real competência em inspeção de trabalho, e uma melhor
administração do trabalho pode atuar criativamente com órgãos executores da
lei para eliminar condições abusivas em empresas clandestinas. Investigações
criminais conduzidas por outros, inclusive as de tráfico nas fronteiras, poderiam
ser auxiliadas por conhecimento especializado em inspeção do trabalho e em
outros campos. O Governo da França, por exemplo, adota uma abordagem
interministerial, que envolve os ministérios responsáveis pela justiça, alfândega,
Assumindo a
dimensão do
mercado de
trabalho
Qual é o lugar
da OIT com
relação ao
tráfico?
127 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
seguridade social e trabalho na ação contra operações clandestinas que se apóiam
no tráfico do trabalho. Maior conhecimento da Declaração da OIT e das
convenções sobre direitos humanos fundamentais – e também de instrumentos
mais específicos sobre trabalhadores migrantes, agências de emprego e prevenção
de abusos em sistemas de pagamento – pode ser evidentemente de valor
inestimável, do mesmo modo que o intercâmbio de experiência entre inspetorias
de trabalho. O expressivo crescimento da economia informal e do imenso
número de pessoas vulneráveis que se tornam suas vítimas é também um
monumental desafio para os parceiros sociais da OIT.
320. Embora a OIT tenha desempenhado papel relativamente modesto na
preparação da nova Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado
e de seus dois Protocolos sobre o tráfico de pessoas e contrabando de migrantes,
a definição da OIT de trabalho forçado ou compulsório foi implicitamente
reconhecida por esses recentes instrumentos. O conhecimento básico da OIT
nessa área, inclusive com base em relatórios referentes à Declaração e a
convenções ratificadas1, pode representar um apoio à contenção do tráfico para
fins de trabalho forçado.
321. Há necessidade de se definir e articular, o mais claro possível, o papel
específico da OIT e de seus membros, e dos órgãos nacionais responsáveis
pelo cumprimento das leis trabalhistas, no fortalecimento de esforços nacionais
e internacionais para o combate ao flagelo do tráfico, que resulta em trabalho
forçado ou compulsório.
Abordagem do trabalho forçado no
desenvolvimento rural
322. Uma estratégia global contra o trabalho forçado deve atacar as raízes do
problema, que muitas vezes estão na falta de renda e de segurança patrimonial
de pessoas cuja liberdade está em causa. De uma maneira geral, isso pode exigir
algum reforço das capacidades técnicas da OIT em relação a emprego e
desenvolvimento rural, ao fortalecimento de organizações de trabalhadores
rurais e à criação de condições para um autêntico diálogo no meio rural.
323. Isso poderia ser perseguido com uma variedade de abordagens inovadoras
do desenvolvimento rural. No sistema das Nações Unidas se enfatizam agora,
cada vez mais, parcerias para a redução da pobreza, envolvendo diferentes órgãos
de acordo com suas áreas específicas de competência. Poderia também haver
1 Em sua reunião de dezembro de 2000, a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e
de Recomendações pediu a todos os governos que incluíssem, em seus próximos relatórios
referentes à Convenção 29, informações sobre medidas tomadas ou consideradas para prevenir,
suprimir e punir o tráfico de pessoas para fins de exploração. Pediu informações sobre medidas
para intensificar a investigação do crime organizado com referência ao tráfico de pessoas, à
exploração da prostituição de outros e à direção de empresas exploradoras do trabalho, inclusive
sobre o provimento de material adequado e recursos humanos a órgãos responsáveis pelo
cumprimento da lei, sobre a formação específica de funcionários responsáveis pela aplicação da
lei, com vista à solução de problemas do tráfico de pessoas, e à cooperação internacional entre
órgãos executores da lei para prevenção e combate ao tráfico de pessoas.
A eliminação do
trabalho forçado
faz parte de um
desenvolvimento
sustentável
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 128
ligações envolvendo a OIT, as Nações Unidas e o setor privado, por exemplo,
através do “Global Compact”. Nesse cenário, a OIT pode buscar a inclusão de
um componente específico para a erradicação do trabalho forçado em todo
programa de desenvolvimento rural, em planejamento ou em andamento, em
área que sua presença tenha sido detectada. Maior atenção poderia ser dispensada
à erradicação do trabalho forçado na busca de uma agricultura sustentável e de
políticas de desenvolvimento rural. Isso poderia incluir: promoção da
conscientização; apoio legal; microcrédito; controle das atividades intermediárias
de recrutamento e outras atividades pertinentes. Em países onde tenha sido
detectada grave incidência de trabalho forçado, a OIT poderia também incentivar
os governos a incluírem questões de trabalho forçado em ações realizadas no
âmbito da Estrutura das Nações Unidas de Apoio ao Desenvolvimento
(UNDAF). A UNDAF proporciona a estrutura operacional para a coordenação
do doador e do órgão designado para tratar de questões estruturais e sociais nas
mesmas condições de igualdade que as questões macroeconômicas e financeiras.
Em países onde o trabalho forçado constitui grave problema, sua eliminação
enquadra-se rigorosamente nas estruturas globais de desenvolvimento. Do
mesmo modo, o trabalho da OIT, com vista a dar expressão nacional ao conceito
de trabalho decente, criaria uma oportunidade para desenvolver dados e
argumentos em apoio a essa estratégia.
324. Mais do que apoiar o desenvolvimento rural só em locais de origem, a
OIT poderia também desenvolver projetos integrados que envolvessem todo o
ciclo de recrutamento, transporte, condições de emprego no local de destinação
em que haja risco de ocorrer trabalho forçado, e a repatriação para o local de
origem. Essa estratégia é a mais bem adaptada a casos de migração para trabalho
sazonal na agricultura comercial, tanto dentro como fora das fronteiras, onde
tenha havido indícios de práticas coercitivas de recrutamento e emprego. Seria
de particular importância nos casos de migração em larga escala, por exemplo,
casos que envolvessem trabalhadores indígenas na América Latina no corte da
cana e na colheita de algodão, café e frutas. Alguns programas nacionais já
tentaram uma abordagem integrada dessas questões, como o Programa Nacional
de Trabalhadores Rurais no México, que trata das condições de vida,
recrutamento, transporte e do trabalho nos locais tanto de origem como de
destinação, e também através do ciclo migratório. Estratégias dessa natureza
poderiam também ser planejadas e apoiadas pela OIT em outros países e regiões
onde trabalhadores rurais migrantes corressem o risco de coerção.
Inspeção do trabalho e aplicação da lei
325. A eliminação do trabalho forçado exige especial vigilância das instituições
responsáveis pela aplicação da lei. Programas especiais, como os programas
criados no âmbito federal no Brasil para tratar do trabalho forçado em zonas
rurais e distantes, parecem ter rendido alguns resultados. O fortalecimento dos
serviços de inspeção do trabalho pode, evidentemente, ser uma importante
providência, e estratégias preventivas de inspeção do trabalho parecem muito
promissoras no caso de eliminação de trabalho forçado2. O treinamento de
Convém
considerar todas
as fases da
migração
2 Essa estratégia, que está sendo desenvolvida como parte do Programa do Trabalho Seguro, da
OIT, é explicada em http://mirror/public/english/protection/safework/labinsp/index.htm
Medidas
complementares
para tornar
efetiva a
proibição do
trabalho forçado
129 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
inspetores do trabalho para estarem atentos a situações capazes de envolver
trabalho forçado será também importante. As instituições, porém, do setor
formal são, em geral, inadequadas para investigar denúncias de trabalho forçado
nos setores rurais e informais. É preciso tentar medidas inovadoras para atacar
os problemas, em consulta com os parceiros sociais. Uma opção, que pode ser
também usada como instrumento de mobilização, é buscar indenizações para
as vítimas do trabalho forçado por meio de uma ação de interesse público
amplamente divulgada. Outra seria criar amplas coalizões na sociedade civil,
com a participação de organizações de empregadores e de trabalhadores, e levar
questões de trabalho forçado à atenção de órgãos públicos, como ouvidorias e
instituições nacionais de direitos humanos. Organizações religiosas têm sido,
muitas vezes, valiosos aliados na luta contra o trabalho forçado. Semelhantes
coalizões podem ser também constituídas no nível local, em áreas em que se
tenham verificado problemas de trabalho forçado.
326. As iniciativas deveriam ser documentadas, e experiências das melhores
práticas amplamente divulgadas. O projeto do Nepal será um caso típico, mas
deve haver outros capazes de oferecer modelos para a projeção de programas
de emergência semelhantes como também programas de prazo mais longo.
Estatísticas
327. Tendo em vista o nível atual de dados disponíveis, este Relatório Global
não pretendeu oferecer uma estatística total relativa à incidência do trabalho
forçado ou compulsório em todo o mundo. Mas convém tentar agora conceber
metodologias apropriadas que permitam a detecção de práticas de trabalho
forçado em dados sobre mercado de trabalho e em outras estatísticas. Estimativas
poderão ser feitas onde não houver dados estatísticos específicos. Dados
fidedignos facilitariam o seguimento do progresso entre os relatórios globais
sobre a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório em
intervalos de quatro anos, conforme exigido pelo seguimento da Declaração da
OIT.
328. Embora, evidentemente, seja fundamental ter um conhecimento mais
preciso da dimensão do número de trabalhadores em regime de servidão, a
necessidade de dados não se limita ao lado da oferta da equação. Dispor de um
quadro mais claro dos perfis das pessoas que mantêm outras em regime de
servidão proporcionaria pistas úteis sobre como eliminar a prática de uma
maneira sustentável. Estatísticas eficazmente divulgadas sobre processos e
punições de violadores da lei podem, em si mesmas, ter algum efeito dissuasivo.
Enfoque do trabalho doméstico
329. A eliminação do trabalho forçado ou compulsório que ocorre no contexto
do trabalho doméstico impõe desafios especiais, mas que devem ser enfrentados.
O fenômeno tem importantes aspectos de gênero e de trabalho infantil, e muitas
vezes é o ponto de destinação das vítimas do tráfico do trabalho. Iniciativas do
IPEC nessa área têm produzido estratégias promissoras. A OIT poderia
aumentar sua própria ação no campo do trabalho doméstico, assim como
estimular outras instituições a fazer o mesmo, com o objetivo de obter uma
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 130
visão mais clara de como o trabalho forçado ou compulsório se insere no
trabalho doméstico, e de verificar quais seriam as melhores opções para tratar
desse problema, em vários contextos nacionais, tanto com relação a crianças
como a adultos.
Alcançar os vulneráveis:
desafios para os parceiros sociais
330. Para organizações de empregadores e de trabalhadores, atacar o trabalho
forçado ou compulsório pode significar ir além de seus clientes e membros
habituais. As vítimas são os vulneráveis que têm dificuldade de se organizar –
pelo menos nos moldes convencionais dos sindicatos – e que, quase
invariavelmente, são muito pobres para pagar contribuições regulares. Os
responsáveis, em geral, são comerciantes renegados ou delinqüentes que não
pertencem a organizações de empregadores nem a câmaras de comércio ou de
indústria.
331. Há muitos casos de organizações de trabalhadores demonstrarem sua
solidariedade com as vítimas do trabalho forçado. Sindicatos nacionais têm
também conduzido e publicado importantes pesquisas, trazendo problemas de
trabalho forçado à atenção de suas autoridades nacionais. Entretanto, os
sindicatos e as organizações de empregadores, em geral, têm se empenhado
muito menos nessa área do que em outras. A OIT, em seu trabalho de apoio às
atividades dessas organizações, poderia incentivá-las a assumir a causa do
trabalho forçado com renovado vigor.
Programa especial contra o trabalho em servidão
332. A OIT intensificou recentemente, em alguns países da Ásia, seu trabalho
de prevenção do trabalho em servidão e de resgate e reabilitação de trabalhadores
forçados. Os governos da região têm demonstrado sua disposição de envolver
a OIT em programas para a sua erradicação. O lançamento de novos projetos
do Programa da Declaração e o programa regional da Unidade de
Financiamentos Sociais do Sul da Ásia, para atacar o trabalho em servidão com
técnicas de microfinanciamento, são novos e importantes acontecimentos. Mas
resta ainda muito a ser feito, tanto no trabalho de coleta de dados e de análise
como em programas práticos para sua erradicação. O seguimento da Declaração
oferece agora uma oportunidade sem precedente para se enfrentar esse
persistente problema que afeta milhões de trabalhadores.
333. Um programa contra o trabalho forçado, para ser eficaz, exige uma
estratégia holística, com a cooperação de muitos e diferentes órgãos
internacionais. O trabalho forçado não pode ser visto como problema
exclusivamente do trabalho. Uma efetiva e permanente reabilitação de
trabalhadores em servidão exigiria uma série de medidas que incluísse questões
de terra, coleta de dados, construção de moradias de baixo custo e saneamento,
emprego estável e duradouro, estabelecimento de salário mínimo, educação
dos filhos de trabalhadores em servidão, proteção dos direitos civis,
conscientização da sociedade em geral sobre os direitos dos grupos mais
passíveis de situações de trabalho forçado. Esta lista não é exaustiva.
131 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
334. Eis aí, portanto, uma real oportunidade para a OIT, em colaboração com
governos e parceiros sociais nos países interessados, criar um importante
programa internacional de ação contra um flagelo social que os governos, apesar
de seus esforços legislativos e práticos, nas últimas três décadas, têm tido tanta
dificuldade de enfrentar. Um programa integrado contra o trabalho em servidão
envolveria muitos e diferentes ministérios e outros atores nos países interessados.
No âmbito internacional, a própria OIT poderia tomar a iniciativa de lançar
um programa global promocional, com o objetivo de ajudar governos a erradicar
um dos problemas estruturais mais graves do trabalho no mundo moderno. A
experiência com esse programa poderia incentivar iniciativas semelhantes em
outros setores, como o trabalho doméstico, onde milhões de pobres se encontram
em situações de trabalho forçado.
Uma ampla série
de medidas e
instituições deve
atacar o trabalho
forçado
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 132
5. Observações finais
335. Não há justificativa possível para o trabalho forçado no século XXI. A
Declaração da OIT nos ofereceu a oportunidade de lembrar que o trabalho
forçado, infelizmente, está presente em todo o mundo, mesmo que em bolsões.
Ela deu aos governos nova oportunidade de reconhecer a existência do trabalho
forçado, à OIT de aumentar seus esforços para eliminá-lo e aos parceiros sociais,
de continuarem a perseguir essa causa da liberdade humana.
133 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
1. As diversas formas de trabalho forçado identificadas no Relatório ¾ (i)
trabalho forçado na forma de escravidão, servidão por dívida, etc.,
encontradas principalmente nas zonas rurais; (ii) situações de trabalho
forçado relacionadas com o tráfico de pessoas e (iii) algumas formas de
trabalho penitenciário – abrangem a totalidade e a realidade de todas as
formas de trabalho forçado ou compulsório existentes no mundo de
hoje?
2. Por que o trabalho forçado rural e o trabalho forçado relacionado com o
tráfico surgem em circunstâncias em que a pobreza está presente e não
em outras? Que outros fatores cruciais entram em jogo?
3. Como a relativa situação de mulheres e homens, meninas e meninos e de
vários grupos étnicos, raciais, religiosos e etários, numa sociedade, afeta
sua vulnerabilidade a situações de trabalho forçado? Quais são as
implicações de estratégias para a eliminação de todas as formas de trabalho
forçado ou compulsório?
4. No que se refere ao trabalho rural forçado, o que podem fazer várias
instituições de governo e organizações de empregadores e de trabalhadores
– individualmente ou conjuntamente – para aumentar a conscientização
entre as vítimas? Para resgatá-las? Para não voltarem a cair em situações
de trabalho forçado? Para garantir que outros não tomem seu lugar?
5. Quais são os obstáculos políticos, legislativos, administrativos e outros
no combate ao tráfico relativo ao trabalho forçado nos países de origem?
Nos países para os quais as vítimas são traficadas? Que podem fazer
instituições do governo e organizações de empregadores e de trabalhadores
para superar esses obstáculos?
6. Como a liberdade de associação e o efetivo reconhecimento do direito à
negociação coletiva se relacionam com a eliminação de todas as formas
de trabalho forçado ou compulsório?
7. Nos casos em que o trabalho forçado ou compulsório foi eliminado,
Sugestão de tópicos para discussão
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 134
quais foram os fatores decisivos desse sucesso? Que tipos de cooperação
técnica parecem mais promissores para a eliminação de trabalho forçado
ou compulsório?
8. No caso de tráfico de trabalho, qual é a função mais apropriada a ser
assumida pela OIT? Deveria dar maior ênfase à eliminação do trabalho
forçado ou compulsório em sua ação? De que maneira?
9. Que espécie de progresso na eliminação de todas as formas de trabalho
forçado ou compulsório deve ser esperado entre este Relatório Global e
o seguinte? Como deve ser dimensionado esse progresso? Que outras
questões sobre este tópico devem ser tratadas no próximo Relatório
Global?
135 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Anexos
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 136
137 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Considerando que a criação da OIT procedeu da convicção de que a justiça
social é essencial para garantir uma paz universal e permanente;
Considerando que o crescimento econômico é essencial, mas insuficiente, para
assegurar a equidade, o progresso social e a erradicação da pobreza, o
que confirma a necessidade de que a OIT promova políticas sociais sólidas,
a justiça e instituições democráticas:
Considerando, portanto, que a OIT deve hoje, mais do que nunca, mobilizar o
conjunto de seus meios de ação normativa, de cooperação técnica e de
investigação em todos os âmbitos de sua competência, e em particular no
âmbito do emprego, a formação profissional e as condições de trabalho,
a fim de que no contexto de uma estratégia global de desenvolvimento
econômico e social, as políticas econômicas e sociais se reforcem
mutuamente com vistas à criação de um desenvolvimento sustentável de
base ampla;
Considerando que, com o objetivo de manter o vínculo entre progresso social
e crescimento econômico, a garantia dos princípios e direitos fundamentais
no trabalho reveste-se de importância e significado especiais ao assegurar
aos próprios interessados a possibilidade de reivindicar livremente e em
igualdade de oportunidades uma justa participação nas riquezas para cuja
criação têm contribuído, assim como a de desenvolver plenamente seu
potencial humano;
Considerando que a OIT é a organização internacional com mandato
constitucional e o órgão competente para estabelecer normas
internacionais do trabalho e delas se ocupar, e que goza de apoio e
reconhecimento universais na promoção dos direitos fundamentais no
Anexo 1
Declaração da OIT sobre Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho e seu
Seguimento
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 138
trabalho como expressão de seus princípios constitucionais;
Considerando que, numa situação de crescente interdependência econômica,
urge reafirmar a permanência dos princípios e direitos fundamentais
inscritos na Constituição da Organização, assim como promover sua
aplicação universal;
A Conferência Internacional do Trabalho
1. Lembra:
a) que no momento de aderir livremente à OIT, todos os membros
aceitaram os princípios e direitos enunciados em sua Constituição e
na Declaração de Filadélfia e se comprometeram a esforçar-se para
alcançar os objetivos gerais da Organização na medida de suas
possibilidades e atendendo a suas condições específicas;
b) que esses princípios e direitos têm sido expressos e desenvolvidos sob
a forma de direitos e obrigações específicos em convenções
reconhecidas como fundamentais dentro e fora da Organização.
2. Declara que todos os membros, mesmo que não tenham ratificado as
aludidas convenções, têm o compromisso, decorrente do fato de pertencer
à Organização, de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de
conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos
fundamentais objeto dessas convenções, isto é:
a) liberdade sindical e o efetivo reconhecimento do direito de negociação
coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c) a abolição efetiva do trabalho infantil;
d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
3. Reconhece a obrigação da Organização de ajudar seus membros, em
resposta a suas necessidades definidas e expressas, a alcançar esses
objetivos fazendo pleno uso de seus recursos constitucionais, operacionais
e orçamentários, mobilizando inclusive recursos e apoio externos, assim
como estimulando outras organizações internacionais com as quais a
OIT tenha estabelecido relações, de conformidade com o artigo 12 de
sua Constituição, a apoiar esses esforços:
a) oferecendo cooperação técnica e serviços de assessoramento com vista
a promover a ratificação e aplicação das convenções fundamentais;
b) ajudando os estados-membros que ainda não estão em condições de
ratificar todas ou algumas dessas convenções, em seus esforços para
observar, promover e tornar realidade os princípios relativos aos
direitos fundamentais objeto dessas convenções;
c) ajudando os estados-membros em seus esforços para criar um meio
ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social.
4. Decide que, para fazer vigorar plenamente a presente Declaração, um
seguimento promocional, objetivo e eficaz, será executado de acordo
com as medidas que se estabelecem em anexo que passará a ser parte
integrante desta Declaração.
139 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
5. Ressalta que normas do trabalho não devem ser utilizadas para fins
comerciais protecionistas e que nada na presente Declaração e em seu
seguimento será invocado ou utilizado de outra maneira para esses fins;
ademais, de nenhum modo a vantagem comparativa de qualquer país
deve ser posta em questão por esta Declaração e seu seguimento.
Anexo
Seguimento da Declaração
I. Objetivo geral
1. O objetivo do seguimento descrito a seguir é estimular os esforços
desenvolvidos pelos membros da Organização com o objetivo de
promover os princípios e direitos fundamentais consagrados na
Constituição da OIT e a Declaração de Filadélfia, que a Declaração reitera.
2. De conformidade com esse objetivo estritamente promocional, o presente
seguimento deverá contribuir para identificar os âmbitos em que a
assistência da Organização, por meio de suas atividades de cooperação
técnica, possa ser útil a seus membros ajudando-os a tornar efetivos
esses princípios e direitos fundamentais. Não poderá substituir os
mecanismos de controle estabelecidos nem obstar seu funcionamento;
por conseguinte, as situações particulares próprias do âmbito desses
mecanismos não poderão ser examinadas ou reexaminadas no contexto
deste seguimento.
3. Os dois aspectos do presente seguimento, descritos a seguir, recorrerão
aos procedimentos existentes: o seguimento anual relativo às convenções
fundamentais não ratificadas implicará apenas alguns ajustes às atuais
modalidades de aplicação do artigo 19, parágrafo 5, e) da Constituição, e
o Relatório Global permitirá otimizar os resultados dos procedimentos
realizados em cumprimento da Constituição.
II. Seguimento anual relativo às convenções
fundamentais não ratificadas
A. Objetivo e âmbito de aplicação
1. Seu objetivo é proporcionar uma oportunidade de acompanhar
anualmente, mediante procedimentos simplificados que substituirão a
revisão quadrienal introduzida em 1995 pelo Conselho de Administração,
os esforços desenvolvidos, de acordo com a Declaração, pelos membros
que ainda não ratificaram todas as convenções fundamentais.
2. O seguimento abrangerá, a cada ano, as quatro áreas de princípios e
direitos fundamentais especificados na Declaração.
B. Modalidades
1. O Seguimento terá como base relatórios exigidos dos estados-membros
nos termos do artigo 19, parágrafo 5, e) da Constituição. Os formulários
dos relatórios serão elaborados com vista a obter dos governos que não
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 140
tiverem ratificado alguma das convenções fundamentais informações
sobre mudanças ocorridas em sua legislação e prática, nos termos do
artigo 23 da Constituição e da prática estabelecida.
2. Esses relatórios, recopilados pela Secretaria Internacional do Trabalho,
serão examinados pelo Conselho de Administração.
3. A fim de preparar uma introdução à compilação dos relatórios, chamando
a atenção para aspectos que possam requerer discussão mais detalhada,
a Secretaria poderá recorrer a um grupo de peritos designados para esse
fim pelo Conselho de Administração.
4. Deverão ser feitos alguns ajustes nos procedimentos atuais do Conselho
de Administração para permitir que membros nele não representados
possam prestar, da maneira mais adequada, esclarecimentos que possam
ser úteis ou necessários às discussões do Conselho de Administração
para complementar informações contidas em seus relatórios.
III. Relatório global
A. Objetivo e âmbito e aplicação
1. O objeto desse relatório é oferecer uma imagem global e dinâmica de
cada uma das categorias de princípios e direitos fundamentais observada
no período quadrienal precedente, servir de base para a avaliação da
eficácia da assistência prestada pela Organização e estabelecer prioridades
para o período seguinte na forma de planos de ação em matéria de
cooperação técnica com vistas à mobilização dos recursos internos e
externos necessários à sua execução.
2. O relatório tratará sucessivamente, cada ano, de uma das quatro categorias
de princípios e direitos fundamentais.
B. Modalidades
1. O relatório será elaborado sob a responsabilidade do Diretor-Geral com
base em informações oficiais ou reunidas e avaliadas de acordo com os
procedimentos estabelecidos. Em relação a países que ainda não
ratificaram as convenções fundamentais, o relatório será baseado
especialmente nos já mencionados resultados do seguimento anual. No
caso de membros que ratificaram as convenções correspondentes, o
relatório terá especialmente como base relatórios apresentados nos termos
do artigo 22 da Constituição.
2. Esse relatório será apresentado à Conferência como relatório do Diretor-
Geral para objeto de discussão tripartite. A Conferência poderá tratá-lo
separadamente de relatórios apresentados por força do artigo 12 do seu
Regulamento, e poderá fazê-lo em sessão dedicada exclusivamente a esse
Relatório ou de qualquer outro modo apropriado. Competirá, em seguida,
ao Conselho de Administração, em suas reuniões imediatamente
subsequentes, tirar as conclusões de referido debate concernentes a
prioridades e planos de ação em matéria de cooperação técnica a ser
implementados no seguinte período quadrienal.
141 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
IV. Fica entendido que:
1. Serão apresentadas proposições de emendas ao regulamento do Conselho
de Administração e da Conferência necessárias à implementação das
disposições precedentes.
2. A Conferência deverá, no devido tempo, reexaminar o funcionamento
do presente seguimento com base na experiência adquirida, para avaliar
se foi plenamente alcançado o objetivo proposto na Parte I.
Este é o texto da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento devidamente adotado pela
Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em sua
octogésima sexta reunião, realizada em Genebra e encerrada em 18 de
junho de 1998.
Em fé de ofício, assinamos neste décimo nono dia de junho de 1998.
Presidente da Conferência,
JEAN-JACQUES OECHSLIN
Diretor-Geral da Secretaria Internacional do Trabalho,
MICHEL HANSENNE
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 142
Anexo 2
Seguimento da Declaração
Incentivando esforços para a observância dos princípios e direitos fundamentais no
trabalho
Setembro Janeiro Março Junho Novembro
O Conselho
de
Administração
tira
conclusões
das
discussões do
Conselho de
Administração
(março) e da
Conferência
Internacional
do Trabalho
(junho), para
identificar
prioridades e
planos de
ação de
cooperação
técnica.
Governos
enviam cópias
de relatórios a
organizações de
empregadores e
trabalhadores
Relatório Global
(engloba países que ratificaram ou não as convenções
fundamentais)
A cada ano, o Diretor-Geral prepara um relatório
sobre uma das categorias de princípios e direitos
fundamentais, com o objetivo de:
• oferecer um quadro geral e dinâmico de cada série de princípios
e direitos fundamentais;
• servir de base para a avaliação da eficácia da assistência oferecida
pela OIT;
• ajudar o Conselho de Administração a definir prioridades para a
cooperação técnica.
Discussão
tripartite
do
Relatório
Global na
Conferência
Internacional
do Trabalho
Conselho de
Administração
(GB)
Discussão
tripartite da
compilação e
introdução da
análise de
relatórios
anuais
Promoção
de
princípios e
direitos
fundamentais
no trabalho
através de
cooperação
técnica.
A OIT e
outros órgãos
apóiam
esforços
nacionais
para a
observância
dos
princípios
e direitos
fundamentais
no trabalho.
Peritos
conselheiros
da Declaração
da OIT (IDEA)
Painel de sete
membros
independentes
analisa a
compilação dos
relatórios anuais
da Secretaria e
prepara uma
apresentação.
Retrospecto
anual (países
que não
ratificaram)
Países que não
ratificaram uma
ou mais
convenções
fundamentais
enviam relatórios
anuais à OIT. A
Secretaria
prepara uma
compilação.
Organizações
de
empregadores
e de
trabalhadores
podem
apresentar
comentários
143 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Quadro de ratificações das Convenções 29 e 105 da OIT
e de relatórios anuais apresentados nos termos do
seguimento da Declaração com referência à eliminação
de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório
Nº 29 – Convenção sobre Trabalho Forçado, 1930 (156 ratificações até 1º de março de
2001)
Nº 105 – Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, 1957 (153 ratificações até 1º
de março de 2001)
Símbolos do Quadro
R Convenção ratificada até 1º de março de 2001
¾ Convenção não ratificada até 1º de março de 2001
sim Relatório recebido
não Relatório não recebido
n/a Não aplicável
África do Sul
Argentina
Armênia
Áustria
Azerbaijão
Bahamas
Bahrein
Bangladesh
R R
R R
— —
R R
R R
R R
R R
R R
N/a
N/a
Não
N/a
Sim
N/a
N/a
N/a
N/a
N/a
Não
N/a
Sim
N/a
N/a
N/a
Anexo 3
Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subsequente
nos termos da
Declaração
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 144
Barbados
Belarússia
Bélgica
Belize
Benin
Bolívia
Bósnia e Herzegovínia
Botsuana
Brasil
Bulgária
Burkina Fasso
Burundi
Cabo Verde
Cambodja
Camarões
Canadá
Rep. Centro-Africana
Chade
República Tcheca
Cazaquistão
Chile
China
Chipre
Colômbia
Comores
Congo
Congo, República
Democrática do
Coréia, República da
Costa Rica
Côte d’Ivoire
Croácia
R R
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Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
145 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
Cuba
Dinamarca
Djibuti
Dominica
República Dominicana
Equador
Egito
El Salvador
Emirados Árabes Unidos
Eritréia
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estados Unidos
Estônia
Etiópia
Fiji
Filipinas
Finlândia
França
Gabão
Gâmbia
Geórgia
Gana
Granada
Grécia
Guatemala
Guiné
Guiné-Bissau
Guiné Equatorial
Guiana
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Não
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NÃO AO TRABALHO FORÇADO 146
Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
Haiti
Honduras
Hungria
Índia
Indonésia
Irã, Rep. Islâmica do
Iraque
Irlanda
Islândia
Ilhas Salomão
Israel
Itália
Iêmen
Iugoslávia
Jamaica
Japão
Jordânia
Kiribati
Kuwait
Laos, República
Democrática Popular do
Lesoto
Letônia
Líbano
Libéria
Líbia
Lituânia
Luxemburgo
Macedônia
Madagascar
Malásia
Malaui
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147 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
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Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
Mali
Malta
Marrocos
Maurício
Mauritânia
México
Moldávia, Rep. da
Mongólia
Moçambique
Mianmar
Namíbia
Nepal
Nicarágua
Níger
Nigéria
Noruega
Nova Zelândia
Omã
Países Baixos
Paquistão
Panamá
Papua e Nova Guiné
Paraguai
Peru
Polônia
Portugal
Qatar
Quênia
Quirguistão
Reino Unido
Romênia
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NÃO AO TRABALHO FORÇADO 148
Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
Russa, Federação
Ruanda
Saint Kitts y Nevis
San Marino
San Vicente e
Granadinas
Santa Luzia
São Tomé e Príncipe
Senegal
Seichelles
Serra Leoa
Singapura
Síria, Rep. Árabe
Somália
Sri Lanka
Sudão
Suécia
Suíça
Suriname
Suazilândia
Tailândia
Tanzânia, Rep. Unida da
Tajiquistão
Togo
Trinidad e Tobago
Tunísia
Turcamenistão
Turquia
Ucrânia
Uganda
Uruguai
Usbequistão
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Sim
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149 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
Venezuela
Vietnã
Zâmbia
Zimbabue
Estados-membros Ratificações
C. 29 C.105
Primeiro relatório anual sobre a
eliminação do trabalho forçado
apresentado nos termos da
Declaração
Relatório anual
subseqüente
nos termos da
Declaração
N/a
Sim
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Sim
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* Segundo resoluções das Nações Unidas aplicáveis na época, nenhum relatório era solicitado.
O Governo da República Federal da Iugoslávia não informou ainda a OIT sobre se pretende
honrar as obrigações decorrentes de convenções ratificadas pela ex-República Federal Socialista
da Iugoslávia.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 150
A. Instrumentos da OIT
Além dos dois principais instrumentos da OIT que tratam de trabalho
forçado como tema central – a Convenção 29, de 1930, sobre Trabalho Forçado,
e a Convenção 105, de 1957, sobre a Eliminação do Trabalho Forçado – a
Organização tem à sua disposição outros instrumentos normativos que podem
inspirar ações para a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
compulsório1. Sem querer ser exaustivo ou detalhista, este Anexo indica uma
série de instrumentos que poderiam servir como fonte de orientação política
ou, no caso de um estado-membro que tenha ratificado uma convenção, criar
obrigações pertinentes à prevenção do trabalho forçado2. O seguimento da
Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho não
implica de modo algum as obrigações detalhadas nas convenções mencionadas
neste Anexo, mas esses instrumentos podem oferecer proveitosa orientação na
busca de uma política ativa com vista à eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou compulsório.
Antes de tudo, estão as três outras categorias de princípios e direitos
fundamentais abrangidos pela Declaração da OIT, isto é, as referentes à liberdade
de associação e ao efetivo reconhecimento do direito à negociação coletiva, à
eliminação da discriminação em termos de emprego e ocupação e à efetiva
Anexo 4
Instrumentos Internacionais Referentes as
Trabalho Forçado
1 O teor integral das convenções e recomendações da OIT, adotadas desde 1919, e informações
sobre ratificações estão disponíveis no web site da OIT: http://www.ilo.org, em CD-ROM
(ILOLEX) e em impressos.
2 No caso de convenções ratificadas, os estados-membros contraem obrigações, entre outras, de
reportar regularmente sobre o cumprimento das disposições das convenções ratificadas. Um
extenso mecanismo de supervisão acompanha a aplicação das convenções ratificadas. Para mais
informações, consulte o web site da OIT.
151 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
abolição do trabalho infantil3. As quatro categorias cobertas pela Declaração
envolvem princípios e direitos que se fortalecem mutuamente. Além disso,
disposições de convenções sobre tópicos tão variados como os concernentes a
povos indígenas, trabalhadores migrantes, práticas de recrutamento, proteção
de salários e diálogo social podem reforçar algumas formas de ação para evitar
ou combater o trabalho forçado ou compulsório. Convenções consideradas
como instrumentos prioritários da OIT, isto é, as relativas a política de emprego,
inspeção de trabalho e consulta tripartite4, envolvem apoio institucional a práticas
sadias de trabalho, que podem também contribuir para evitar ou eliminar o
trabalho forçado.
Convenções da OIT sobre trabalho forçado
Nos termos da Convenção 29, de 1930, sobre Trabalho Forçado, a
expressão trabalho forçado ou compulsório significa “todo trabalho ou serviço exigido
de qualquer pessoa sob ameaça de alguma punição e para o qual a dita pessoa
não se ofereceu voluntariamente”. Para os fins da Convenção, há, entretanto,
algumas exclusões5. Todavia, a Convenção 29 proíbe especificamente algumas
formas de trabalho forçado ou compulsório, como trabalho forçado ou
compulsório em benefício de pessoas, companhias ou associações privadas e
trabalho forçado ou compulsório como sanção penal, se aplicado a toda uma
comunidade.
Nos termos da Convenção 29, os membros da OIT se comprometem
a suprimir o uso de trabalho forçado ou compulsório em todas as suas formas,
no mais curto espaço de tempo possível. Durante o período de transição, agora
esgotado, só se admitiam recursos ao trabalho forçado para fins públicos e
como medida excepcional, sujeito a certas garantias6.
A Convenção 105, de 1957, sobre Abolição do Trabalho Forçado
suplementa, e não revê, o instrumento anterior. Ela exige a abolição imediata e
total de qualquer forma de trabalho forçado ou compulsório em cinco casos
específicos: (a) como meio de coerção ou educação política ou como punição
por expressão de opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente contrários
ao sistema político, social e econômico estabelecido; (b) como método de
3 Além da Convenção 29, de 1930, sobre Trabalho Forçado, e da Convenção 105, de 1957,
sobre a Abolição do Trabalho Forçado, são as seguintes as convenções consideradas fundamentais
para fins do seguimento da Declaração: Convenção 87, de 1948, sobre Liberdade de Associação
e Proteção do Direito Sindical; Convenção 98, de 1949, sobre Direito Sindical e Negociação
Coletiva; Convenção 100, de 1951, sobre Igualdade de Remuneração; Convenção 111, de 1958,
sobre Discriminação (Emprego e Ocupação); Convenção 138, de 1973, sobre a Idade Mínima, e
a Convenção 182, de 1999, sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil. Há ainda outros
instrumentos da OIT que se referem a esses tópicos, como a Convenção 11, de 1921, sobre
Direito de Associação (Agricultura).
4 A Convenção 122, de 1964, sobre Política de Emprego; convenção 81 de 1947, sobre a
Inspeção do Trabalho, Convenção 129, de 1969, sobre Inspeção do Trabalho (Agricultura) e
Convenção 144, de 1974, sobre Consulta Tripartite (Normas Internacionais do Trabalho).
5 Para os fins da Convenção, a expressão “trabalho forçado ou compulsório” não inclui as
cinco categorias de trabalho detalhadas na nota de rodapé 2, na I Parte deste Relatório.
6 Ver OIT: Abolition of Forced Labour, Levantamento Geral da Comissão de Peritos em Aplicação
de Convenções e Recomendações, Conferência Internacional do Trabalho, 65ª reunião, Genebra,
1979.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 152
mobilização e uso do trabalho para fins de desenvolvimento econômico; (c)
como meio de disciplina do trabalho: (d) como punição por participação em
greves e (e) como meio de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
Outras convenções da OIT de particular relevância para a
prevenção do trabalho forçado
Vários outros instrumentos da OIT tratam de trabalho forçado, direta
ou indiretamente. Os termos da Convenção 122, de 1964, sobre Política de
Emprego, incumbe aos estados-membros formular e adotar uma política ativa
com vista à promoção do emprego pleno, produtivo e livremente escolhido. Por
outro lado, da perspectiva da liberdade de trabalho, o instrumento enfatiza as
intervenções positivas no mercado de trabalho e outras medidas que possam
ajudar a erradicar sistemas coercitivos de trabalho.
Instrumentos da OIT sobre povos indígenas e tribais têm ressaltado a
necessidade de enfrentar determinados problemas de trabalho forçado ou
compulsório, experimentado por esses grupos. Os mais recentes desses
instrumentos é a Convenção 169, de 1989, sobre Povos Indígenas e Tribais.
Nesse instrumento, a exigência de alguma forma de serviços pessoais
compulsórios, remunerados ou não, deve ser proibida e punida com a lei, exceto
em casos permitidos para todos os cidadãos sob as exceções previstas na
Convenção 29. A Convenção 169 preconiza ainda que medidas para evitar toda
discriminação contra povos indígenas e tribais devem incluir a garantia de que
trabalhadores pertencentes a esses povos não serão submetidos a sistemas
coercitivos de recrutamento, inclusive trabalho em servidão e outras formas de
servidão por dívida. Um instrumento anterior, a Convenção 107, de 1957, sobre
Populações Indígenas e Tribais, hoje revista pela Convenção 169, estabelece
normas básicas de medidas especiais de proteção desses povos com relação a
recrutamento e a condições de emprego, como também a direitos à terra e
outros.
Com relação a pessoas que cruzam fronteiras em busca de emprego, a
Convenção 97, de 1949, sobre Migração para Emprego, visa ajudar quem migra
por emprego, sobretudo com disposições sobre serviços de livre colocação, de
informação e vários outros de apoio. Preconiza especialmente a ação contra a
falsa propaganda com relação à emigração ou imigração, que muitas vezes tem
seu papel no tráfico ligado ao trabalho forçado. A Convenção 143, de 1975,
sobre Trabalhadores Migrantes (Disposições Suplementares) estabelece a adoção
de todas as medidas necessárias e oportunas, na jurisdição de um estado e em
colaboração com outros estados-membros, para suprimir movimentos
clandestinos de migrantes para emprego e emprego ilegal de migrantes, e para
agir contra as pessoas envolvidas nos abusos identificados pela Convenção.
Embora esses instrumentos ofereçam considerável proteção a migrantes que
podem correr o risco de cair em condições de trabalho forçado, sua revisão tem
sido sugerida com vista a preencher falhas na cobertura e permitir uma ratificação
mais ampla7.
7 OIT: Migrant workers. Conferência Internacional do Trabalho, 87ª reunião, Genebra, 1999.
Relatório da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, Relatório III
(Parte 1B), parágrafo 667.
153 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
A Conferência Internacional do Trabalho tem adotado vários
instrumentos com vista a proporcionar a trabalhadores termos e condições de
emprego que contribuam para evitar o surgimento de situações de trabalho
forçado. O mais diretamente relevante desses instrumentos é a Convenção 95,
de 1949, que contém várias medidas com vista à proteção de trabalhadores com
relação à maneira de serem remunerados (limitando o pagamento em espécie,
em vez de em moeda corrente), ao local do recebimento (por exemplo, nunca
em estalagens) e à maneira de ser informados sobre seus vencimentos. A
Convenção estabelece também salvaguardas para deduções salariais permissíveis
e medidas para evitar a exploração de trabalhadores em armazéns de
companhias. Baseado na idéia central de que os empregadores não podem
delimitar, de qualquer forma, a liberdade do trabalhador de dispor de seus
salários, o instrumento aborda situações em que, na prática, se acham as pessoas
submetidas ao trabalho forçado.
Ao adotar a Convenção 181, de 1998, sobre Agências Particulares de
Emprego, a Conferência Internacional do Trabalho lembrou, em seu preâmbulo,
as disposições da Convenção 29 sobre trabalho forçado. A nova Convenção
reconhece o papel de agências particulares de emprego no mercado de trabalho
e inclui várias proteções contra abuso de trabalhadores que recorrem a seus
serviços. Refere-se especificamente à necessidade de leis e regulamentos que
prevejam penas, inclusive a interdição de agências particulares de emprego que
se envolvem em práticas fraudulentas e abusos com relação a trabalhadores
migrantes , e incentiva acordos bilaterais entre países. Devem também ser criados
adequados mecanismos e procedimentos para investigar queixas, abusos
denunciados e práticas fraudulentas de agências particulares de emprego.
Além disso, a gama de instrumentos da OIT para aumentar a capacidade
de trabalhadores e empregadores de formar organizações para defesa de seus
interesses e de se engajarem no diálogo social tem também o efeito de promover
a participação e, com isso, a capacidade de resistirem ao retorno a situações de
trabalho forçado. Um importante exemplo é a Convenção 141, de 1975, sobre
Organizações de Trabalhadores Rurais, que insta os estados, que a ratificarem,
a perseguir uma política de estímulo a essas organizações. Visa também facilitar
a criação e o crescimento de organizações fortes e independentes, de base
voluntária, como meio efetivo de assegurar a participação de trabalhadores
rurais no desenvolvimento econômico e social e nos benefícios dele resultantes.
Finalmente, a Convenção 182, de 1999, sobre as Piores Formas do
Trabalho Infantil, refere-se à escravidão e a práticas análogas à escravidão. Para
os fins dessa Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho infantil”
diz respeito, inter alia, a “todas as formas de escravidão ou a práticas análogas à
escravidão, como venda e tráfico de crianças, servidão por dívida e servidão e
trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou
compulsório de crianças para usá-las em conflito armado”. Os estados devem
tomar imediatas e efetivas providências (inclusive um programa de ação e
medidas a serem aplicadas para proibir e eliminar o tráfico de menores de 18
anos. A Convenção 182 contém várias outras disposições com vista a prevenir
condições que levem ao tráfico. Essa Convenção rompeu todos os recordes de
rapidez de ratificação (62 ratificações entre sua adoção, em junho de 1999, e 1º
de março de 2001).

155 NÃO AO TRABALHO FORÇADO
8 Convenção Internacional para a Supressão de Tráfico de Escravas Brancas, firmado em Paris
em 4 de maio de 1910 e revista pelo protocolo firmado em Lake Sucess, Nova Yorque, em 4 de
maio de 1949.
tarde atualizado em 19498. Em novembro de 2000, a Assembléia Geral adotou
a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado,
suplementada pelo Protocolo para a Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico
de Pessoas, especialmente de Mulheres e Crianças. A Convenção tem várias
disposições para combater o crime organizado, inclusive a mútua assistência
legal entre estados, treinamento e assistência técnica. Para os fins do Protocolo,
“tráfico de pessoas” significará “recrutamento, transporte, transferência,
manutenção ou alojamento de pessoas, por meio da ameaça ou uso da força ou
de outras formas de coerção, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou da condição
de vulnerabilidade ou de dar ou receber benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tem controle sobre outra, para o fim de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de pessoas ou de
outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão
ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos” (art. 3º(a)).
Finalmente, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, adotada em 1989 e quase universalmente ratificada, inclui o direito da
criança de ser protegida da exploração econômica da execução de trabalho que,
dentre outras coisas, seja prejudicial a sua saúde ou a seu desenvolvimento
físico, mental espiritual, moral ou social (art. 32). Outra disposição insta os
países a tomarem providências para prevenir rapto ou venda ou tráfico de
crianças para qualquer fim ou de qualquer forma (art. 35). Embora essas
disposições sejam de direta relevância para a eliminação do trabalho forçado, a
observância de outros artigos dessa Convenção ajudaria também a criar uma
estrutura em que seria muito mais difícil o surgimento de trabalho forçado que
envolvesse crianças.
NÃO AO TRABALHO FORÇADO 156
estagraf.com
estagraf@uol.com.br


fonte: www.ilo.org

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